Notícias



O avesso da fama

Veja como alguns famosos saíram do fundo do poço e saiba onde procurar ajuda para melhorar sua saúde mental

 Diário Gaúcho entrevistou a atriz Ingra Lyberato e o ex-vocalista do Tchê Guri Fabinho Vargas, que contaram em livros como superaram seus problemas

25/05/2019 - 10h00min


Divulgação / Divulgação

  

Glamour, fama, dinheiro, beleza, sucesso profissional. Estes e outros fatores são sinônimos de felicidade, certo? Nem sempre. Por trás das belas fotos em editoriais de moda e de registros incríveis nas redes sociais, está, muitas vezes, uma pessoa que sofre de depressão, ansiedade, síndrome do pânico ou outros transtornos mentais. Nem a top Gisele Bündchen se viu livre dos sintomas e, mais recentemente, o youtuber Whindersson Nunes desabafou com os seus seguidores. 

Ao compartilhar suas crises, artistas revelam o lado avesso da fama. O Diário entrevistou a atriz Ingra Lyberato e o músico Fabinho Vargas, 

que contaram em livros como escalaram o fundo do poço.

Especialistas explicam por que isto ocorre e como perceber os indícios. E ainda veja onde procurar ajuda ao menor sinal de um distúrbio. 


Perfeita do lado de fora

John Russo / Divulgação

Em sua biografia, Aprendizados (editora BestSeller, R$ 25,90, preço médio), a modelo gaúcha Gisele Bündchen relata já ter enfrentado crises de ansiedade, ataques de pânico e pensamentos suicidas. "As coisas podem parecer perfeitas do lado de fora, mas você não tem ideia do que realmente está acontecendo”, revela a top em seu livro. Distúrbios psiquiátricos podem acometer até o mais “perfeito dos mortais". São doenças que não estão nítidas nas feições de quem passa por isso. 

Divulgação
No livro, revelações da musa

Neste ponto, a fala de Gisele faz todo sentido. Afinal, não é por que alguém está sorrindo por fora que se sente plenamente feliz por dentro. Depressão não está na cara, ansiedade não escolhe classe social e ataques de pânico podem aparecer quando tudo, aparentemente, está tranquilo na sua vida.

Cobrança 

Por trás dos holofotes, pessoas que aparentam estar sempre felizes e realizadas podem ocultar problemas reais. Afinal, são seres humanos, vulneráveis e expostos a uma avalanche de cobranças, sejam elas externas ou internas. 

E é aí que a fama pode ter um efeito negativo.

— Famosos estão expostos a altos níveis de exigência, perfeccionismo, competitividade, um ambiente facilitador de desenvolvimento de sintomas de ansiedade e depressão — explica a vice-diretora da Associação de Terapias Cognitivas do Rio Grande do Sul (ATC-RS) e psicóloga clínica Francine Guimarães Gonçalves. 

Chefe do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRGS, Marcelo Fleck destaca que transtornos como ansiedade e depressão não são um fenômeno novo na vida das celebridades. O que mudou, nos últimos anos, foi a exposição da vida pessoal, potencializada pelas redes sociais. Ao tentarem ficar cada vez mais próximos dos fãs — ou, pelo menos, dar a impressão de intimidade —, famosos expõem seus medos, suas angústias e seu sofrimento na internet:

— Muitas pessoas famosas se deram conta de que tornar público o seu diagnóstico tem uma papel fundamental na diminuição do estigma, ajudando milhões de pessoas a entenderem o que estão passando e procurarem ajuda. 

Vítimas

Divulgação / Divulgação

Conhecido pelo seu bom humor, o youtuber de 24 anos Whindersson Nunes causou surpresa, em abril, no Twitter: "Sinto uma angústia todos os dias, todos os dias, algumas risadas e, depois, lá estou eu de novo com esse sentimento ruim". Casado com a cantora gaúcha Luísa Sonza e com mais de 35 milhões de inscritos no seu canal, ele faz parte de uma faixa etária cada vez mais frágil. 

