Música



Sangue gaúcho

VÍDEO: "É um frio na barriga que há muito não sentia", diz Maria Rita, sobre novo disco

Cantora, em entrevista exclusiva, fala do lançamento, das polêmicas por conta de ser filha de Elis e se diz confortável como sambista. 

27/01/2018 - 12h00min

Atualizada em: 28/01/2018 - 18h58min


José Augusto Barros
José Augusto Barros
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Aos 40 anos, herdeira de um legado forte por ser filha de Elis Regina e César Camargo Mariano, Maria Rita poderia seguir o confortável caminho dos pais, cantar releituras da mãe, músicas do pai e seguir carreira de sucesso. 

Mas, com 16 anos de estrada, decidiu pelo inverso: no mais recente disco, Amor e Música, finca de vez seus dois pés no samba, se distancia do repertório e do estilo de Elis e fixa o seu nome entre as grandes intérpretes do país, com a bênção de bambas do gênero. Retratos da Fama é todo dela, em um papo exclusivo, em São Paulo, no lançamento do seu novo disco. 

Finca os dois pés 

Divulgação / Universal Music

Ao lançar o seu oitavo álbum da carreira, Amor e Música (R$ 22, preço médio), Maria Rita se entrega de vez a um dos gêneros mais populares do Brasil: o samba. Não que, em discos anteriores, como o elogiado Samba Meu (2007), ela não tivesse mostrado afinidade com o gênero. 

Divulgação / Universal Music

Porém, no disco que chegou às lojas e às plataformas digitais nesta sexta-feira (26), o samba entra com tudo. A produção e a direção são da própria cantora. Em faixas como Perfeita Sintonia (de Fred Camacho, Leandro Fab e Marcelinho Moreira) e Pra Maria, de Marcelo Camelo, que lembra a velha-guarda das escolas de samba do Rio de Janeiro, e Nem por Um Segundo, parceria de Zeca Pagodinho com Fred, ela aparece à vontade no papel.

— Hoje, eu me sinto muito confortável na pele de sambista. Quando eu gravei o Samba Meu, tinha uma espécie de receio... Não, de respeito, sabe? Eu pensava: "Não vou me rotular sambista, eu só reverencio eles" — relembra a cantora.

Maria Rita grava sambistas contemporâneos em novo disco

"Puxão de orelhas" 

Na entrevista, a cantora conta que mudou de postura ao tomar um "puxão de orelhas" de um dos grandes mestres do gênero, Arlindo Cruz.

— Ele me disse, com aquela típica voz rouca dele: "Respeita, mas não precisa muito (risos)". Quando os bambas mais tradicionais me encontram e dizem "com essa aqui, o samba não morre, não", eu vejo que estou no caminho certo — comemora a cantora, lembrando que já desfila em escolas do Rio há mais de 10 anos.

Maria Rita também já comandou multidões em blocos de Carnaval, como o Cordão da Bola Preta, um dos mais populares da folia na Cidade Maravilhosa.  

Identidade

Segundo ela, a sua migração para o samba se deu de maneira natural, como uma espécie de identidade com o gênero:

— Na turnê do Redescobrir (em 2013), eu lembro que pensava: "Sempre tratei a música com reverência, eu sirvo à música." Nessa época, eu senti que a música também deveria me servir. Eu canto o que me faz ser melhor cantora, isso faz que eu me sinta relevante. Eu saio da zona de conforto. E eu sinto isso com o samba, me sinto relevante, me identifico com as histórias, com as coisas comunitárias, com o que o samba traz.

A turnê do disco Amor e Música começa em março, no Rio de Janeiro, e deve seguir pelo resto do Brasil em 2018. Ainda não existe confirmação de uma data inicial, mas já existem negociações para que o show venha para Porto Alegre.

"Sinto que os gaúchos querem me pegar no colo"

Em cerca de 30 minutos de conversa, Maria Rita não poderia deixar de falar, é claro, de sua forte ligação com o Rio Grande do Sul, pelo fato de ser filha da gaúcha Elis Regina (1945 - 1982), considerada uma das maiores cantoras da história da música nacional. E não fugiu de temas polêmicos. Confira.

No Rio Grande do Sul, existe uma certa devoção pelo teu nome. Teus shows sempre têm ingressos esgotados. Quando o teu nome é anunciado, rola uma loucura. A que atribui isso?

Olha, acho que pelo orgulho do gaúcho, né? Eu lembro que, na primeira vez que eu fiz show em Porto Alegre, estava grávida do meu primeiro filho (Antonio) em 2003 (hoje, ele tem 13 anos, e Alice, sua filha com Davi Moraes, 44 anos, tem cinco). E estava naquela fase de não poder revelar a gravidez, das primeiras semanas, sabe? Eu estava muito emocionada. 

