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Gloria Perez: uma autora à frente do seu tempo

Algumas vezes, a autora foi uma espécie de "profetisa", adiantando o que aconteceria na sociedade ou colocando o dedo na ferida de certos tabus. Veja por quê.

24/04/2017 - 10h00min

Atualizada em: 24/04/2017 - 10h01min


Michele Vaz Pradella
Michele Vaz Pradella
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As telenovelas existem há 65 anos, foram exibidas nos mais diversos formatos, tamanhos e horários. Tantas histórias já foram contadas que é quase impossível ver uma trama original.

Clichês se repetem à exaustão, e são poucos os autores que arriscam ousar. Mas Gloria Perez é o ponto fora da curva. Algumas vezes, a autora foi uma espécie de "profetisa", adiantando o que aconteceria na sociedade ou colocando o dedo na ferida de certos tabus.

Na festa de lançamento de A Força do Querer, a autora da novela das nove, Gloria Perez, falou sobre a importância de abordar temas polêmicos e sociais:

– Falo das coisas que me preocupam. As causas que eu ponho nas minhas novelas são aqueles assuntos que, no momento, eu queria pensar sobre eles e acredito que deveriam ser debatidos.

Antenada com as questões da atualidade, Gloria já adiantou queo próximo assunto abordado será o Jogo da Baleia Azul, que está sendo associado ao suicídio de adolescentes pelo mundo:

"Sim,o jogo da baleia azul vai estar em #aforçadoquerer, e que, mais uma vez, a novela consiga esclarecer e alertar as pessoas!", adiantou a escritora no seu Instagram.

Nos passos da mestra

Gloria foi discípula de Janete Clair (1925 – 1983), considerada uma das maiores autoras da história da teledramaturgia, responsável por clássicos como Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972), Pecado Capital (1975), O Astro (1977) e Pai Herói (1979). Alguns ganharam remakes, mas nenhum superou suas histórias originais.

Em 1983, Janete escrevia Eu Prometo e tinha a colaboração de uma jovem promissora roteirista: Gloria Perez. Um câncer no intestino levou precocemente a autora titular.Quem assumiu a novela foi a jovem, que viria a ser uma das maiores novelistas do Brasil.

Aos 68 anos, Gloria se mantém no seleto time de autores do horário nobre.Hoje, ela é a única a dispensar colaboradores e faz questão de escrever sozinha. Ao colunista Flávio Ricco, do Uol, explicou por quê:

– Paixão não se divide.

E mais: a autora escreve de pé! Gloria já revelou, em entrevistas, que a posição "faz bem à coluna".

Criticada por alguns exageros nas tramas, ela argumenta que as obras são ficção. "Pobre de quem não consegue voar", disse no Twitter.

Relembre as principais polêmicas levantadas pela autora:

Os dilemas dos transgêneros: A Força do Querer (2017)

Com menos de um mês no ar, a nova trama de Gloria chega dando uma prévia das polêmicas que serão lançadas.

Agora,a questão gira em torno de Ivana (Carol Duarte), jovem que não se reconhece como mulher. Joyce (Maria Fernanda Cândido) sempre tratou a filha como uma boneca, mas Ivana se sente estranha no próprio corpo.A questão dos transgêneros mostrará, aos poucos, como acontece esta transição – neste caso, de uma mulher para homem. É a primeira vez que uma obra de ficção se aprofunda no tema, que promete render muitas discussões.

E vício em jogo

O drama de Silvana (Lilia Cabral) pega fogo. Viciada em jogo, ela mente para o marido, perde fortunas nas mesas de pôquer, mas não consegue se livrar do seu "carteado inocente", como a personagem diz. A atriz visitou grupos de jogadores anônimos para entender o drama de Silvana e desenvolver melhor a doença da sua personagem.


Tráfico de seres humanos: Salve Jorge (2012)

O drama das mulheres traficadas e obrigadas a se prostituir fora do Brasil entrou em pauta e virou centro de debates na imprensa mundial. Na trama, a protagonista Morena (Nanda Costa) foi uma das vítimas do golpe da quadrilha de Lívia (Claudia Raia).

Vida real

Enquanto a novela estava no ar, histórias reais de brasileiras que passaram por este tipo de situação começaram a surgir.A novela ajudou até uma mãea resgatar sua filha, que trabalhava em uma casa noturna na Espanha. Outras cinco mulheres, de diferentes nacionalidades, foram salvas numa operação policial, em Ibiza.

Esquizofrenia: Caminho das Índias (2009)

A esquizofrenia, pela primeira vez abordada de forma nua e crua em uma novela, impressionou e esclareceu as dúvidas do grande público. Bruno Gagliasso se entregou de forma visceral ao personagem Tarso. E mereceu todos os elogios por sua interpretação.


Imigração ilegal: América (2005)

O sonho dourado da protagonista Sol (Deborah Secco), de ir para os Estados Unidos, acabou virando pesadelo durante a trama. Gloria contou o drama de milhares de brasileiros que tentam atravessar ilegalmente o deserto mexicano para, quem sabe um dia, chegarem até a terra do tio Sam.