No Brasil, 21% dos jovens entre 14 e 25 anos apresentam sintomas de depressão, segundo a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

— Não se pode descartar que a necessidade de adaptação a uma nova etapa de vida seja uma influência — observa o doutor em Psicologia Márcio Englert Barbosa, da Escola de Ciências da Saúde da PUCRS.

Especialista em terapia cognitivo-comportamental pela USP, Elaine Di Sarno destaca a insegura típica da idade:

— Os jovens são mais vulneráveis a julgamentos. 

Os casos de depressão no mundo aumentaram 18% nos últimos 10 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

— As redes sociais podem levar à distorcida interpretação de que a vida do outro é mais feliz, favorecendo pensamentos autocríticos e perspectivas negativas — alerta Márcio.

"Comecei a ter infartos psicológicos" 

Odilon Dalla Porta / Divulgação

Foi em cima do palco, durante uma apresentação com o Tchê Guri, do qual fez parte até 2007, que o músico Fabinho Vargas teve a primeira crise de pânico. Formigamento no braço e dor no peito fizeram-no acreditar que se tratava de um infarto. Hoje, ele acaba de lançar o livro Seis Passos para uma Vida Equilibrada (editora, R$ 34,90, preço médio) e se diz curado.

Odilon Dalla Porta / Divulgação

Como começaste a sofrer com crises de pânico?
O "dia D" da minha síndrome do pânico foi durante um baile em Porto Alegre. No meio dele, comecei a me sentir mal. Senti como se estivesse enfartando. Saí caminhando do palco e falei pro empresário: "Tô passando mal". A perna ficou frouxa, e eu caí sentado. No caminho até o hospital, eu tinha convicção de que iria morrer. Eu perdi a articulação da boca, sentia uma dor muito forte no peito, meu braço esquerdo doía muito. A partir dali, comecei a ter o que chamo de "infartos psicológicos". Eu achava que iria morrer a qualquer hora.

Alguém te alertou de que precisavas procurar ajuda?
Nunca ninguém me falou que era melhor procurar um médico. As pessoas dizem: "Não, isso é psicológico, tu tens que superar, tens que te ajudar". Quem tem o pânico fica com vergonha de dizer para as outras pessoas, porque vai ser mal interpretado. Quase um ano depois (da primeira crise), durante um baile, eu passei mal, me levaram pra consultar. Foi aí que o médico plantonista me olhou, mandou eu levantar e disse: "Tu não vais morrer, tu tens síndrome do pânico". Ali foi a primeira vez que ouvi alguém falar sobre isso. A partir dali, comecei a tomar remédio e a fazer psicanálise. Às vezes, diminuía. Depois, voltava... 

O que tu sentias na crise?
Medo da morte. Esse era meu pânico. Comecei a não querer mais viajar com o Tchê Guri, ficava pensando que eu iria para uma cidade do Interior, sem recursos, que eu iria enfartar e morrer. Sempre que eu chegava em uma cidade, perguntava onde era o hospital, porque eu, provavelmente, iria precisar. Síndrome do pânico e depressão caminham juntas, porque, com todo esse pânico, e as pessoas não acreditando em ti, tu acabas caindo em depressão. Preferes ficar sozinho. Se eu pudesse, entraria dentro de uma caverna pra ninguém me enxergar. A gente se sente impotente, incapaz e como se fosse alguém que estivesse mentindo. Mas quem tem síndrome do pânico não é alguém que está mentindo. Está se expondo.

Como superaste o período? Te consideras 100% curado?
Eu me considero uma pessoa totalmente curada. Consigo ajudar outras pessoas que passam por isso. Eu superei pela fé e com a ajuda de pessoas que estiveram ao meu lado. A minha família foi fundamental nesse processo, a minha esposa (Cilene), que me abraçou, me cuidou, os meus irmãos do Tchê Guri, que souberam entender o meu limite. Voltei a cantar. Além de ser palestrante, sou empresário. Junto com o livro, lancei um CD. Compus uma canção para cada um dos seis passos. Então, depois de ler o livro, elas escutam as músicas. E tenho prazer em cantar, em escrever, tenho uma família muito legal. É isso o que eu desejo: que todos possam ter uma vida equilibrada também.