E o Pedro Sirotsky (integrante do Conselho de Administração do Grupo RBS), que era muito amigo da minha mãe, quando soube que eu faria show em Porto Alegre, me falou: "Te prepara: quem gostar de ti vai te amar, quem não gostar, vai te odiar". Eu perguntei: "Por causa da minha mãe?". Ele disse: "Sim". E eu fui preparada. 

E como foi o show? 

Genaro Joner / Agencia RBS
Em 2003, a primeira vez de Maria Rita em Porto Alegre

Foi no Teatro do Sesi. No roteiro, eu cantava umas quatro músicas e conversava com o público. Numa dessas, levantou um cara, lá no fundo, e gritou: "Sangue gaúcho". Nesse momento, eu olhei para o Pedro, e ele estava todo inflado, orgulhoso. Eu travei, fiquei sem reação. Então, um começou a aplaudir, outro começou a aplaudir. Daqui a pouco, todo o Sesi estava em pé, eu fiquei aos prantos. 

Imagina: minha primeira vez no Sesi, esperando um neto da Elis. Acho que foi ali que eu conquistei o gaúcho, eu tinha um pé atrás com vocês. O Rio Grande do Sul sempre teve uma relação conturbada com a minha mãe, né? Mas, depois que ela morreu, ficou tudo bem, todos se redimiram, ela ganhou estátua em Porto Alegre (na Usina do Gasômetro), virou nome de rua e tudo mais. 

O gaúcho é um povo muito passional, radical muitas vezes...

Exato, passional. E acho que as pessoas da minha idade, ou um pouco mais, têm uma imagem da menina que, aos quatro anos, perdeu a mãe, sabe? Porque, na época, foi um choque para a nação. Sinto que os gaúchos querem me pegar no colo, e eu deixo. Enquanto o país esquece seus ídolos, eles idolatram a minha mãe, o que é ótimo, me deixa honrada. 

A cada dia, tu te distancias do estilo da tua mãe, cantora de MPB, de voz diferente, canções originais. Foi uma opção tua desde o começo?  

A minha primeira opção foi distanciamento, sabe? Primeiro, porque, quando comecei a cantar, fui muito atacada por fãs de minha mãe. Não existiam as redes sociais, mas existiam outros meios. Ouvia coisas do tipo: "Se eu encontro na rua, te encho de porrada" e "Quem ela pensa que é para cantar músicas da Elis?". Muitos fãs da minha mãe foram muito agressivos comigo. 

Maria Rita se emociona no show em homenagem aos 30 anos da morte de Elis Regina

Ao mesmo tempo, me distanciei porque seria muito fácil para mim entrar por essa porta. Então, fui por outro caminho. E, na nossa família (ela é filha de César Camargo Mariano com Elis e irmã do cantor Pedro Mariano), a música sempre foi levada muito a sério. Meu pai sempre disse: "Para todo mundo, a música é entretenimento, diversão. Aqui, não. É coisa séria". E eu carregava isso desde sempre. Mas, se começasse hoje, faria tudo de novo, da mesma forma. 

No encarte do disco, tu homenageia os teus filhos. Como lida com essa vida de estrada, mãe e cantora? 

O pai tem uma vantagem: foi geneticamente projetado para ser o provedor, e a sociedade espera isso dele. Então, se fica 20 dias fora, trabalhando, é normal. A gente tem esse resquício do instinto animal, que o pai deve proteger o filho e a esposa. Enquanto isso, a mulher não. Era aquela coisa: "Fecha tua boca, fica em casa, esquenta a barriga no fogão, esfria no tanque". Existe uma culpa brutal em muitas mulheres modernas. Logo que o Antônio nasceu, eu parei um show no meio, chorava copiosamente no palco.

E como tu tratas isso com eles?

Ag News / Ag News
Com Davi (de camisa branca) e Alice, à frente

Sempre digo: a minha fibra é essa. Eu tenho que sair de casa. Se eu ficar em casa, não serei uma mãe legal, esse é o meu lugar no mundo. Minha mãe dizia que ninguém nem nada tiraria ela dos palcos. Quando eu ouvi essa frase pela primeira vez, nossa, fiquei braba. Que mulher louca! Hoje, eu entendo. Então, eu crio meus filhos para que eles entendam isso. E crio eles para que tenham orgulho dos dias que eu estou fora de casa, que não seja um drama.

No encarte, tu também fazes uma homenagem bonita ao Davi Moraes (integrante da sua banda, com quem é casada há seis anos). 

Reprodução / Instagram
Com Davi, no palco

A gente trata palco e família muito bem. Eu tenho uma "chave" que vira e desvira, não confundo as coisas. Não existe essa coisa de levar coisas do palco para casa. No encarte, eu escrevi que ele me inspira e está presente sem nem saber que está. Temos uma maturidade muito grande, ele é muito generoso.

 




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