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Entrevista

Formando da UFRGS que pintou suástica no rosto nega apologia ao nazismo: "Sempre repudiei discriminação"

Vinícius Krug de Souza deu a Zero Hora sua versão sobre o ocorrido na terça-feira. Ele é investigado pela polícia, pode perder o diploma e diz ter sofrido ameaças

21/02/2025 - 11h07min

Atualizada em: 21/02/2025 - 11h08min


Adriana Irion
Adriana Irion
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Paulo Egídio
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André Ávila / Agencia RBS
Abordado por representantes da universidade, Vinícius trocou a suástica por outro desenho antes da solenidade de formatura.

Dois dias depois de se formar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em meio à polêmica por ter pintado uma suástica no rosto, Vinícius Krug de Souza, 28 anos, decidiu contar sua versão sobre o caso. O formando no curso de Engenharia de Minas nega qualquer alusão ao nazismo, afirma que a pintura era de um símbolo hindu e relata estar sofrendo ameaças, assim como sua família. O caso está sendo investigado pelas polícias Civil e Federal.

Ao lado dos advogados Jader Santos e Olga Popoviche, Vinícius falou do que tem sofrido desde que uma foto sua foi divulgada em redes sociais. A imagem mostrava ele ainda com a suástica no rosto, antes da cerimônia. Depois de abordado por membros da universidade, ele apagou a pintura, substituindo-a por outro desenho.

O formando disse a Zero Hora que foi chamado a um banheiro por representantes da UFRGS, um policial e um guarda e disse que mostrou no celular a diferença entre a suástica nazista e a hindu. Segundo ele, os interlocutores concordaram, mas ainda assim pediram que apagasse o símbolo para evitar problemas. O estudante apagou a suástica, trocou por outro desenho e achou que a questão estava resolvida ali.

— Sempre repudiei qualquer forma de discriminação, intolerância e extremismo político, tanto da extrema direita quanto da extrema esquerda — alegou em entrevista (leia os principais pontos abaixo).

Já o advogado Jader Santos disse que "Vinícius está aberto às investigações":

— É do nosso interesse que vasculhem a vida dele, e não vão achar nada. É um jovem branco de periferia, jovem branco filho de empregada doméstica.

Confira trechos da entrevista de Vinícius 

Por que tu decidiu comparecer com esse símbolo na formatura?

Primeiro, quero me apresentar: sou recém-formado, tive destaque acadêmico, ganhei dois prêmios durante a cerimônia (de formatura, melhor aluno formando do curso de Engenharia de Minas e melhor desempenho acadêmico entre os formandos do curso), entrei na UFRGS por cota socioeconômica, sou de família de baixa renda, lutei muito para entrar na universidade. Quero esclarecer esse grave erro, as acusações, injustiças e prejuízos irreparáveis.

Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Vinícius ainda com a suástica no rosto (à direita), antes da cerimônia de formatura.

Tu não imaginou que o uso deste símbolo poderia causar problema? O que aconteceu?

Durante os preparativos da formatura, optei por desenhar símbolos religiosos e culturais como forma de manifestação artística. Esses símbolos têm significado profundo, é algo pessoal. Eu estava com três símbolos.

A suástica hindu é um símbolo ancestral, representa bem-estar, boa sorte, prosperidade, é conhecido há mais de 5 mil anos no hinduísmo. O Om (🕉) representa conexão entre corpo, mente e espírito. E também o Chi Rho (☧). Desenhei esse símbolo em respeito ao cristianismo, que foi importante na minha trajetória. Representa as duas primeiras letras da palavra "cristo". São símbolos incompatíveis com uma suástica nazista.

Teus colegas não conheciam esse teu lado, tu nunca falou destes símbolos?

Sempre fui muito reservado, não diria que tenho amigos (na UFRGS). Na universidade focava em questões de estudo, não sobre minha vida pessoal.

Tu não imaginou que as pessoas que não têm esse conhecimento pudessem ver como uma suástica nazista? 

