Grêmio



Mago dos músculos

Filé bota tricolores para correr

Fisioterapeuta Nilton Petrone já usou colher de pau e skate em tratamentos

06/04/2013 - 15h38min

Atualizada em: 06/04/2013 - 15h38min


Filé, Henrique Valente (E) e Felipe Marques atendem Matheus

O apelido recebido nos anos 90, de Romário, é em razão do corpo mignon. Mas também poderia resumir um trabalho de primeira. Fora do futebol desde 2009, Filé atendeu ao chamado de Vanderlei Luxemburgo para revolucionar a recuperação de jogadores do Grêmio.

O currículo é vasto. Além do Baixinho, Nilton Petrone, 51 anos, 29 deles de carreira, recuperou Ronaldo e o habilitou para ser goleador da Copa de 2002 e conduzir a Seleção ao Penta. O tenista Gustavo Kuerten também passou por suas mãos. Clubes como Fluminense, Flamengo e Santos estão na sua trajetória.

O último caso resolvido por Filé foi Fábio Aurélio. Neste sábado, às 21h, o lateral enfrenta o Cerâmica, na Arena. 

- Com o Filé, descobri que tinha desequilíbrios - diz o jogador.

Na quinta-feira, Filé conversou com o DG na Arena. Confira.

Diário Gaúcho - O lateral Fábio Aurélio disse que você "descobriu os desequilíbrios" dele. Como foi isso?

Filé - Fizemos avaliação mais específica da pélvis (bacia) dele. Depois que voltei da Itália, onde trabalhei com o Ronaldo até 2002, me aprofundei nessa análise. A pélvis sustenta tudo. Para o atleta, é fundamental, todos os mecanismos de rotação passam por ali. Percebemos que o Fábio tinha alteração da pélvis. Ajustamos e observamos, pela forma da corrida dele, que a pressão do pé no solo não era bem distribuída. Comprovamos a necessidade de ele usar palmilha para ter maior equilíbrio na distribuição das forças. Hoje, está à disposição do Vanderlei Luxemburgo.

DG - Fábio Aurélio ainda sofrerá lesões musculares até ganhar ritmo?

Filé - Há uma estrada ainda para ele. Ela não termina e nem começa agora. Podem ocorrer lesões, todo o atleta está sujeito a elas. Tentamos com que se readapte ao nível elevado do futebol sem que sofra com sequência de lesões.

DG - Por que acontecem essas lesões musculares pós cirurgia?

Filé - Se percebeu que há coisas fundamentais, como o equilíbrio muscular. Se um músculo estiver muito mais forte do que outro, pode levar o atleta a se lesionar. São questões que hoje são tratadas no Grêmio com profundidade muito maior.

DG - Pode-se dizer que as causas das lesões, às vezes, são bem mais simples?

Filé - Em 2007, o Vanderlei Luxemburgo levou o Pedrinho para o Santos. No ano anterior, ele havia atuado em menos de 20 jogos no Fluminense. Era necessário análise minuciosa. No Santos, jogou 63 partidas, sem lesão muscular. Agora, a dor faz parte do atleta. Um dia ele sobrecarregará alguma região do corpo. Às vezes, você precisa ser mais duro, o atleta precisa entender que a dor faz parte da vida dele. Em 2008, no Palmeiras, o Elder Granja, que vinha de lesões no Inter, jogou quase o ano inteiro no Palmeiras sem nenhum problema. Fiz uma adaptação do que é adotado na Europa.

DG - Você é conhecido como "professor pardal" da fisioterapia. Qual sua invenção mais inusitada?

Filé - Foi em 1990, com o Romário, quando fraturou o tornozelo. Usei um skate. Hoje é prática nas clínicas. Ninguém entendia. Mas precisava de um plano deslizante porque é pela instabilidade que atinjo a estabilidade. O corpo reagirá, será estimulado por alguns sensores, se adapta a nível de exigência cada vez maior. Também em 1990, fazia um trabalho para tirar a sensibilidade da área da lesão com elementos loucos, como colher de pau, rolo de macarrão, Bombril, esponjas, algodão, água quente, água fria. Numa lesão ortopédica, há alteração sensitiva. Esses momentos foram grotescos, estava na Holanda, no PSV, os caras não entendiam. Usava pés de pato diferentes na água para dar força. Minha trajetória é muito baseada nisso.

