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Entrevista

Pedro Bial: "Recebo ataques de todos os lados"

Jornalista e cineasta que faz sua estreia na curadoria do Festival de Gramado fala a GZH sobre cinema e a situação do setor audiovisual brasileiro

20/09/2020 - 13h05min


William Mansque
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Ramon Vasconcelos / TV Globo/Divulgação
Pedro Bial apresenta programa de entrevistas na Globo

Jornalista e também cineasta, Pedro Bial assume em 2020 seu lugar no trio responsável pela curadoria do Festival de Cinema de Gramado, ao lado da atriz argentina Soledad Villamil e do também jornalista Marcos Santuario. Bial já frequentou o festival gaúcho como realizador. Seu documentário Jorge Mautner: O Filho do Holocausto ganhou três Kikitos em 2012, na categorias de  montagem, fotografia e roteiro.

Atualmente no comando do programa Conversa com Bial, da Globo, ele também é responsável por produções como o drama Outras Estórias (1999), Encarcerados (2019), realizado em parceria com  Claudia Calabi e Fernando Grostein Andrade, e a série Em Nome de Deus (2020). Em entrevista a GZH, Bial fala sobre sua trajetória no cinema e a situação do setor audiovisual no Brasil.

Em duas de suas experiências como diretor de cinema, você lidou com o universo da literatura, da música e da poesia, adaptando Guimarães Rosa em Outras Estórias e biografando o músico Jorge Mautner no documentário O Filho do Holocausto. Já em Encarcerados, da qual é codiretor, fica em primeiro plano seu lado jornalista, assim como na série Em Nome de Deus. Trabalhar com esses temas e autores, dentro de uma certa zona de conforto, lhe deu mais segurança?

Não sei. Talvez por um lado. Eu não consigo reconhecer assim. O desafio de produzir a linguagem audiovisual do documentário, do cinema ou de uma série é o mesmo de dirigir. O próprio exemplo do Mautner e do Guimarães Rosa demandaram um profundo e exaustivo trabalho investigativo jornalístico para basear a criação. Da mesma forma, isso se deu com Encarcerados e com Em Nome de Deus. Acho que o que dá mais segurança é um trabalho de pesquisa com grande rigor e profundidade, seja qual for o campo de conhecimento.

Tem algum novo projeto em mente que seja voltado ao audiovisual?
A equipe do programa Conversa com Bial é formada por documentaristas, que têm experiência na atividade. Formamos um núcleo de produção de documentários para abastecer o Globoplay e a TV Globo. Temos sim projetos em andamento, mas que infelizmente não posso adiantar agora. Mas vem coisas boa aí.

Antes de assumir a função de curador, como era a sua relação com o Festival de Gramado?
Primeiro, foi de fã e espectador, que sempre teve o festival como o principal do Brasil. Em sua característica pluralista, é o que atende e antena os mais diversos caminhos, as mais diferentes tendências do cinema. Isso sempre me atraiu. E depois, como realizador, fiquei muito feliz em ter ganhado três Kikitos com filme do Mautner. Todos moram no meu coração. 

Que linha curatorial você buscou para esta edição do festival?
Foi honrar a tradição do festival de ser aberto a tudo. Aos mais vanguardistas, ao que está acontecendo de novo e experimental, à tradição bem encaminhada e renovada. Neste processo, Marcos Santuario foi uma figura chave para me ajudar. Com a Soledad Villamil também foi um amor de relação. Acho que formamos uma trinca com muita paixão pelo cinema, com muita entrega e uma vontade de fazer um bom trabalho. E fizemos. 

Que diretores você gosta de acompanhar?
Eu sou um cinéfilo de diretores mortos. Gosto muito de ver e rever filmes antigos. Acompanho todos os lançamentos e o que está sendo feito no Brasil e no mundo por interesse e curiosidade profissionais e pessoais. Quanto à devoção a um ou outro diretor, até poderia citar alguns, mas estaria sendo incompleta a minha resposta. Vamos dizer entre os brasileiros: eu tenho uma grande paixão pelo Karim Aïnouz, tanto pessoalmente quanto como realizador.   

Quais filmes mais recentes que chamaram sua atenção?
Eu lamentei que não tenha sido lançado em 2020 o documentário Cine Marrocos, do Ricardo Calil (mostra sem-tetos, refugiados africanos e imigrantes latino-americanos que ocupam um antigo cinema de São Paulo). Acho que já é um clássico instantâneo. Um documentário histórico, um trabalho bem acima da média. Tenho acompanhado muitos documentários porque é isso que tenho feito prioritariamente. Ando observando como o cinema "adulto" está mais localizado nas plataformas de streaming do que no cinemão, onde predomina um cinema mais infantil ou infantojuvenil, digamos assim. Entre as coisas que vi no streaming e que me chamaram a atenção está O Irlandês, do Martin Scorsese, que é extraordinário.

