Dupla Gre-Nal



Um santo centenário

São José completa cem anos

Em 1913, nascia aquela que se tornaria a terceira força do futebol da cidade

23/05/2013 - 07h24min

Atualizada em: 23/05/2013 - 07h24min


A Rua Alberto Bins, na Capital, ainda se chamava São Raphael quando um grupo de estudantes com idades entre 11 e 18 anos fundou, há cem anos, aquela que se tornaria a terceira força do futebol da cidade. Amanhã, essa data completa cem anos.


Criado no pátio da escola, junto à então Capela de São José - a igreja segue no mesmo local -, o clube nasceu para abrigar alunos. Apesar de surgir no Centro, com o passar dos anos, o Zequinha se tornou um clube da Zona Norte. E, assim como o Força e Luz (ligado aos eletricistas) e o Nacional (aos ferroviários), o time azul e branco sempre foi ligado à classe operária.


Para relembrar o passado do time de poucos títulos, mas de grandes feitos - como o primeiro voo de uma equipe de futebol -, o Diário Gaúcho fez uma viagem ao passado. Encontramos um personagem que, aos 11 anos, fez parte do time infantil de 1913, viajou no hidroavião da Varig em 1927, foi técnico e dirigente. Amanhã, contamos a história da abnegada que cuida da memória do clube e dos guardiões do futuro do Zequinha, sua torcida jovem.


Porto Alegre tinha pouco mais de 100 mil habitantes quando um grupo de estudantes do Colégio São José, localizado na Rua São Raphael, no Centro, resolveu transformar as peladas diárias em algo mais sério. Assim, inspirados pelo irmão Constantino, admirador do futebol e funcionário da escola, os alunos fundaram, em 24 de maio de 1913, o Esporte Clube São José.


O embrião havia sido a Sociedade Juventude de Moços Católicos, que reunia os alunos chegados a bater uma bolinha. Pouco depois, com a vontade de enfrentar os times mais fortes, veio a fundação do Zequinha.


Paixão pelo Zequinha nasceu com o clube


Entre os fundadores estava Antonio Pedro Netto, então um guri de 11 anos, que fez parte do primeiro time infantil do São José. Com o passar dos anos, aquele garoto viria a se transformar em jogador, técnico e dirigente do clube.


Como relembram os filhos Susana Silva, 73 anos, e Francisco Neto, o técnico Chiquinho, 71 anos, Antonio comprou até briga na família por conta do seu amor pelo clube.


- O pai tinha muitos arranca-rabos com a minha mãe. Não era um homem rico, mas investia muito tempo e dinheiro no São José. Era um faz-tudo. E, quando vinha uma crise, ele assumia o clube - lembra Chiquinho.


Não é por menos que, depois de o Zequinha rodar por quatro campos, Antonio fez parte do grupo de torcedores que ajudou o clube a comprar do empresário Rubem Berta, dono da Varig, o terreno onde hoje fica o Estádio do Passo D'Areia. Cada participante entrou com valores próximos a mil contos de réis.


A compra foi efetuada em 1939, e Rubem Berta fez constar do contrato que o terreno só poderia ser usado para a construção de um estádio. Isso porque, perto dali, ficavam os campos de pouso da Varig, e o empresário não queria prédios atrapalhando seu negócio.


Uma aventura para entrar para a história


A maior aventura da história do São José começou às 10h15min de 5 de junho de 1927, um sábado gelado de inverno. A temperatura rondava os 10ºC quando o hidroavião Atlântico, da recém inaugurada Varig, decolou das águas do Guaíba, levando nove jogadores e dois dirigentes para aquela que seria a primeira viagem de avião de um time de futebol no mundo.


Reconhecido pela Fifa, em 1992, o feito surgiu de uma conversa do então diretor de futebol, Edgar Vielitz, e do secretário do clube, Moisés Antunes da Cunha. O destino, após duas horas e meia de voo, era Pelotas, onde o Zequinha enfrentaria o Pelotas em um amistoso, que terminou empatado em 2 a 2.


- O pai lembrava que o avião pulou muito, até pegar velocidade e levantar voo. Dizia que deu um frio na barriga - conta o técnico Chiquinho, filho de Antonio Pedro Netto, um dos nove que participaram da aventura e aquele mesmo que fez parte do primeiro time infantil do clube, em 1913.


Na ida, dois foram no porão do hidroavião


Ao lado do goleiro Bagre, Antonio Netto se ofereceu a viajar no porão do avião - com a promessa de que, na volta, ocupariam uma poltrona -, já que a aeronave só tinha nove assentos. Além da falta de lugares, o comandante do voo, o alemão Rudolf Cramer von Clausbruch, se preocupava com o peso transportado.


Assim, os passageiros - o tesoureiro João Leal da Silva e os jogadores Odorico, Benedito e Berlina, viajaram dois dias antes, de barco - foram escolhidos pela soma do peso. Mesmo assim, Rudolf teve que aceitar a carga extra dos capotes pesados, devido ao frio, então um costume da moda masculina.


Antes da viagem, paga pelo Pelotas, o presidente do São José, Waldemar Zapp, ordenou que todos os viajantes fossem fotografados individualmente e junto ao avião, para ter uma lembrança dos aventureiros em caso de acidente. Outro fato curioso da aventura é que, na foto oficial, Antonio Netto aparece com um fardo entre as pernas. A filha Susana conta:


- Os jornais de sábado da Capital costumavam chegar em Pelotas na quarta. Então, o pai levou 30 exemplares do Correio do Povo para vender. O dinheiro foi usado para pagar a janta após o jogo.