Não imaginei, acho que qualquer pessoa que colocar no Google vai ver que é bem diferente. Mas naquele momento da formatura talvez as pessoas não pudessem fazer essa consulta. Na cerimônia eu não estava mais com o símbolo.

Tu te considera um praticante do hinduísmo?

Não. Acredito que tu possa tirar grande proveito das religiões, reflexões, é importante para o bem-estar da pessoa. Não necessariamente tem que ser adepto.

Como foi durante a formatura, tu sofreu algum ataque?

Quando fui chamado, tocou minha música, recebi aplausos. Mas durante aquele silêncio em que é colocado o chapéu, alguém gritou "nazista". Fiquei brabo e respondi com um gesto para essa pessoa. No fim da formatura, minha foto estava espalhada nas redes.

E como tem sido desde então?

Desde a publicação da minha foto fora de contexto, sofri linchamento virtual, ameaças. Minha mãe sofreu ameaça (aqui a fala foi interrompida pelo choro). Eu perdi meu emprego, prejudicando minha carreira recém iniciada, eu recém tinha entrado no mestrado e acho que não vou conseguir fazer, estão tentando anular meu diploma. O que deveria ter sido momento de alegria e celebração pela formatura e prêmios acadêmicos que recebi, se tornou um pesadelo.

Sobre essa hipótese da cassação do diploma, você já foi consultado?

Ninguém me procurou, mas a situação já está horrível, é catastrófico o que aconteceu. É uma injustiça. Sempre repudiei qualquer forma de discriminação, intolerância e extremismo político, tanto da extrema direita quanto da extrema esquerda. As publicações da internet e veículos de imprensa já arruinaram minha vida mesmo antes de me procurar para esclarecer os fatos.

Tu está aberto a investigações, mostrar celular, computador, pode garantir que não vão encontrar nada te ligando ao nazismo?

Posso garantir e estou esperando isso. Só que ninguém veio falar comigo.

Tu foi demitido?

Sim. Encontraram meu perfil no LinkedIn. Como a empresa também sofreu ataques, tive que ser demitido.

Que ameaças tua mãe recebeu?

Minha mãe tinha perfil aberto nas redes, encontraram, bombardearam ela com xingamentos e ameaças. Eu sou de família humilde, minha mãe é empregada doméstica, e eu sou, ou seria, a primeira pessoa formada em Ensino Superior da minha família.

Vai adotar medidas contra quem fez acusações?

Vou tomar medidas legais devidas para responsabilizar quem fez essas divulgações. Eu sou vítima, o que fizeram comigo é um crime, e a pessoa que fez isso tem que ser punida. Isso veio de dentro da universidade, entre os alunos formandos. Quero reforçar que a má interpretação de símbolos culturais pode gerar injustiças e destruir reputações, aconteceu comigo.

Tu já teve envolvimento com movimentos políticos?

Eu me considero de esquerda, eu já participei de eventos públicos, passeatas, existem fotos minhas com pessoas de esquerda, não tenho nada relacionado com nazismo ou extrema direita. Se for feita pesquisa na minha vida, vão encontrar minha posição política de esquerda.

Já deu depoimento à polícia?

Não.

Investigação

A Polícia Civil instaurou inquérito para averiguar o caso na quarta-feira (19). A investigação é conduzida pela delegada Tatiana Bastos, titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI).

O deputado estadual Leonel Radde (PT), que registrou boletim de ocorrência sobre o caso, já foi ouvido. A polícia também enviou ofício à UFRGS solicitando depoimentos do vice-reitor, Pedro Costa, e do coordenador de Segurança, Mozarte Simões da Costa Junior.

"A investigação seguirá os demais trâmites da Polícia Judiciária, garantindo a devida responsabilização caso haja comprovação da materialidade delitiva", informou a DPCI.

A Polícia Federal informou que o caso está em fase preliminar, de análise da notícia-crime.

Internamente, a UFRGS planeja uma reunião nesta sexta-feira (21) entre a reitora Marcia Barbosa e a procuradora da República que atende a instituição para avaliar quais medidas serão adotadas. Uma das providências discutidas é suspender a emissão do diploma de Vinícius.


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