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Mágoa histórica

"Não precisava esta tal de Arena", diz Hélio Dourado, o novo patrono do Grêmio

Aos 84 anos, ex-presidente afirma que só entrará no novo estádio quando o clube assumir sua gerência

27/09/2014 - 15h01min

Atualizada em: 27/09/2014 - 15h01min


Luís Henrique Benfica
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Sérgio Villar
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Lauro Alves / Agencia RBS

Hélio Dourado abre a porta do amplo apartamento na Rua Dona Laura, em Porto Alegre, com um sorriso de menino no rosto de 84 anos. Surpreende-se com a equipe de Zero Hora que chega para entrevistá-lo. "É um batalhão", brinca ao receber repórteres e fotógrafo.

O bom humor esteve presente durante a conversa de 58 minutos com um dos mais importantes dirigentes da história do Grêmio. Presidente do clube de 1976 a 1981, quando levou o time à conquista do primeiro Campeonato Brasileiro, Dourado ganhou no começo deste mês o título de Patrono, sendo o terceiro gremista a ter este diploma - os anteriores foram Aurélio de Lima Py e Fernando Kroeff.

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O ex-presidente está faceiro. A nomeação abrilhanta ainda mais sua longa vida no clube, iniciada em 1968. Só há um porém. Está marcada para a Arena a cerimônia para a entrega do título. E lá, Dourado não coloca os pés. Pelo menos por enquanto. Crítico ferrenho do novo estádio, o ex-dirigente agita as mãos de médico cirurgião, profissão que exerceu de 1953 a 1983, quando fala do assunto:

- Não piso na Arena enquanto ela não for realmente do Grêmio.

Dourado está na espera. Acredita que o presidente Fábio Koff conseguirá comprar a Arena. Pisará no gramado da nova casa tricolor, mas sem convicção. Ainda não entende como o clube trocou o Olímpico pela OAS Porto-Alegrense, como ele chama.

E se mexe na poltrona quando pensa na possibilidade de implosão do estádio que ajudou a concluir na década de 1980 com uma exitosa campanha para arrecadação de cimento para a construção do anel superior:

- Implodi-lo é uma estupidez.

Calam fundo no ex-presidente as questões relativas ao Olímpico. É explicável. Nascido em Santa Cruz do Sul em 1930, veio para Porto Alegre com os pais aos 11 anos. A paixão foi rápida. Passava pelo estádio para ir à escola e logo ganhou um presente da mãe: a carteirinha de sócio. Acompanhe nesta entrevista a rica história de Dourado torcedor, centromédio, médico, presidente e, antes de tudo, um grande gremista.

Quando o senhor receberá o título de patrono?

Já tenho o título do Conselho Deliberativo. Mas, quando vieram me convidar, falei coisas minhas pessoais. Eu lutei muito contra a Arena. Não me ouviram. Quando viram o contrato, se apavoraram. Aí, já tinha passado tudo. Recebi paulada de tudo o que é jeito. Depois, todo mundo me pediu desculpas, porque é uma estupidez o contrato que fizeram. Aí, eu já estava chateado. Disse: lá, eu não vou. Sempre adorei as coisas do Grêmio. Não vou a um local que se chama OAS Porto-Alegrense. Não é Grêmio Porto-Alegrense. Graças a Deus, veio o Fábio (Koff) depois e mudou as coisas. Eu falei para todo mundo antes, ninguém me ligou muito. Então, nunca fui lá. Quando vieram me convidar para eu ser o terceiro patrono, eu disse: só tem uma coisa, vocês escolham lá, façam a eleição, se for eleito, fico satisfeito, vou ficar contente, tenho 74 anos de Grêmio. Agora, o seguinte: eu não vou lá na Arena, eu não entro lá. Quando for nossa, estou lá no outro dia. Fábio está fazendo todo o trabalho para comprar, me disseram há poucos dias que está praticamente acertado.

Antes da compra, o senhor não vai...

Não vou, não entro lá, fiquei muito ligado com o Olímpico. É uma injustiça, nunca ouviram tudo o que eu tinha para o futuro. Não precisava esta tal de Arena. O Olímpico era grande, mas tinha uma coisa antiga, o fosso, não precisa mais fosso. Plínio Almeida (arquiteto do estádio), que fez toda a obra, me disse: eu tenho uns projetos, depois te mostro, acabou com o fosso, baixou o campo um metro, levou as arquibancadas mais perto, botava umas 25 a 30 mil pessoas mais. O Grêmio tem um Centro de Treinamento, no campo suplementar fazia um baita de um edifício, usava uma parte para o Grêmio e o resto para aliviar o trânsito da Azenha, a preços módicos, e uma série de outros planos.

O senhor tem visto como tem ficado o Olímpico?

Estão derrubando, acabando com tudo, não quis ver. Eu tenho o Olímpico no coração. Eu era guri, passava de ônibus todos os dias quando vinha da Vila Nova para o Colégio Anchieta, por onde estavam construindo o Estádio Olímpico. Eu vibrava ao andar por ali. Quando eu passei no curso de admissão (antigo exame de acesso do primário ao ginásio), ganhei um presente de aniversário, dia 20 de março, o título de sócio do Grêmio.

O Inter agiu certo reformando o Beira-Rio?