Em sua carreira no jornalismo cultural, você acompanhou de perto carreiras e movimentos importantes. Você também tinha um pé nas artes como poeta e ator. Em que medida essa proximidade com os artistas ajuda e atrapalha, por exemplo, na hora de criticar ou fazer uma entrevista?
Acho que isso ajuda. Familiaridade com o assunto, sei um pouco como se fazem as “salsichas”, tanto para entender o jornalismo como para apreciar a arte. Isso me ajuda e habilita a ter um olhar não só mais generoso, mas interno sobre certo tipo de produto.

Que futuro enxerga para o cinema nacional diante de tantos impasses e incertezas que atingem diretamente as políticas de fomento e circulação dos filmes?
É um momento terrível. É muito grave o que está acontecendo. A gente nunca pensou que passaria por algo pior do que quando acabou a Embrafilme (estatal brasileira produtora e distribuidora de filmes), em 1990, no governo Collor. As atuais circunstâncias me parecem mais difíceis ainda, se é que é possível. Acho que o nosso trunfo é que a demanda permanece. O país precisa de produção audiovisual, precisa de cinema. As pessoas não vivem sem cultura, sem audiovisual. A pandemia provou isso. Por mais que seja uma política industrial extremamente suicida do atual governo, condenando e extirpando centenas de milhares de empregos, prejudicando os melhores interesses do país, ainda assim, a boa lei da oferta e da procura vai se impor. Precisamos de filmes no país. Ainda não sei como a gente vai sair desse nó, mas a gente vai sair. 

Parece que você ocupa uma trincheira nessa onda de ataque à cultura e aos artistas. Onde você imagina que esse conflito vai parar e que danos ele pode causar na cultura?
Prefiro não me ver numa trincheira. Primeiro, porque é um lugar escondido, de pouca visão, e eu não tenho como me esconder. Estou exposto todos os dias e toda hora. Preciso de uma boa visão de cima, do alto, para todos os lados dessa guerra cultural, que não são apenas dois. É claro, estando numa posição de visão, recebo ataques de todos os lados também. Num posto de observação visível e muitas vezes vulnerável. Não estou em nenhum lado nesse campo de batalha. Estou do lado da civilidade e dos interesses do público. Quando jornalistas como nós cobrimos a guerra cultural como está se desenrolando agora, não devemos assumir lados. Devemos expor as plataformas e os movimentos dos dois lados, mas não deve se identificar com nenhum deles para ter independência. Quanto aos danos, eu não sei se foi o conflito que os gerou, mas sim a política de estado suicida, que é contra os melhores interesses do país, sejam econômicos, culturais ou sociais. Uma idiotia no poder que está custando muito caro e ainda vai nos custar muito. Só nos resta insistir e persistir, que a gente vai passar por cima disso.

Em fevereiro, você criticou o documentário Democracia em Vertigem e a diretora Petra Costa em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha. No entanto, suas falas acabaram repercutindo negativamente nas redes sociais. Em seu artigo publicado no jornal O Globo, você relatou ter caído na "temeridade" de divulgar sua opinião. Que lição você tirou desse episódio?
Falei com uma certa ironia quando usei “temeridade” em divulgar opinião. Às vezes a gente se surpreende com o peso das próprias palavras. Inclusive, falei do filme da Petra com senso de humor, que era bem realizado. Eu tinha minhas críticas, mas não desmereci a realização do filme e a projeção internacional que ele daria ao cinema todo. A lição que tirei é que quando algo tem as bases frágeis, a reação é muito violenta. Minhas falas não causariam a reação que causaram se não tivessem bastante verdade nelas. 

Andy Warhol falava: "no futuro, todos terão seus 15 minutos de fama. Será que a frase do Warhol pode ser atualizada para: "no futuro, todos enfrentarão o cancelamento”? Como você avalia essa cultura do cancelamento?
Prefiro não fazer futurologia. Cancelamento é uma criancice no mau sentido. Ser criança é muito legal. Ser infantil depois de uma certa idade... Vejo um infantilismo muito grande nessa história da cultura do cancelamento. Acho que vai passar. Deixa pra lá.


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