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Racismo

 "Vi um silêncio que, intencionalmente ou não, representa uma conivência", diz Manoel Soares, sobre ato de racismo

Na entrevista, jornalista fala sobre seu trabalho no programa É de Casa e sobre o caso que ganhou repercussão nacional

10/07/2020 - 13h03min

Atualizada em: 16/07/2020 - 12h18min


José Augusto Barros
José Augusto Barros
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João Cotta / TV Globo/Divulgação
Manoel recebeu apoio após manifestações racistas

No começo de maio, cerca de vinte dias antes de o afro-americano George Floyd ser morto por um policial branco, nos Estados Unidos, o jornalista Manoel Soares, repórter do programa É de Casa, da TV Globo, era vítima, mais uma vez, de racismo. Na ocasião, baiano, que veio para o Rio Grande do Sul na adolescência, que também é colunista do Diário Gaúcho, fazia uma matéria sobre o aumento de preços de produtos da cesta básica, em São Paulo, usando máscara, quando foi surpreendido por um comentário racista nas redes sociais: 

"Esse preto de máscara kkk assalto?" 

Em junho, no Encontro com Fátima Bernardes, em um debate sobre o racismo, Manoel revelou outra triste história de que foi vítima, quando foi abordado por policiais, e chegou a ser algemado "por ser um pouco grande", na visão dos policiais. 

Em pleno século XXI, é constrangedor para este repórter entrevistar um jornalista gaúcho de sucesso sobre esses temas, que já deveriam estar extintos. Nesta entrevista, deveríamos tratar do sucesso de Manoel da emissora, contar suas histórias de repórter e outras situações da vida do jornalista. Mas precisamos voltar a este tema. E matérias como essas seguirão sendo feitas, até que crimes como esse (sim, o racismo é crime, previsto no Código Penal) deixem de ocorrer, tanto com o jornalista Manoel, ao vivo, quanto com anônimos, que sofrem racismo diariamente. Por e-mail, Manoel falou com o Diário Gaúcho. Confira. 

Como foi a reação das pessoas quando foste vítima de racismo ao vivo? Sentiu apoio? E como tu enxergas o fato de se falar tanto no tema, atualmente? 

Foi mais uma das inúmeras situações que vivi na minha vida. Não me surpreendi, mas fiquei triste, não por mim, mas pelas pessoas que estão mais fragilizadas e são menos conhecidas e precisam engolir essas agressões sem poder sequer ter amparo da lei e da Justiça. 

Recebi apoio de negros e brancos que não concordam com aquela atitude de racismo. Por outro lado, também vi um silêncio que, intencionalmente ou não, representa uma conivência. 

Achas que, daqui a pouco, esse tema pode "esfriar"? O que fazer para que isso não aconteça?

Acredito que falar sobre isso cria uma naturalização do assunto, mas se não avançarmos no assunto, vamos cair na chatice de falar sempre a mesma coisa. O Brasil é formado por descendentes de escravos e de senhores de engenho, por conta da escravidão ter acabado há 130 anos somente, isso alimenta a prática de racismo. O que vivi não é a causa da tristeza dos negros é o sintoma de uma doença que o branco precisa curar. Para que isso não aconteça novamente comigo ou com qualquer outra pessoa, precisamos seguir dois caminhos iniciais: fortalecer para que pessoas negras sejam reparadas pelos impactos da escravidão e conscientizar as pessoas de pele clara que quem tem pele escura é uma pessoa que merece as mesmas oportunidades. 

Se elas não têm a mesma oportunidade é porque a estrutura social é racista. O fato de termos pessoas brancas também na mesma miséria que os negros não é a eliminação do racismo, mas a expansão dele. O racismo é tão agressivo que deixa preto quem convive com preto - e quando falo preto infelizmente é sinônimo de pobre, pois a pobreza é temor. Assim como o capital define o que é bom ou não, um negro de máscara dentro de um mercado é assalto, aos olhos do racista.

Como tens visto teu trabalho no É de Casa e como tem sido a troca com o público?

O trabalho no É de Casa está sendo uma feliz revelação, recebo centenas de pessoas de todo canto do Brasil me dizendo que nosso trabalho no programa tem dado a ela representatividade e voz, o que não é um mérito só meu. Além de mim, toda nossa família do É de Casa está diariamente preocupada em traduzir as realidades invisíveis, dando a eles o mesmo espaço que as comunidades com mais oportunidades condignas de privilégio. Quem mora no Moinhos de Vento ou na Restinga, no É de Casa merece o mesmo espaço e o mesmo respeito e isso cria uma troca não só de apresentador e telespectador, mas de pessoas que buscam valorizar a vida.

Viraste uma referência quando o assunto é reportagem sobre coronavírus em periferias. Como tens visto esse tema, e como tens visto o comportamento das pessoas de periferia quando o assunto é coronavírus? E como acha que os governos têm lidado com essa questão, acha que olham do jeito certo para as periferias?

Volta e meia, quando falo com especialistas, eles me dizem que o Coronavírus não escolhe classe ou cor, mas essa democracia da Covid-19 deixa de existir quando chega na casa dos pobres, pois quem mora na favela não tem plano de saúde e depende do respirador do SUS, que, como sabemos, é insuficiente para atender quem mora no universo de chão batido. O poder público brasileiro é jovem e como todo jovem é inexperiente, às vezes arrogante e inconsequente. 

Essas características, muitas vezes, são a causa de dores e lutos que ficam cada vez mais evidentes em tempos de Covid. O poder público deveria ouvir quem está há mais tempo na luta para salvar vidas dentro desses territórios, ou seja: faculdades, organizações sociais e grupos organizados. A lógica que vem de cima para baixo nunca funcionou e na covid isso custa vidas... A vida é o maior patrimônio de uma comunidade.

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