Crônica do adeus
Com emoção e homenagens, gremistas se despedem do Estádio Olímpico
Gre-Nal que encerrou a história da casa tricolor foi marcado por manifestações comoventes de torcedores
Entre os mais de 40 mil gremistas que neste domingo se amontoavam no Olímpico, um anseio coletivo atravessava todos os setores do estádio.
De cada arquibancada e cada cadeira brotava uma sofreguidão meio animalesca, um ímpeto de prestar uma homenagem barulhenta, uma sede de construir um espetáculo de gritaria que entrasse para a história do Grêmio - porque aquele era o último jogo da história do Olímpico -, e toda essa gana de berrar foi resumida aos dois minutos do segundo tempo, quando o anel superior e as sociais gritaram "Grêêêmiooo, Grêêêmiooo", enquanto a Geral puxou aquela música mandando os colorados fazerem coisas que, enfim, você pode imaginar.
Regida pela Geral, a torcida do Grêmio sempre cantou em uníssono. Neste domingo, não: a cada 10 passos havia um gato pingado puxando música. Todos queriam participar com maior relevância, com alguma liderança, daquele Gre-Nal histórico, daquele Gre-Nal que enterrou 58 anos de uma intensa vida desfrutada pelo Olímpico.
- Vamos gritar, gritem, vamos gritar! É o último jogo do Monumental, vamos gritar! - exigia um rapaz no setor das cadeiras, área que habitualmente era a mais sossegada do estádio.
Foto: Mateus Bruxel
Mesmo quem, por algum motivo, não podia rugir com a fúria dos pulmões da maioria, mesmo esses encontravam suas formas de reverência. Luiz Alberto Ibarra, por exemplo, um jornalista aposentado de 82 anos. Acompanhado da mulher, a professora Suely, de 79, seu Luiz segurava com vaidade uma sacolinha de súper. Porque dentro da sacolinha havia uma foto ampliada e enquadrada com moldura - que normalmente fica na sala de casa, no meio da biblioteca, mas ontem seu Luiz quis levá-la para o Olímpico -, exibindo o casal nas obras do estádio, em 1953. Ele aparece de bigode garboso, ela de vestido muito pudico.
- Cheguei a fazer promessa para que mudassem de ideia, para que o Grêmio continuasse no Olímpico. Não fui atendida - dona Suely baixou os olhos.
A essa altura, a torcida inteira do Grêmio já se coordenava cantando, unissonante, a música do "dá-lhe ô, dá-lhe ô, dá-lhe Grêmio, dá-lhe ô". Um dos 40 mil que berravam era o corretor de imóveis Vinicius Ceroni, 35 anos, chorando por trás dos óculos escuros. Antes do jogo, Ceroni saiu de carro do bairro Agronomia, onde mora com a mulher, Fabiana, e dirigiu até a casa onde viveu por 25 anos no bairro Santana.
- Eu fazia a pé esse trajeto do Santana até o estádio. Fiz isso por 25 anos, cara, 25 anos. E eu precisava fazer esse trajeto pela última vez - suspirava o corretor, as lágrimas já lhe escapando queixo abaixo.
Outro que chorava sem pausa era um vendedor de picolé que, era de se compreender, não quis revelar seu nome. É que todos os picolés se transformaram em uma pasta derretida, repelente e amarronzada - simplesmente porque o vendedor, entretido com a importância histórica do Gre-Nal, não repôs o gelo do isopor. E, se o sol de ontem fazia as arquibancadas arderem, imagine o que fazia com um picolé. Com a caixa abandonada no chão, ele até se justificava:
- Na boa, esse é o último jogo. Eu perco o dinheiro, mas não perco um gol.
Só que gol nenhum saiu. E o último jogo da história do Olímpico terminou em 0 a 0. Mas mesmo assim, se as paredes do estádio falassem, se cada pedaço de pedra abrisse a boca para uma última palavra, provavelmente sairia uma variação do que disse o goleiro Mazaropi em 1983, quando o Grêmio venceu a Libertadores contra o Peñarol ali mesmo, nada muito diferente do que outros tantos jogadores disseram outras tantas vezes:
- Eu quero agradecer a essa massa, a essa torcida que sempre esteve aqui. Obrigado, gremistas. Muito obrigado!