Como surgiu a ideia do livro? Achas que assim podes ajudar quem passa por isso?
Surgiu da necessidade que eu sentia de ser um instrumento na vida das pessoas, de poder ajudar os outros a superarem o que eu já havia superado. Começou com uma palestra. Fui acrescentando experiências de pessoas que vinham falar comigo. Entendi que o grande desafio na vida é encontrar o equilíbrio, porque o pânico e a depressão estão ligados à falta de equilíbrio. Chega uma hora que o nosso corpo não aguenta.

Gaúchos lideram ranking

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul concentra o maior número de pessoas que sofrem de depressão (13,2%), seguido dos estados de Santa Catarina (12,9%) e Paraná (11,7%). Para o psiquiatra Sérgio Silveira Leite, diretor do Instituto Cyro Martins, isto pode estar relacionado às condições climáticas do Sul:

— Se comparados com índices de estados mais ensolarados.

"Por medo de errar, saí de cena"

Edu Rodrigues / Divulgação

 Em mais de 30 anos de carreira, Ingra Lyberato, 52, aprendeu a lidar com os altos e baixos da vida artística. No auge, logo após protagonizar a novela A História de Ana Raio e Zé Trovão (1990), da extinta  Manchete, a atriz recusou trabalhos por medo do sucesso. O momento coincidiu com o período em que morou, por 11 anos, no Rio Grande do Sul, época em que foi casada com o músico gaúcho Duca Leindecker, pai do seu único filho, Guilherme, 15 anos. 

Os conflitos ligados à profissão renderam um livro. Em 2016, Ingra lançou O Medo do Sucesso (L&PM, preço médio R$ 29,90).

— Enxergo claramente todas as vezes em que fui ansiosa ou tive medo de me expor. Fiz alguns trabalhos fenomenais no início, e isso elevou muito minha expectativa. Seria quase impossível manter meu nível de autoexigência. Por ter medo de errar, saí de cena algumas vezes. Me isolei para ficar na zona de conforto. Crescer dá medo e dá trabalho, e ninguém pode fazer isso por nós — contou a atriz ao Diário Gaúcho. 

O maior desafio, segundo ela, estava dentro de si:

— Estamos acostumados a falar do medo do fracasso, mas o medo do sucesso é bem mais arriscado, pois vem disfarçado. Inventamos desculpas para nossas fugas.  

Autossabotagem

Para a psicóloga Francine Gonçalves, isso vira uma espécie de autossabotagem:

— O mercado de trabalho impõe desafios. Isso faz com que muitos evitem se expor. 

Ingra admite e agradece:

— Foi preciso chegar ao fundo do poço. A escrita foi uma das ferramentas de cura. Se eu tinha medo de me expor nas minhas fragilidades, decidi escrever todas elas. A verdade me libertou. No momento em que parei de me exigir perfeição, o brilho voltou.

Brasil é o país do mundo com maior número de ansiosos

— Os casos de depressão no mundo aumentaram 18,4% entre 2008 e 2018.

— Das 340 milhões de pessoas no mundo com a doença, 13 milhões são do Brasil, maior taxa da América Latina.

— A ansiedade atinge cerca de 33% das pessoas no mundo. O Brasil lidera o ranking dos ansiosos com 9,3% da população afetada – , 7,7% de mulheres.

Fontes: Organização Mundial da Saúde (OMS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Entenda as diferenças e o que caracteriza cada transtorno  

DEPRESSÃO*

— Frequentes explosões de raiva, em resposta à frustração, que podem ser verbais ou comportamentais

— Diminuição de prazer nas atividades

— Baixa autoestima

— Alterações de sono e do apetite

— Cansaço ou perda de energia

— Prejuízos na atenção

— Sentimentos de culpa

— Dificuldade para pensar e tomar decisões

— Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio

* Estes sintomas devem estar presentes por, no mínimo, duas semanas para caracterizar o quadro depressivo.