DG - Tratar o Ronaldo foi o seu maior desafio na carreira?

Filé - Maikon Leite (atacante, hoje no Palmeiras, teve ruptura total dos ligamentos do joelho direito em 2008) foi desafio gigantesco também. Cada caso que eu tive, hein? O do Ronaldo teve repercussão mundial. Foi mais difícil pela expressão que tinha. E mais estressante. Não havia protocolo de reabilitação para tendão patelar em jogador da posição dele, de explosão grande e troca de direção muito rápida. A dor do Ronaldo foi como se tivesse levado uma pedrada e durou segundos. A expressão depois era por conta do sentimento. Esse é o sentimento que os jogadores têm quando ficam no bate-volta no departamento médico. Esse bate-volta que queremos tentar reduzir para nível razoável no Grêmio.

DG - No período em que tratava o Ronaldo, você perdeu seu filho por distrofia muscular progressiva (doença em que os músculos vão perdendo suas funções). Como superou?

Filé - Ele morreu em 2001 (aos 16 anos), de insuficiência respiratória por conta dessa doença. Não consegui ir ao enterro porque estava com o Ronaldo na Itália. Foi uma tragédia pessoal que o Ronaldo absorveu também como se fose dele. Um sentimento muito forte entre nós, de relação que transcendia até mesmo o profissional. Foi um grande apoio que tive, ele não me deixou ficar parado. Vim para o Brasil e, três dias depois, ele me ligou: "Como é que é? Me deixará sozinho?" Ronaldo não me deixou viver a dor extrema que foi a ida do meu filho para o plano espiritual. Foi duro.

DG - Como foi a vinda para cá?

Filé - Estava parado desde 2009. Não queria mais futebol, pela instabilidade. Quando o Vanderlei Luxemburgo me chamou, repensei. As pessoas no Grêmio são ótimas. Tudo é bom. Gostaria de ficar muito tempo no Grêmio.

DG - Como é o trabalho que você implementa no Grêmio?

Filé - Iniciamos nova fase no clube, que é corrigir outros jogadores com histórico de lesões musculares. Fazemos mapeamento deles, um protocolo de prevenção. Casos de Wangler (que usará palmilha para tirar a diferença de uma perna para outra), Deretti, Saimon. Numa outra fase, levaremos tudo isso para a categoria de base. Como uma padronização, para que o atleta não sinta diferença do atendimento realizado quando subir. Também conseguimos criar comunicação da fisioterapia com o departamento médico e com a preparação física e a fisiologia.

DG - Existe caso perdido?

Filé - O Pedrinho, ex-Vasco e Santos, parecia caso perdido. Tudo depende da estrutura do clube, do profissional, da forma como é usado o protocolo médico. Não diria que hoje tenha atleta irrecuperável. Existem, sim, aqueles que precisam de trabalho mais especial. Já vi jogador que está deitado na fisioterapia ouvir: "Pô, está aí no chinelinho". Não é. Às vezes é a prevenção. Ele chega mais cedo para isso, é responsável, se compromete com esse nível de trabalho. O mais novo vê: "Pô, se o Zé Roberto faz, por que eu não faço?" Se ele for para Europa, para a Seleção, verá que é assim e estará preparado.

DG - Que tipo de lesão é possível de prevenir?

Filé - As musculares e os entorses que não são de contato. Vou fazer três meses no Grêmio, há uma estrada para incutir essa mentalidade em todos os profissionais. Aí, sim, todos falarão a mesma língua.

Elano é o próximo paciente

Desfalque para a partida contra o Fluminense, por conta de uma suspensão, Elano será uma ausência no time titular do Grêmio por mais tempo. Os exames realizados na noite da quinta-feira confirmaram uma ruptura no ligamento colateral lateral do joelho direito do jogador. Próximo paciente de Filé, o meia deverá ser desfalque, por, no mínimo, quatro semanas. O departamento médico do clube descarta necessidade de cirurgia,  ao menos por enquanto.

Com isso, caso o Grêmio avance para as oitavas de final da Libertadores, o meia será baixa no primeiro jogo dessa fase.


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