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Um pé no passado e um olho no futuro

Como as novelas se reinventam e sobrevivem na era da internet

Emissoras buscam novas formas de atrair o público jovem e de não perder os antigos telespectadores

18/06/2016 - 12h00min

Atualizada em: 18/06/2016 - 12h02min


Michele Vaz Pradella
Michele Vaz Pradella
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Das transmissões ao vivo na década de 1950 aos conteúdos online de 2016, a telenovela resiste, firme e forte, buscando novas formas de atrair o público jovem e de não perder os antigos telespectadores. Essa sobrevivência é possível, ainda que outros meios estejam pipocando ao nosso redor. Afinal, não dá pra abandonar a telinha que nos acompanhou por tanto tempo, formou gerações e garantiu momentos inesquecíveis. Mas é possível, sim, abrir espaço para novas telas, cada vez mais ao alcance do público conectado do século 21.

Em mais de 50 anos de novelas no Brasil, muita coisa mudou. O telespectador não é mais o mesmo, a tecnologia evoluiu vertiginosamente e, com isso, novas formas de ver e fazer teledramaturgia foram surgindo. Aliar televisão e internet, exibir conteúdos exclusivos na web e contar histórias inovadoras foram algumas das estratégias utilizadas nos últimos anos para recuperar, ou pelo menos manter, o público noveleiro.

"É assim que tem que ser feito"

Para o colunista Nilson Xavier, criador do site Teledramaturgia e autor do livro Almanaque da Telenovela Brasileira, está mais do que na hora de mudar o "velho jeito de fazer novela" ou, pelo menos, saber se conectar ao público do século 21:

– A telenovela sempre se adaptou às mudanças da sociedade, por isso se manteve durante tanto tempo como o programa de tevê aberta de maior audiência (juntamente com os telejornais). Adaptar-se às exigências do público é uma questão de sobrevivência.

Porém, ultimamente, investir em novas narrativas deixou de ser tão importante. Logo após assumir a diretoria de teledramaturgia da Globo, em 2014, Silvio de Abreu falou em entrevista à Caras que era o momento de retomar as origens dos velhos folhetins:

"Eu acho que novela tem que voltar a ser novela. Essa história de fazer novela para ficar parecida com seriado, não dá certo. Novela é uma história folhetinesca com romance, com comédia, com drama, que a pessoa fique motivada a assistir todo dia e que tenha um gancho a cada comercial, e um gancho forte no final do capítulo. O gênero é esse e é assim que tem que ser feito. Qualquer coisa que se fizer fora disso não dá certo."

Queda irreversível?

Nilson ressalta que a queda de audiência não é um fenômeno novo, e só tende a se exacerbar com o passar do tempo:

– Não existe mais "período de vacas magras". Cada vez mais, a audiência da tevê aberta irá cair. Para estancar a queda, as emissoras precisam atender os anseios e exigências desse novo público que não tem mais a tevê aberta como única forma de entretenimento.

De 2000 até agora, é visível que a audiência da faixa das 21h vem caindo em comparação às faixas das 18h e 19h. Segundo a colunista Patrícia Kogut, Velho Chico, em algumas ocasiões, perdeu para Êta Mundo Bom! e Totalmente Demais.

Já na Grande Porto Alegre, os números referentes às primeiras sete semanas de exibição da trama das nove conseguiu um desempenho melhor do que as anteriores.

Qual seria, então, a "fórmula de sucesso" para que as novelas sejam atrativas ao público? Para Nilson Xavier, não existe fórmula, se fosse o caso, todas as emissoras apostariam nisso.

Internet como aliada

O jeito é tentar adaptar a telenovela às novas mídias, cada vez mais presentes na vida dos brasileiros. Ações integradas, como já vem sendo utilizado desde Cheias de Charme, um dos maiores fenômenos do horário das 19h nos últimos anos, são saídas encontradas pela emissora. Em 2012, o clipe das "Empreguetes" foi lançado primeiramente na internet, com milhões de visualizações. Só no capítulo seguinte o restante do público assistiu às imagens pela tevê. Outro exemplo é Totalmente Demais, que ganhou um spin off (série de capítulos independentes) exclusivo na internet.

Segundo a assessoria de comunicação da Rede Globo, a emissora passou a ver a internet não como um concorrente direto da televisão, mas como uma grande aliada.

– A internet ampliou nossas oportunidades de conexão com o público, na medida em que abriu novas possibilidades de consumo de conteúdo. A Globo aposta na produção de conteúdo multiplataforma, com qualidade e relevância, complementando a experiência da tevê – avalia o setor de comunicação da emissora.

