Dupla Gre-Nal



Centenário estrelado

Cem anos do Cruzeiro: O milagre da teimosia

O Esporte Clube Cruzeiro completa cem anos neste domingo. Saiba como tudo começou

13/07/2013 - 16h41min

Atualizada em: 13/07/2013 - 16h41min


- É um milagre! - resume o aposentado Luiz Carlos Aragão, 83 anos.


- É pura teimosia! - contrapõe o jornalista Ernani Campelo, 43 anos.


As duas frases, de um ex-presidente e de um conselheiro, respectivamente, explicam como o Esporte Clube Cruzeiro completa cem anos de vida neste domingo. Desde aquele frio 14 de julho de 1913, quando 18 jovens resolveram fundar um clube para jogar futebol, até hoje, o Estrelado vive por pura insistência. Ou por graça divina.


Afinal, o mesmo time que já teve o melhor estádio da idade também já fechou as portas. Por duas vezes. E as reabriu. Mesmo pioneiro entre os clubes gaúchos nas excursões para o Exterior também viveu constantes problemas financeiros.


Só a obstinação dos seus poucos, mas abnegados, torcedores ou a dádiva dos céus para  justificar a chegada às dez décadas de vida. E ainda com esperança de seguir em frente. Não é por nada que está próxima a mudança final de Porto Alegre para Cachoeirinha, realizada simbolicamente neste domingo, onde está sendo erguida a nova casa estrelada.

 

Confira mais no vídeo abaixo:

 


Era uma segunda-feira fria do inverno de 1913. Às 20h daquele 14 de julho, 18 jovens se encontraram para uma reunião no prédio do antigo Cine Ópera, na Rua da Praia. Ali, no edifício na esquina com a Rua Uruguai, os rapazes fundaram um clube para jogar futebol. Nascia assim o Esporte Clube Cruzeiro.


Os tempos eram outros. As agremiações não eram criadas pensando em conquistar títulos. Eram mais como as equipes de várzea de hoje. A juventude do começo do século passado montava seus times para jogar entre si e, às vezes, contra algum adversário do mesmo  bairro.


Bom, voltando à fundação estrelada, o nome do clube, tendo como símbolo as cinco  estrelas da constelação Cruzeiro do Sul, teria sido adotado porque cinco dos seus integrantes tinham ligações com o Inter, fundado em 1909. Mas, descontentes, saíram e passaram a ser conhecidos como o Clube das Cinco Estrelas. 


Diferentemente dos outros clubes da cidade à época, ligados a categorias profissionais, como o Força e Luz (dos eletricitários) e o Nacional (dos ferroviários), ou a bairros, como o São José (da Zona Norte), o Cruzeirinho tem uma origem mais elitista. Desde o começo, o clube foi ligado aos intelectuais, como o escritor e médico Moacyr Scliar, e a pessoas de esquerda, como o advogado e presidente do Cruzeiro na década de 50 Antônio Pinheiro Machado Netto, deputado constituinte pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).


Começava naquela sala do prédio do Cine Ópera uma história de pioneirismo - foi o primeiro time gaúcho a viajar para a Europa, por exemplo -, teimosia - fechou as portas duas vezes e reabriu - e milagres - conseguiu vitórias quando a derrota era o mais esperado.


Um time que se repete


O aposentado Fernando de Oliveira Carvalho, 69 anos, tem orgulho de ser cruzeirista. Levado pelo pai, ainda criança, à Montanha, Fernando brinca dizendo que o Cruzeiro é o único campeão de tudo (por ter títulos no futebol, vôlei, basquete e futebol de salão). Mas decreta:


- Paixão por um clube não é só por causa dos títulos. Não tem como explicar isso.


Fernando faz questão de lembrar que o Estrelado tem algumas marcas: sempre foi um time pioneiro, é teimoso e é um clube que se repete.


- O Cruzeiro sempre foi grande contra os grandes. Mas se apequenava diante dos pequenos - observa, para completar:


- Sempre foi assim. Basta olhar esse ano. Ganhamos do Grêmio na Arena e, no jogo  seguinte, perdemos para o Caxias.


A obstinação da volta


A história do Cruzeiro é marcada pela teimosia. Por duas vezes, o Estrelado fechou as portas. Mas, por insistência, as reabriu.


A primeira vez aconteceu entre o segundo semestre de 1973 e o primeiro de 1975. Naquela época, o Gauchão era disputado o ano inteiro. Como a equipe estrelada foi desclassificada na primeira fase do Estadual de 1973, o clube, deficitário, fechou as portas. Ficou sem disputar o Gauchão em 1974 e voltou apenas em 1975, quando jogou um torneio classificatório para o Estadual de 1976.


Três anos depois de voltar, fechou as portas novamente. Já na nova casa, inaugurada em 1977, o Cruzeiro encerrou as atividades do futebol em 1979 para só voltar em 1991. Desde o retorno, foram longos 20 anos longe da elite do Gauchão. O Estrelado só conseguiu o acesso em 2010, quando conquistou a Segundona.


Um cruzeirista no topo do mundo


Mais uma para entrar para o folclore do pioneirismo cruzeirista. Antes de Grêmio (1983) e Inter (2006) conquistarem o Mundial de Clubes, o Cruzeiro já tinha um campeão no confronto entre times da Europa e América do Sul. Em 1974, quando o torneio era disputado em dois jogos, o Atlético de Madrid, campeão mundial ao bater o Independiente, da Argentina, tinha no seu grupo o ponta-esquerda Heraldo Bezerra, cria estrelada.