Perfeito. O Inter vai lá e faz exatamente o que eu pensava. Ali no Grêmio, tem espaço para tudo, aquilo lá é grande. Tem espaço para demolir onde era o ginásio, tem espaço, o estádio é certificado pelo Papa, ele rezou missa lá, toda a diretoria estava assistindo à missa, ele abençoou o Grêmio, tudo isso está dentro da gente. Derrubar por quê? E tem mais. Pode ser que eu esteja errado. Eu estava no mercado comprando peixe, um senhor me bateu no ombro, disse "sou gremista, sou engenheiro, eu conheço muito aquela zona, aquilo lá é um banhado, eu sou contra também, se não fizerem trabalho muito bem feito, aquilo pode baixar". Então, mais um motivo que me fez lutar mais.

Qual foi seu momento mais feliz no Grêmio, que não lhe sai da cabeça?

Fui eleito em 76, perdi o Gauchão no primeiro ano, fiquei doente. Ganhei em 77, foi a glória. Depois, ganhei em 79 e 80. E aí veio a grande coisa, em 81 fui campeão brasileiro. Eu entreguei o Grêmio campeão do Brasil. Com uma baita equipe, depois ganhou a América e o mundo. Com De León de capitão. Que liderança, o Grêmio deve muito a esse sujeito.

E a maior tristeza? O rebaixamento em 2004 (era vice de futebol)?

Eu participei daquele rebaixamento. Eu fiquei triste porque os jogadores eram boas pessoas. Tinha havido mal-entendidos e outras coisas e nós caímos. O Flávio (Obino) me chamou. Eu tinha começado no Grêmio com ele, em 1968.

Sua personalidade forte lhe trouxe muitas inimizades?

Sempre procurei ser amigo. Um dia, estava num avião, e um jogador nosso tomava Coca-Cola. O lugar ao lado estava vazio e eu sentei. Perguntei: vamos conversar um pouquinho? E peguei o copo, sei que você está tomando samba. Eles dominavam as aeromoças e conseguiam tudo. Acabei com o negócio de beber. Me reuni com os jogadores e disse: "eu bebo em casa e não escondo. Mas não bebo antes de operar. E vocês bebem antes dos jogos, vamos parar com isso. Vocês acham que eu sou criança? Vamos ser homens. Podem beber comigo, mas, na véspera da partida, acabou".

Qual o maior jogador com quem o senhor trabalhou?

É muito difícil, teve cada jogador lá. O Alcindo foi um baita de um cara. O Gessy era uma perfeição. Só não era de vibrar, jogava demais, mas não vibrava. Airton (Ferreira da Silva) era meu amigo, todos eram. Hugo de León. Que homem, que sujeito, que macho. Foi meu capitão.

O senhor foi acusado de perseguir jornalistas, a imprensa ...

Nunca aconteceu isso. Era difícil a relação, porque não eram corretos com a gente. Nunca pisei em ninguém, mas nunca deixei que me fizessem sacanagem. Até hoje vejo TV, ouço coisas que os caras fazem para aparecer. Tive amizades a rodo, graças a Deus. Essa é uma das alegrias que eu tenho na vida.

Como foi a campanha do cimento para terminar o Olímpico?

Surgiu da minha cabeça.Não fui só para o interior gaúcho, fui para o interior de vários Estados do Brasil, onde havia uma colônia gaúcha. Uma vez, subi de Belo Horizonte para cima, até o Pará, passamos em todos os municípios. Terminamos o Olímpico sem gastar um tostão, sem nos empenharmos nos bancos, foi apenas com doações. Eu viajava de noite com os jogadores, e vínhamos com o dinheiro. Do lado da minha sala, tinha um cofre onde era posto o valor arrecadado, anotado em papel, assinado por todos os que tinham ido junto. No outro dia, depositava em um banco. Certa vez, um gremista muito fanático disse que eu roubava o dinheiro. O doutor Fernando (o ex-patrono Fernando Kroeff) veio me falar, disse que não acreditava. Pedi uma reunião de todo o pessoal aqui no estádio, era um troço muito grave. Levei os jogadores, abri o cofre, mostrei para todos, disse que ainda não tinha mandado para o banco para mostrar. E mandei embora aquele que tinha falado mal de mim.

Quanto tempo durou a campanha do cimento?

Um ano. O Olímpico ainda não estava pronto. Todos os estádios tinham arquibancada e um anel em cima. Eu queria que o Grêmio ganhasse dinheiro com camarotes. Não gastamos nada. Só fazíamos empréstimo para comprar jogadores. Foi assim com De León.

Como foi essa negociação?

Chegamos para negociar com uma carta de um banco, não levamos o dinheiro. Nos reunimos no clube (Nacional, de Montevidéu), e eu disse: viemos aqui comprar o De León, e está aqui a carta do nosso banco com a garantia de pagamento que me pediram. Eles me responderam: você me traz papel, eu quero é dinheiro. E rasgou a carta! Prometi voltar no dia seguinte, na mesma hora. Fomos a um banco, falamos com Porto Alegre, conseguimos o dinheiro. Era a época dos Tupamaros, matavam por qualquer valor. E descemos a Avenida 18 de julho, eu, Verardi (o supervisor Antônio Carlos Verardi), e mais alguns dirigentes, com o dinheiro dentro de uma pastinha. Verardi dormiu com o dinheiro fechado no quarto dele. No outro dia, na reunião, eu disse: o senhor agiu daquela maneira, e nossa carta não era papel, era dinheiro. Pois, agora, contem. Joguei a pasta sobre a mesa e eles ficaram contando. E nós saímos dali com o jogador. Foi uma compra que valeu a pena.

O senhor acredita que, no futuro, lembrarão de seu legado?

Vão se lembrar de mim por causa da história do Grêmio, por ter sido o presidente quando o clube foi pela primeira vez campeão brasileiro.

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