Pioneiros


Segundo registro nas atas das reuniões do São José, essa é a lista da delegação que viajou a Pelotas de avião. Não há dados sobre a viagem de volta.


FORAM DE AVIÃO


- Alberto Moreira Haanzel, o Bagre


- Walter Raabe


- Alfredo Cezaro, o Pinho 1


- Cesar Cezaro, o Pinho 2


- Clovis Carneiro Cunha


- Dirceu Silva


- Antonio Pedro Netto


- João Nicanor Leite, o Nonda


- Álvaro Kessler


- Carlos Albino Müller Pires, chefe da delegação


- Moisés Antunes da Cunha, secretário


FORAM DE NAVIO E VOLTARAM NO AVIÃO


- Walter Kennemann, o Berlina


- Benedito


- Odorico Monteiro


- João Leal da Silva, tesoureiro


O mundo em 1913


- Porto Alegre era uma cidade em crescimento.


- Nesse ano, surgiram as primeiras leis de trânsito, com velocidade máxima de 10 km/h na zona urbana. Isso obrigou ao calçamento das ruas.


- Foi neste ano que o Inter conquistou sua primeira vitória sobre o Grêmio, começando, assim, a rivalidade forte do maior clássico do Estado.


- Também em 1913, foi entregue o segundo piso do Mercado Público, que antes só tinha o térreo com os quatro torreões. O segundo piso começou a ser erguido após o incêndio no miolo do mercado, em 1912.


- O prefeito da cidade, na época chamado intendente, era José Montaury. Ele foi o primeiro a ser eleito por voto direto. Governou a cidade por 27 anos, com diversas reeleições. Quando assumiu, em 1897, a cidade tinha 64 mil habitantes. Em 1924, quando deixou a prefeitura, havia passado para 160 mil.


- Em janeiro de 1913, assumia o governo do Estado Antônio Augusto Borges de Medeiros, que seguiu no poder até 1928.


- Hermes da Fonseca entrava no seu terceiro ano de mandato como presidente do Brasil.


- O mundo vivia um período de tensão. Em junho, começaria nos Bálcãs, região da Europa, uma guerra que acabaria influenciando para que a Primeira Guerra Mundial começasse no ano seguinte e fosse até 1918.


As conquistas


- Apesar dos cem anos, o São José é um clube de poucas conquistas na equipe profissional.


- Em 1929, o time conquistou o Torneio Início do Citadino.


- O Zequinha foi duas vezes vice-campeão citadino. Em 1937, perdeu o título para o Grêmio - após três jogos, com duas vitórias tricolores. E, em 1948, ficou atrás do Inter, que conquistou o título de forma antecipada, sem necessidade de final.


- O grande feito veio em 1971, quando conquistou a Copa Governador do Estado, com um time que tinha em campo Carlos Miguel, pai do meia Carlos Miguel, campeão da Libertadores com o Grêmio e que também atuou no Inter.


- Nos anos 70 e 80, o Zequinha perambulou entre a terceira, a segunda e a primeira divisões gaúchas. O período mais longo foram 16 anos longe da elite. A volta aconteceu em 1999.


- Em janeiro deste ano, o São José conquistou a Copa Centenário, disputada pelos times gaúchos que completam cem anos em 2013 - Zequinha, Cruzeiro, Santa Cruz e Juventude. Na final, bateu o Ju por 1 a 0.


Ídolos


Como a maioria dos times pequenos, os grandes ídolos do São José foram fazer sucesso com outras camisas.


ANTONIO PEDRO NETTO


Talvez o único a não vestir outro uniforme. Antonio começou no primeiro time infantil do São José, no ano da fundação. Foi jogador, participou da viagem histórica a Pelotas, virou técnico e fez de tudo um pouco no clube - sendo, inclusive, dirigente.


OSVALDO ROLLA, O FOGUINHO


Conhecido por suas passagens pela dupla Gre-Nal, Foguinho era um atacante habilidoso que também valorizava a disciplina e a força física. Começou no Zequinha em 1920, mas transferiu-se para o Grêmio em seguida.


JOÃO ELUSTONDO FILHO


Um dos jogadores mais importantes do São José nas décadas de 30 e 40. Jogou no clube de 1934 a 1942. Atacante goleador, fazia parte do time vice-campeão citadino de 1937.


ANTÔNIO RODRIGUES FILHO, O CARECA


Não são todos os clubes que podem ter a honra de ter um jogador de Seleção Brasileira na sua história. Já consagrado, o centroavante Careca, com passagem pelo Napoli/Ita, participou da campanha de retorno do Zequinha para a elite do futebol gaúcho, em 1999. Atuou em seis jogos, mas não marcou gols.


ÊNIO ANDRADE


Aquele que hoje é considerado por muitos o melhor técnico brasileiro de todos os tempos, Ênio Andrade começou sua carreira de meia-esquerda no Passo D'Areia, em 1949, treinado por Luiz Lua. Depois, foi campeão por Inter, Renner, Palmeiras e Náutico. Encerrou a carreira no São José em 1962. Como técnico também chegou a treinar o clube.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias