Maternidade sem filtro
Mamães famosas contam como conciliam trabalho e criação dos filhos
Neste Dia das Mães, buscamos compreender melhor o que sentem as mulheres que trabalham fora mas vivem se cobrando por não dar atenção total à família
Encontrar o ponto de equilíbrio é um dos maiores desafios para mulheres que conciliam maternidade e profissão. As exigências surgem de todos os lados, e, com a pressão, pode bater aquele sentimento de culpa. A ala feminina chegou ao mercado de trabalho para ficar, mas nem por isso abandonou o ninho. Elas são batalhadoras e assumem diversos papéis sem descer do salto. Mas quem disse que é fácil? Neste Dia das Mães, buscamos compreender melhor o que sentem as mulheres que trabalham fora e se dividem em muitas para dar conta de carreira e família. Estrelas que conciliam o sucesso na telinha (e na telona) com a criação dos filhos abrem seus corações.
Produção: Rossana Gueller Ruschel
Dilemas femininos em cartaz
No longa De Pernas pro Ar 3, Alice (Ingrid Guimarães) é líder de vendas no mercado de produtos eróticos à frente das lojas Sexy Delícia. Ao perceber que a entrega exagerada à profissão a está fazendo perder o convívio com os filhos, a empresária se sente culpada e toma uma atitude radical: larga os negócios e passa a se dedicar integralmente à família. Com o passar do tempo, entretanto, ela vê que não está realizada e volta com tudo à liderança de sua empresa — desta vez, sem perder de vista os laços familiares.
"A maior cobrança vem da gente mesmo"
Na vida real, a intérprete de Alice é mãe de Clara, nove anos, e também já se sentiu culpada. Em entrevista ao Diário Gaúcho, Ingrid falou sobre o sucesso do filme e sobre as dificuldades de harmonizar maternidade e profissão. Aos 46 anos, a atriz acredita que fazemos parte de uma geração que cultiva a culpa.
— A maior cobrança vem da gente mesmo. A verdade é que, praticamente falando, a criação dos filhos ainda é uma responsabilidade mais da mulher. E, hoje, trabalhamos igual ou mais do que os homens. Ou seja, a conta diária não fecha. Aí, vem a culpa — diz.
A maternidade real também a inspirou para escrever cenas do filme — Ingrid integrou o time de roteiristas. O diálogo no qual Alice explica para a filha que gosta de sair de casa para trabalhar é um dos pontos altos do longa.
— Essa é a questão da minha vida há nove anos. Quis falar disso de maneira poética, sem colocar a questão do dinheiro como motivo principal. Tenho o maior orgulho dessa cena — afirma.
Sobre o sucesso da produção — que já levou cerca de 1,5 milhão de espectadores ao cinema — Ingrid aposta ser fruto da identificação que o público feminino teve com as diversas fases da vida de uma mulher, exibidas sem filtro.
— O feedback é o melhor possível. Aprofundamos a questão da mulher, do envelhecer, da sororidade (união entre mulheres), da relação com os filhos que crescem e dos casamentos que mudam. Não tem como não se identificar. As pessoas riem e se emocionam — explica.
Pressão e redes sociais
O angustiante sentimento de culpa, vivenciado pela maioria das mamães, decorre da pressão social que as mulheres sofrem para colocar o papel materno acima de qualquer coisa. É o que explica Sabrina Daiana Cúnico, doutora em Psicologia e professora da Universidade Feevale.
— Uma mulher que passe muitas horas do dia no trabalho, ou que precise viajar em função deste, muito provavelmente terá sua capacidade maternal questionada. Um homem, pai, que tenha o mesmo comportamento, dificilmente terá sua capacidade de pai questionada. Ao contrário, é mais provável que seja parabenizado por querer proporcionar uma boa vida aos filhos — explica.
Segundo a professora, é importante pontuar que não existe uma única maternidade. Cada caso é um caso. As mulheres são diferentes entre si, e a situação em que cada uma se encontra também diverge.
— É diferente falar das pressões e cobranças sofridas por mulheres que contam com o apoio familiar, com o auxílio de alguma babá ou do pai da criança. Há mães que não contam com nenhum apoio — pondera.
Quando se fala em culpa, as redes sociais também podem ser vilãs. Na opinião de Sabrina, a exposição midiática de uma maternidade com retoques, que não explore as dificuldades do dia a dia — como privação do sono e amamentação — pode causar impactos negativos.
