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Entrevista

"O tempo que as pessoas ficam se comparando com as outras é uma catástrofe", diz Christiane Torloni

Atriz e diretora fala dos planos e também celebra a trajetória de 45 anos de sucesso e a maturidade sem pressões

17/01/2021 - 12h55min


Thamires Tancredi
Thamires Tancredi
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Marcelo Faustini / Divulgação

- Tem um barulho aqui porque estou fazendo um cafezinho para mim. Nada é mais doméstico do que um café. Quer?”  

Com um convite que seria irrecusável em tempos distantes do isolamento social, Christiane Torloni atendeu a reportagem de Donna direto de sua casa, no Rio de Janeiro, onde tem passado os últimos meses. Mesmo por telefone, o papo com a atriz, uma das maiores estrelas da TV brasileira, teve sabor de encontro. Em quase uma hora de conversa, a artista percorreu momentos de seus mais de 45 anos de carreira – que, para a sorte do público, puderam ser revisitados em reprises no último ano.  

Em janeiro, o canal por assinatura Viva ainda reprisava Selva de Pedra, de 1986. Com as gravações suspensas em razão da pandemia, a Globo decidiu reexibir Fina Estampa (2011), pela primeira vez, em horário nobre – e os brasileiros puderam rever as peripécias da exuberante vilã Teresa Cristina. Depois, foi a vez do Viva trazer outras duas protagonistas de Christiane de volta às telas: sua Helena, de Mulheres Apaixonadas (2003), e Diná, de A Viagem (1994). A trama espírita será exibida pela quinta vez a pedidos dos telespectadores:  

– Está sendo um ano de retrospectiva da minha carreira.  

Enquanto o momento pede cautela e as gravações seguem a passos lentos, Christiane evita dar prazos, mas adianta: estará no elenco de Verdades Secretas 2, sucesso da TV Globo que vai ganhar uma nova fase, em formato de série. Mesmo de casa, a atriz tem aproveitado o tempo para se envolver ainda mais com as causas em que acredita. Virou adepta das lives para conversar com o público sobre a preservação do patrimônio ambiental do Brasil, tema que já havia abordado em sua estreia por trás das câmeras. Em 2018, a artista assinou a direção (ao lado de Miguel Przewodowski) do documentário Amazônia: O Despertar da Florestania, que promove reflexões sobre o desmatamento ao ouvir pesquisadores, personalidades, artistas e povos indígenas.  

Aos 63 anos, Christiane esbanja entusiasmo – seja para encarar um novo projeto na TV, defender o verde do Brasil ou passar horas brincando com o neto de três anos. A seguir, confira os melhores momentos do bate-papo:

Como foi para você lidar com o período de confinamento? Você já disse que é uma pessoa que “exercita a solidão”.  

Boa parte do trabalho do artista é feita em uma solidão absoluta. Fina Estampa tinha de 80 a cem cenas por semana. É um livro para decorar. Você não faz isso em festa. Faz na solidão, na disciplina e no empenho. Cada novela é como se fosse uma Olimpíada, você tem que se preparar antes, e são quarentenas. A novela é a prova final. Essa disciplina eu tenho. O problema é o forçado (risos). Como pessoa pública, me sinto com uma responsabilidade maior ainda. Passei três meses em que ninguém via minha cara, inclusive para dar o bom exemplo. Depois que liberaram para caminhar (na rua), melhorou muito. Mas estamos vivendo essa loucura de novo. No Rio, uma praia do tamanho de um bonde e as pessoas aglomeradas, umas ilhas de gente. Depende muito da consciência de cada um. Você vê onde mora o egoísmo das pessoas, a falta de consciência coletiva. É isso que estamos assistindo, infelizmente.  

Você já disse que foi um consolo para o público poder rever uma novela como Fina Estampa durante o duro momento da pandemia.  

A novela veio como um bálsamo. Acabava o jornal e você sentia alívio, encontrava aquele lugar para onde fugir. Esse lugar chama-se arte. Nós somos a fuga, onde as pessoas descansam os seus corações – partidos, agora, com mais de 200 mil mortes. Se não fosse isso, o que teria acontecido? Haveria um índice de suicídios estratosférico. Aconteceu um fenômeno muito bonito que foi a democratização. Muitos museus e plataformas abriram seus arquivos gratuitamente.

 A Viagem aborda o espiritismo. Você acha que as pessoas hoje estão mais conectadas com a sua espiritualidade?  

Somos uma grande confederação ecumênica, de muitas fés. Temos uma tradição de ser um povo fraterno espiritualmente, mas não podemos permitir que comece um preconceito espiritual no Brasil. Há várias religiões se encontrando, isso é muito bonito. O espiritismo não é uma religião, é uma filosofia que, enquanto filosofia, ajuda as pessoas. Novamente, é um golaço apostar nessa novela em um momento em que você tem essa perspectiva da morte tão próxima. Um planeta inteiro discutindo vida e morte. Talvez a novela faça mais sentido agora do que há 20 e tantos anos.    