Oriundo das bases cruzeiristas, o atacante trocou a Montanha pela cidade de Rosário, na Argentina, onde passou a defender o Newell’s Old Boys, em 1968, aos 22 anos. Em 1971, nova mudança. Bezerra foi para a Espanha, defender o Atlético, e acabou eleito o melhor ponteiro da temporada 1972-1973.


Bezerra trocou, novamente, a Espanha pela Argentina, onde defenderia o Boca Juniors, em janeiro de 1977. Mas um acidente de carro, em março daquele ano, interrompeu, aos 31 anos, a carreira do gaúcho de São Jerônimo.


Uniforme estrelado na Copa de 1950


O Cruzeiro pode não ter sido oprimeiro time a ter seu uniforme em uma Copa do Mundo. Mas, certamente, largou na frente na América e foi o único do Brasil a vestir uma seleção em um torneio Fifa. O pioneirismo estrelado só não foi mundial porque na Itália, em 1934, o Napoli emprestou suas camisas e calções para a Áustria enfrentar a  Alemanha.


Mas, na Copa no Brasil, o jogo México x Suíça, disputado nos Eucaliptos, teria duas equipes de vermelho e branco e, na época, não era comum o uso de uniforme reserva. No sorteio, os mexicanos ganharam a oportunidade de seguir com sua camisa. Mas, para agradar os locais, resolveu aceitar envergar as cores de um time da cidade.


Como o dono do estádio, o Inter, também eram alvirrubro, o Cruzeiro, por estar a poucos quilômetros do estádio, emprestou camisas, calções e meias. As listras azul e branco, porém, não deram sorte. O México perdeu por 2 a 1. 


MAIS PIONEIRISMOS


- Quase no Brasileirão - Em 1974, em meio ao primeiro recesso, o Cruzeiro foi lembrado pela CBD (hoje CBF) para o Brasileirão daquele ano. O mês era janeiro, e, como o lema da época era "Onde a Arena vai mal, um time no Nacional", o Estrelado, mesmo com o futebol parado, era cotado para uma das 48 vagas do campeonato. Seria mais uma vez pioneiro, mas os clubes do Interior espernearam, e a CBD voltou atrás no convite


- Na neve - Durante muito tempo, o 0 a 0 entre Esportivo e Grêmio, em 30/5/1979, foi considerado o Jogo da Neve - primeira partida do Estado a ser disputada sob essas condições. Menos de um ano antes, em 14/8/1978, Cruzeiro e Caxias fizeram o primeiro jogo sob neve, no Centenário. O 2 a 2, válido pelo Gauchão, foi disputado sob uma temperatura de 0ºC, com o atual técnico da Seleção, Luiz Felipe Scolari, na zaga da equipe grená.


- Vitória na Arena - O mais recente pioneirismo aconteceu no Gauchão deste ano. Correndo risco de ser rebaixado, a equipe estrelada foi à Arena do Grêmio e bateu o time de Vanderlei Luxemburgo por 2 a 1. Não, o Tricolor não estava poupando titulares. A vitória cruzeirista foi a primeira de um time brasileiro na nova casa gremista.


As casas


- O primeiro campo, sem registro específico, ficava no Bairro Glória. Depois, veio a Chácara das Laranjeiras, no Partenon, uma nova passagem pela Glória, e o Caminho do Meio, onde hoje está o Hospital de Clínicas.


- Em 1941, foi fundado o Estádio da Montanha, apelidada de Colina Melancólica, onde hoje fica o Cemitério Ecumênico João XXIII.


- A inauguração da Colina Melancólica, em 1941, foi em uma partida com o São Paulo, de São Paulo, vencida pelo Estrelado por 1 a 0. 


- A despedida aconteceu em novembro de 1970, num jogo contra o Liverpool/Uru, vencida por 3 a 2 pelo Cruzeiro. Torcedores deixaram o local chorando.


- A nova casa, o Estrelão, só foi fundada em 1977, no final da Protásio Alves.


- O que ficou conhecido como Estrelão era para ser o campo suplementar do complexo planejado pelo Cruzeiro. Por isso, era chamado pelos cruzeiristas, carinhosamente, de Estrelinha. Foi fechado no final de 2012.


- Em janeiro de 2012, o Cruzeiro começou a erguer, em Cachoeirinha, seu novo estádio. Construído no padrão Fifa, a Arena deve ser inaugurada em 2014.


Os títulos


- O primeiro título em 1918, o Citadino de Porto Alegre. Taça repetida em 1921 e 1929.


- Em 1929, veio o maior título: o Gauchão. Conquistado com uma vitória por 1 a 0 sobre o Guarany, de Bagé.


- Nos anos 60, o Estrelado levantou duas taças no Exterior. Na excursão de 1960, conquistou a Copa da Páscoa de Berlim Oriental, na Alemanha, ao vencer o Vorwaerts Berlin,por 1 a 0 e empatar em 1 a 1 com o Dinamo Berlin. No ano seguinte, foi o campeão do Torneio Internacional de Páscoa de Mar del Plata, na Argentina.


- Em 1970, o Cruzeiro levantou a primeira taça da Copa Governador do Estado, conquistada sobre o Novo Hamburgo. 


- Após sua volta ao futebol, em 1991, o Cruzeiro só retornou à elite do Gauchão em 2011. No ano anterior, foi campeão da Segundona, ao bater o Lajeadense (1 a 1, em Porto Alegre, e 3 a 0, em Lajeado).


- Os cruzeiristas costumam brincar que o Estrelado é o único campeão de tudo, já que o clube tem títulos no futebol, no atletismo, no basquete, no vôlei e no futebol de salão.


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