ANSIEDADE

— Preocupações excessivas quanto a situações futuras 

— Dificuldade em relaxar

— Aceleração cardíaca

— Sudorese

— Sensação de falta de ar

— Náusea

— Tontura

— Medo de perder o controle ou de morrer

SÍNDROME DO PÂNICO

— Além dos sintomas da ansiedade, o que caracteriza é sua intensidade e a duração

— Com períodos de intensa ansiedade, os chamados ataques de pânico podem se arrastar por meses. 

Tratamento

A percepção de que há algo de errado em sua forma de ver o mundo é o primeiro passo.

— A psicoterapia combinada ao tratamento farmacológico são eficazes. Outros recursos podem ser aliados, como exercícios físicos, mindfulness (meditação para esvaziar a mente e manter o foco em cada atividade), grupos sociais e redes de apoio — indica a psicóloga Francine Gonçalves.

Por isso, compartilhar as dores com quem enfrenta sofrimentos parecidos também ajuda. E aí entra a terapia em grupo.

** As informações são dos especialistas consultados na reportagem.

Você também deve buscar ajuda! E de graça 

Os principais locais de apoio e tratamento de transtornos mentais são os Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) com profissionais especializados na primeira fase do processo: o acolhimento. É feito o encaminhamento a uma unidade básica de saúde, em casos leves, ou hospitais especializados, se necessário. Veja contatos dos CAPS da Capital e Região Metropolitana e outros locais com atendimento gratuito:

— Centro de Saúde Navegantes: Av. Presidente Franklin Roosevelt, 5. Telefone: 3342-3585 

— Hospital Psiquiátrico São Pedro: Av. Bento Gonçalves, 2.460. Telefone: 3240-1300 

— Unidade de Saúde Restinga: Rua da Abolição, 850. Telefone: 3250-1142

— Unidade de Saúde Modelo: Av. Jerônimo de Ornelas, 55. Telefone: 3289-2557

— Unidade de Saúde Vila dos Comerciários: Rua Professor Manoel Lobato, 151.
Telefone: 3289-4047

Hospital de Clínicas de Porto Alegre: Rua Ramiro Barcelos, 2.350. Telefone: 3359-8000

— Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e Altas Habilidades no Rio Grande do Sul (FADERS): Rua Duque de Caxias, 418.
Telefone: 3287-6500

Hospital Materno Infantil Presidente Vargas: Av. Independência, 661.
Telefone: 3289-3000

Hospital Espírita de Porto Alegre: Praça Simões Lopes Neto, 175. Telefone: 3320-5700

Alvorada, UBS Tijuca: Rua do Parque, 301. Telefone: 3443-8946

— Caps Cachoeirinha: Rua Aparício Soares da Cunha, 128. Telefone: 3041-6027

Canoas, Caps Recanto dos Girassóis: R. Frederico Guilherme Ludwig, 182.
Telefone: 3785-5003 

Esteio, Centro de Atenção Psicossocial Aquarela: Rua Santo Amaro, 25.
Telefone: 3473-0376 

Gravataí: Caps 2: Rua Adolfo Inácio Barcelos, 1.135. Telefone: 3600-7175

Novo Hamburgo, Caps Centro: Joaquim Pedro Soares, 198. Telefone: 3593-9573 e Centro Integrado de Psicologia da FEEVALE: ERS-239, 2755 prédio branco, 4º andar.
Telefone: 3586-8861, de graça, mediante avaliação de renda

Sapucaia do Sul, Centro de Atenção Psicossocial: Rua General Osório, s/nº, esquina com Guerreiro Lima. Telefone: 3474-1833


MAIS SOBRE

Últimas Notícias