Enganada pelo vilão Alex (Thiago Lacerda), a mocinha enfrentou grandes perigos ao tentar atravessar a fronteira.

Clonagem humana: O Clone (2001)

A ovelha Dolly, primeiro ser vivo clonado com sucesso, foi apresentado ao mundo em 1997. Poucos anos depois, Gloria mexeu com a cabeça e os olhos do público ao mostrar um ser humano clonado. Murilo Benício apareceu em dose tripla: como os gêmeos Lucas e Diogo e o clone Leo.

Chocou a sociedade

Entre outras polêmicas, ainda chamou a atenção o envolvimento de Mel (Débora Falabella) com drogas de vários tipos. Em cenas fortíssimas, a escritora mostrou que a dependência química pode acontecer nas melhores famílias, sem importar a classe social. Mas não parou por aí.

Menos de um mês depois dos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos, quando o islamismo estava no centro do debate sobre terrorismo, a novela das nove mostrava justamente a cultura muçulmana. Jade (Giovanna Antonelli) e sua família fizeram história e ditaram moda com roupas, costumes e expressões que caíram na boca do povo, como “Insha’Allah!”.

Surgimento da Internet: Explode Coração (1995)

A internet chegou ao Brasil em 1995, mas era luxo para poucos. Na trama, já era possível conversar com pessoas do outro lado do mundo pelo computador.

Futuro presente

Foi assim que a cigana Dara (Tereza Seiblitz) conheceu o empresário Júlio (Edson Celulari), e seus mundos, tão diferentes, se cruzaram. Parecia ficção científica, mas, em pouco tempo, aquela “fantasia” foi ficando cada vez mais concreta.

O sumiço de crianças também foi abordado. E isto ajudou famílias da vida real a encontrar seus pequenos.

Transplante de órgãos: De Corpo e Alma (1992)

A trama girava em torno de transplante e doação de órgãos. Na história, Betina (Bruna Lombardi) morre tragicamente, em um acidente de carro, mas seu coração continua batendo no peito de Paloma (Cristiana Oliveira), que recebe o órgão.

Pouco depois, Diogo (Tarcísio Meira), que era amante de Betina, se envolveu com Paloma. A novela impulsionou o número de transplantes e motivou muitas famílias a autorizarem a doação de órgãos de seus entes queridos.

Tragédia

Infelizmente, a trama será sempre lembrada por um drama da vida real. Em dezembro de 1992, na metade da novela, Daniella Perez, 23 anos, filha da autora, foi assassinada pelo seu colega Guilherme de Pádua.


Fertilização in vitro: Barriga de Aluguel (1990)

Na sua primeira novela como autora titular, Gloria tratou uma questão ética ainda pouco discutida na época: afinal, mãe é quem gera durante nove meses, ou quem doa os óvulos?

A fertilização in vitro era quase uma novidade no início da década de 1990. O primeiro bebê de proveta no mundo nasceu em 1978, e no Brasil, somente em 1984. Assim, o público não tinha quase conhecimento sobre o tema.

Conflito

Ana (Cássia Kis) e Zeca (Victor Fasano) doaram o material genético, mas quem carregou o bebê durante nove meses foi a jovem Clara (Cláudia Abreu), que se negou a entregar a criança após o seu nascimento. Depois de uma dura batalha judicial, as duas mães optaram por uma convivência pacífica.


Amiga do Rei

Noveleiro assumido, Roberto Carlos tem uma missão irrecusável a cada novela de Gloria: compor uma música para algum dos seus personagens. Em A Força do Querer, Sereia embala as cenas de Ritinha (Isis Valverde).

Seu pedido é uma ordem

Em Salve Jorge (2012), foram duas do Rei: Esse Cara Sou Eu, tema de Téo (Rodrigo Lombardi) e Morena (Nanda Costa), e Furdúncio, funk para Lurdinha (Bruna Marquezine). O pedido de Gloria é uma ordem!

– Tenho que fazer. Perder a oportunidade de estar numa novela, só doido, não é? – contou Roberto em entrevista ao site Gshow.


Do luto à luta

Após o assassinato de Daniella Perez, Gloria passou a atuar ativamente na busca por mudanças na legislação penal do Brasil. Guilherme de Pádua e Paula Tomaz, assassinos confessos da atriz, ficaram seis anos na cadeia.

A escritora começou uma campanha para mudar o Código Penal e, com isso, conseguiu mais de 1 milhão de assinaturas. Graças ao seu esforço, os crimes hediondos passaram a ter penas mais severas, sem a possibilidade de fiança ou de progressão de pena para os regimes aberto e semiaberto.

Legado

Mas as mudanças não foram aplicadas ao caso Daniella Perez. Guilherme e a ex-mulher foram soltos em 1999. Ele se casou pela terceira vez e mora em Minas Gerais. Paula vive no Rio.




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