— A reprodução de um ideal de mãe, que não sinta o cansaço da rotina, que sempre tenha tempo para os filhos, e que ao mesmo tempo consiga estar sempre bem arrumada e plena é mais uma das formas de controle da mulher na sociedade, pois essa é uma equação que não fecha. Produzir um ideal que jamais poderá ser alcançado é produzir culpa — diz a especialista.
"Não desistam de ter filhos, não desistam do seu sonho profissional"
A apresentadora da RBS TV Daniela Ungaretti é exemplo de mãezona — e de jornalista. Com a chegada da pequena Clara, dois meses, ela se afastou temporariamente da bancada do Bom Dia Rio Grande, deixando saudade nos telespectadores gaúchos. A bela, que também é mãe de João Pedro, 18 anos, e de Miguel, sete, contou como estão sendo os primeiros meses com a mais nova caçula.
Como tem sido este novo momento? Por ser a terceira filha, foi mais tranquilo ou teve desafio?
Eu estou vivendo um momento muito especial, que não pensei que viveria. Tive meu primeiro filho com 23 anos, no início da minha carreira. Depois tive o segundo, com 35, já como apresentadora da RBS TV. E agora, aos 42, sou abençoada com a chegada de uma menina. Claro que, por já ter enfrentado diversas situações da maternidade, está sendo mais tranquilo viver esse momento com a Clara. Além disso, acho que a maturidade nos ajuda muito. Porque quando tiramos o peso da inexperiência, do excesso de dúvidas e preocupações, a gente vive de fato cada momento. Meus filhos vieram para me transformar, para fazer com que eu evolua. Eles são a minha força, me fazem ter motivação para enfrentar a vida.
Como tu concilias a correria do dia a dia, a profissão e a maternidade? Tu te sentes cobrada?
Eu vejo muitas mulheres adiando a maternidade ou até mesmo abrindo mão de ter um filho para poder trabalhar. Por outro lado, há aquelas que desistem da carreira para poder ter filhos. Eu, sinceramente, acredito que a gente não precisa e não deve abrir mão de nenhum sonho, seja profissional, seja pessoal. Eu posso ser mãe, sim. E eu posso ser profissional, sim. É fácil? Bom, não é fácil. É muito difícil. Porque a gente precisa lidar com todos aqueles perrengues do dia a dia, que todas as famílias enfrentam. Temos que lidar com o sentimento horroroso que é a culpa, por não estarmos presentes em todos os momentos, por termos que entregar os nossos filhos aos cuidados de outras pessoas. E existe, infelizmente, ainda, uma cobrança e um julgamento em relação às mulheres que são mães e trabalham. É como se a gente não pudesse colocar o trabalho também como prioridade na vida. Isso está completamente errado. O fato de eu trabalhar não me faz ser uma mãe pior, de jeito nenhum. Se eu puder deixar uma mensagem para as mulheres, é: não desistam de ter filhos, não desistam do seu sonho profissional, da sua carreira, porque é isso que nos realiza, é isso que nos faz feliz.
Apesar de já teres vivido esse momento, há expectativa sobre a adaptação da Clara sem a mãe em tempo integral?
Pretendo ficar mais alguns meses afastada do trabalho para me dedicar integralmente à Clara, o que é maravilhoso. Por outro lado, eu sinto falta da TV, dos telespectadores. Passa muito rápido! E, quando a gente vê, está na hora. O afastamento é sofrido, sim. Eu já sofri isso outras duas vezes e, se tivesse dez filhos, sofreria dez vezes. Mas faz parte, os meus meninos foram para a escolinha logo que eu voltei a trabalhar. Eles cresceram nesse ambiente, felizes, vendo a mãe trabalhar com o que a faz feliz. Eles aprenderam a respeitar o meu trabalho. Acho que a gente acaba, na verdade, dando um exemplo positivo para os filhos.
Nas redes sociais, tu já percebeste alguma cobrança por parte das pessoas quanto ao teu papel de mãe?
As redes sociais estão cumprindo um papel muito importante, que é ajudar a mostrar a maternidade real. Pode parecer que é tudo maravilhoso para quem está de longe e nunca viveu. Mas, na verdade, ser mãe é muito difícil. As redes sociais estão ajudando as mulheres a se aproximarem, a se entenderem, a se comunicarem. E a serem transparentes. Eu recebo muitas mensagens de mulheres que querem engravidar, que perguntam como foi a minha experiência.