Você está no ar com a reprise de Mulheres Apaixonadas. Como foi rever sua Helena?  

O Manoel Carlos é muito corajoso. Ele desenhou uma personagem sem medo de ser feliz. Que estava negociando sair de uma relação estável em que ela estava morrendo de tédio (risos). Normalmente, essa é uma postura muito masculina, “Fulano cansou”. Tem a personagem da Susana Vieira sendo feliz com o gato dela, e nem discutindo isso. Isso é bonito, a coragem de viver a vida. Há pessoas que são tão engessadas pela opinião dos outros que não vivem. Só a gente, sozinha, sabe a vida que tem. O Manoel Carlos coloca na boca da Helena tudo o que todas as Helenas do mundo podem estar pensando, e que têm medo, porque não sabem se vão apanhar do marido. Estamos vivendo um tempo de feminicídios como nunca antes nesse país, porque os machos não concordam que as mulheres sejam Helenas. A Martha Medeiros fala disso. Ela é maravilhosa. Pode colocar aí que sou fãnzoca! Nós precisamos das mulheres corajosas.  

Essa busca pela felicidade é uma marca da sua Helena.  

Ela desmistifica um pouco o conto de fadas, que é um aprisionamento. Por que você vai ter só um príncipe encantado ou uma princesa na sua vida? Foram felizes para sempre… E se não forem? Vira a página, começa uma nova vida nessa vida. Enquanto tiver vida, tem jogo. Isso dá muita esperança para as pessoas, e por isso que a novela serve como um antídoto. A própria Diná vai se reconstruir através de um amor.  

Como você vê a mulher de 60 anos hoje?  

As pessoas se comparam muito, mas eu não me comparo com os outros. O meu coração tem a idade que tem, o meu fígado, meus rins. As pessoas têm que se cultivar. O tempo que elas ficam se comparando com as outras é uma catástrofe. Quando dizem: “Quero ser que nem você quando crescer”, respondo “Não! Queira ser você, do seu jeito”. Você passa a ser uma influenciadora. A cada novela, tem um cabelo, e as pessoas querem ter o mesmo. Mas não sou exemplo para ninguém. Tento me melhorar para ser melhor para mim e para a humanidade, não para ser exemplo. Pretendo deixar legado, mas exemplo é algo que cada um constrói na simplicidade da sua vida. As pessoas que costumam se endeusar ficam muito sozinhas, coitadas delas.  

Como é a Christiane avó?  

Nada é melhor do que usar o lúdico para educar. Princípios de boa convivência aparecem brincando de baldinho. Gostamos muito de ler. Como o lúdico é a minha ferramenta, não tem lugar em que me sinta melhor do que em cena. Vejo isso nos brinquedos dele, ele pode tudo. Não lembro de ter sido uma mãe exausta. Me lembro da gente brincando muito. Quando vai crescendo, é bom porque você se mostra na TV. Esse trabalho que tive com as crianças vejo também quando apareço na TV. Já começa a mostrar que existe essa duplicidade. Ele fica olhando, querendo entender. O mesmo processo que passei com os meus filhos, estou passando agora com o neném.

Você estreou na direção em um documentário sobre a Amazônia. Como foi para trocar de lugar e ir para trás das câmeras?  

Ao longo de mais de quatro décadas, fui construindo um caminho de troca, onde as pessoas também vão sabendo o que penso. A partir do momento em que senti que a questão da Amazônia merecia uma dedicação maior ainda na minha vida, aquilo me inspirou. Nunca senti a necessidade de dirigir uma ficção. Entendi que somente eu poderia contar essa história, porque também sou agente dela. É um filme que fala sobre pessoas que dedicaram suas vidas mais ao Brasil do que a suas próprias vidas. Demorou sete anos para ficar pronto. Tinha medo de que tivesse ficado datado. Lamentavelmente, é mais atual agora do que há sete anos.

Como você, como ativista, avalia a forma como cuidamos do nosso patrimônio ambiental hoje? O que poderia ser feito diferente?  

Quebrar um paradigma é difícil. Mas precisamos da nova geração, que ajude a fazer a cabeça dos mais velhos. Temos uma geração de pessoas muito teimosas, arraigadas a um pensamento climático que não cabe mais. Nunca se falou tanto em ciência, e talvez isso ajude a derreter imagens cristalizadas. Existe um pré-conceito com o meio ambiente que, se não mudar de dentro para fora, não vamos conseguir salvar a Amazônia. Infelizmente, acho que vamos ter de passar por uma grande catástrofe ambiental para que a economia perceba que, sem o agronegócio do bem, esse país vai quebrar. Uma das únicas coisas que segurou o Brasil (na pandemia) foi o agronegócio. Temos que desmitificar que o agronegócio todo é ruim.


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