Sucesso nas redes sociais

Tanto engajamento se torna um grande diferencial:

– Além da audiência medida na tevê, as conversas sobre os programas extrapolaram a vida real e invadiram as redes sociais. Temos cerca de 1.500 termos por mês, relacionados a nossos programas e a seus conteúdos, nos Trending Topics do Twitter, por exemplo.

O "IBOPE Twitter TV Ratings", que analisa a repercussão do conteúdo televisivo no ambiente digital, mostra o sucesso de Totalmente Demais e Haja Coração nas redes sociais. A reta final da trama de Eliza (Marina Ruy Barbosa) e as primeiras confusões de Tancinha (Mariana Ximenes) ficaram entre os assuntos mais comentados no Twitter.

Enquanto isso, nos finais de tarde...

Walcyr Carrasco pode ser considerado um verdadeiro camaleão da teledramaturgia. Sejam os romances açucarados das 18h, as comédias das sete, um dramalhão com vilões cruéis no horário nobre ou uma boa polêmica às 23h, o autor é artilheiro em todas as posições.

Em seu atual sucesso, Êta Mundo Bom!, Walcyr é sucesso de audiência, batendo os próprios recordes. Estão no ar elementos repetidos pelo autor em várias tramas nos últimos anos, sempre com êxito: o núcleo caipira, com direito a banhos de lama no chiqueiro, guerras de comida, a loira má e ambiciosa... Walcyr Carrasco recicla suas próprias tramas e acerta em cheio no coração do público.

O adorável clichê das 19h

Na recém-finalizada Totalmente Demais, Rosane Svartman e Paulo Halm reinventaram a roda. Eliza (Marina Ruy Barbosa) era uma moça pobre que virava uma modelo de sucesso, ficava dividida entre o primeiro e o novo amor, às voltas com a rival sem escrúpulos e o padrasto malvado.

Sim, já vimos esse filme (ou livro, novela, peça de teatro) inúmeras vezes. Mas é sempre um sucesso. Quem não ama um bom e velho conto de fadas, por mais modernizado e repaginado que seja? O importante é que lá no último capítulo todos vivam "felizes para sempre", seja qual for a escolha da mocinha.

A queda de audiência no horário nobre

Principal faixa de horário da Rede Globo, não por acaso chamado de "horário nobre", o período que abrange entre 21h e 22h tem sofrido altos e baixos nos últimos dois anos. Apesar dos autores de peso como Manoel Carlos, Gilberto Braga, João Emanuel Carneiro e Aguinaldo Silva, as tramas não têm mais o mesmo apelo junto ao público, que se afasta cada vez mais da tevê aberta nesse horário.

Nas décadas de 1980 e 1990, as tramas do horário nobre facilmente ultrapassavam os 60 pontos de audiência, com destaque para Roque Santeiro (1985), que chegou a atingir 100% dos telespectadores no último capítulo. A partir dos anos 2000, a trama que se mantém recordista em números de audiência é Senhora do Destino (2004), com picos de 50 pontos. Os dados foram divulgados pelo autor Aguinaldo Silva em seu site oficial. Ele se vangloria, e com razão, de ter sido responsável por seis das 15 novelas de maior audiência dos últimos 30 anos.

O fenômeno Viva

A nostalgia impera entre os telespectadores do século 21. Prova disso é o sucesso do canal por assinatura Viva, que desde 2010 é ponto de encontro dos saudosistas. O público adora relembrar novelas, minisséries e programas de tevê, mergulhar nesse túnel do tempo e rever cenas que marcaram a infância e a adolescência de tanta gente. Os mais jovens se divertem com a moda, penteados e maquiagem daquela época. E assim, em meio a um encontro de gerações, as redes sociais fervilham de comentários sobre atrações televisivas de 10, 20 ou 30 anos atrás.

Serviço por assinatura cresce

Segundo informações do Kantar Ibope MW, as três novelas exibidas pelo Viva no período da tarde são líderes de audiência da tevê por assinatura. Mulheres de Areia (remake de 1993), Meu Bem, Meu Mal (1990) e Laços de Família (2000) são fenômeno também nas redes sociais. A trama de Manoel Carlos, por exemplo, voltou a ser notícia, e o público de 2016 continua odiando Camila (Carolina Dieckmann) tanto quanto o de 2000.

A tevê por assinatura cresce cada vez mais, enquanto as emissoras de televisão aberta apresentaram queda nos últimos anos. Em dados apresentados no Painel Nacional de Televisão aparece com um crescimento de 135% no período de 2010 a 2015. Já a Rede Globo perdeu quase três pontos de audiência na média geral.



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