Papo Reto
Manoel Soares: "Cafona"
Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados


Não sou daqueles que ficam aplaudindo tudo que europeu faz, achando que eles são a evolução humana. Pelo contrário, quando penso nos movimentos de colonização que fizeram ao longo dos séculos, sinto um bloqueio até de olhar o mapa-múndi.
Porém, conversando com uma amiga da Suécia nesta semana, ela me disse que precisava ajudar alguém a limpar a casa. Levando em conta que ela é representante de uma distribuidora de lanchas de luxo no Oriente Médio, achei estranho. Não resisti e perguntei porque elas não contratavam uma pessoa para limpar. A resposta me espantou mais do que ela limpar a própria casa, tendo tanta grana. Ela me disse: “Isso aqui é muito cafona.” Me ajeitei na cadeira e resolvi atrasar minha amiga, querendo entender essa história. Ela contou que quem mora em casa que não consegue limpar, quem tem carro que não sabe lavar, tem uma quantidade de roupa que não consegue cuidar, é considerado em seu país um dos dois tipos de pessoa: ou é desorganizado que não faz gestão do seu tempo, ou é esnobe que precisa ficar sendo servido para se sentir superior. Ou seja, em ambos os casos não pega bem.
Faxina
Como bom brasileiro, defendi que muitas pessoas aqui vivem da faxina e de outros serviços domésticos, e que, se essa cultura rolasse aqui, iria ter muito desemprego. Ela disse que lá pessoas desempregadas recebem um auxílio para aluguel e comida, mas que ficar muito tempo recebendo esse auxílio pega mal também. Mas que, como os salários são compatíveis com a economia do país, os desempregados têm reserva para, na maioria das vezes, não precisarem acessar tais serviços.
Falamos de um país que tem a população do Rio Grande do Sul, e que tem uma política rígida de imigração para não virar terra dos sonhos de todo mundo. A filosofia deles é a de que cada pessoa tem de cuidar de seu jardim, da sua casa, das suas roupas e carros. É também um incentivo à pessoa aproveitar tudo o que conquistou. Além de que, como cada um precisa cuidar do que é seu, as pessoas não têm mais do que precisam, senão não terão tempo para dar a atenção necessária.
O que mais vejo é amigos conquistando coisas que nem aproveitam direito, isso vai desde casa e carros até celulares e roupas. Mas confesso que, desde que falei com ela, tenho encontrado mais prazer em cuidar da minha casa, não somente como uma obrigação, mas como uma forma de desfrutar também do prazer de cuidar do que é fruto do meu suor. Afinal, não quero ser cafona.