Pretendes passar o Dia das Mães com a família, em casa?
Vou passar o Dia das Mães em casa, com o meu marido e os meus três filhos. Infelizmente, não tenho mais a minha mãe, que faleceu há 20 anos. Mas eu tenho duas mulheres maravilhosas ao meu lado, a minha avó, Maria Edith, e a minha sogra, Sylvia _ que, por coincidência, é o mesmo nome da minha mãe. Elas são minhas mães também, e eu agradeço todos os dias por tê-las na minha vida. Eu também tenho um exemplo de mãe dedicada, amorosa e amiga que é a minha irmã gêmea Julia. Ela tem quatro filhos e é uma baita mãe.
"Ser mãe é o melhor aprendizado"
De licença-maternidade do Galpão Crioulo, Shana Müller, 39 anos, deu à luz o seu segundo pimpolho, Francisco, no último dia 3. Entre uma troca de fraldas e outra, e ainda desdobrando-se para atender ao primogênito Gonçalo, dois anos, a mamãe reservou um tempinho para falar com o Diário Gaúcho, por e-mail, sobre esse momento tão especial em sua vida.
Como tem sido este novo momento, com o Francisco? Por ser o segundo filho, foi mais fácil?
Ainda é recente, né? Poucos dias da chegada do Francisco, e estamos em adaptação: da casa, das mamadas, do mano, do sono e por aí vai. Cada filho é um filho. E a gente vive momentos diferentes da maternidade. Está sendo diferente. E é incrível como a gente esquece alguns detalhes. Quando vive com o outro filho, as memórias vêm à tona. O desafio do momento é a amamentação. Meu seio rachou. Sinto dor, mas persisto no ato de amamentar meu filho.
Como fazes para equilibrar carreira, rotina e a maternidade? Há momentos em que te sentes cobrada?
Não é fácil. Me organizei para ter auxílio. Só assim conseguiria manter meu ritmo de trabalho, que envolve uma rotina diferente, com viagens e ausências em casa. Não sei se me sinto cobrada ou se me cobro. O sentimento de culpa, talvez, seja o que toda a mãe sente e também tem a ver com o feminino. É da nossa natureza essa ideia de abraçar o mundo e poder solucionar tudo. Quando não dá, nos frustramos e sofremos.
Quando deves voltar ao trabalho? Apesar de já teres vivido isso, há expectativa sobre a adaptação do Francisco sem a mãe 100% junto?
Fico fora por seis meses do rádio (Rádio Gaúcha, 600 AM e 93.7 FM) e do jornal (Zero Hora). Dos palcos, com meus shows e atividades da carreira, pretendo, em junho, já estar na ativa, até porque, nesse caso, posso levar o Francisco ou os dois junto (ele e Gonçalo). O fato de, desde pequenino, me acompanhar nos shows, fez com que Gonçalo se acostumasse com a minha ausência. Mas acho que todo o filho se adapta, e isso garante a sanidade das mães que sentem a necessidade de trabalhar fora.
Nas redes sociais, já percebeste algum tipo de cobrança por parte das pessoas no teu papel de mãe?
Vejo muita empatia nas redes. Muita gente se vê no que escrevo e vivo quando falo sobre maternidade e sobre as minha vivências. Aliás, tenho sentido bastante a necessidade de compartilhar o tema com quem me acompanha. Acho que o fato de o público entender minha profissão de comunicadora e cantora também faz com que percebam esse esforço de presença e desdobramento na vida dos meus filhos. A única (cobrança negativa) de que me lembro foi a de um homem que escreveu que "somando os dois filhos, daria um ano de ausência no trabalho". Imagina! Ele não deve ter filhos, né? Porque se os tiver, certamente, alguém está cuidando deles enquanto ele está dando opinião por aí. Tem muita gente que se esquece de que é filho de uma mãe, né?
Tu pretendes passar o Dia das Mães com a família, em casa? Quais são os planos e expectativas?
A família vem toda aqui para casa, para a gente comemorar a data juntos, e a chegada do Francisco também. Vai ser ótimo estar com as duas avós dos guris, minha mãe, Sandra, e dona Áurea, mãe do Juliano, além da bisa, Eva, avó do meu marido. É uma data emocionante e, agora, ainda mais! É tempo de comemorar a presença dos filhos em nossas vidas, esse presente divino que nos ensina, diariamente, a sermos melhores. Ser mãe é o melhor aprendizado.