Esportes



Estrelas do Rio

Uma década no topo: Fabiana Murer busca coroar trajetória vitoriosa com medalha olímpica

Saltadora está entre as melhores do mundo desde 2006

02/07/2016 - 06h00min

Atualizada em: 25/07/2016 - 10h40min


André Baibich
André Baibich
Enviar E-mail
Jonne Roriz / Exemplus

Há uma conhecida máxima do esporte que ensina: chegar ao topo é difícil, manter-se lá é ainda mais. Fabiana Murer sabe bem. Em 2016, a saltadora, que disputará os Jogos do Rio como uma das candidatas ao pódio, completa 10 anos no grupo de elite de sua modalidade.

Suas características ajudam a garantir a longevidade. Enquanto a maior parte das adversárias confia na força e na velocidade para brigar por medalhas, a campinense de 35 anos tem outros atributos.

Leia mais
Confederação convoca equipe brasileira de canoagem velocidade
Rio Grande do Sul espera chegada da tocha olímpica
Após revezamento, espetáculo deve reunir 10 mil pessoas em Santa Maria

– Minha técnica é um fator importante. Não sou tão forte, nem tão veloz, mas consegui assimilar a técnica – analisa.

A diferença de Fabiana – e o que a mantém competitiva – é sua capacidade de transferir ao salto todo o impulso resultante da corrida. Não é uma qualidade que se esvai com o tempo, como a explosão muscular de suas jovens rivais.

– A gente partiu para uma linha técnica que hoje pouca gente consegue fazer. É o que mantém ela com esses resultados. Outras atletas não são tão boas tecnicamente, mesmo tendo bom resultado – destaca o treinador e marido de Fabiana, Elson Miranda.

A força mental também foi decisiva, especialmente nos momentos mais difíceis. Fabiana chegará à terceira Olimpíada com a memória de dois insucessos em suas experiências anteriores nos Jogos.

Em 2008, passou por um drama, no mínimo, inusitado. Disputava a final quando, ao buscar a vara que usaria para ultrapassar o sarrafo a 4m55cm e 4m65cm, viu que ela tinha sumido. Sem o material apropriado, não conseguiu ultrapassar o obstáculo.

– Nunca aconteceu com nenhum dos meus atletas, nem comigo. É algo muito estressante, especialmente em uma Olimpíada. Se você precisa de uma vara e ela não está lá, todas as outras possibilidades são muito difíceis – explica Henrique Martins, técnico do Esporte Clube Pinheiros e ex-companheiro de equipe.

Quatro anos depois, ao se preparar para o salto que, se bem-sucedido, a manteria na competição, percebeu que o vento era desfavorável. Fez, então, o que é de praxe: esperou até quase o limite do tempo para o salto, na esperança de que as condições melhorassem. Quando iniciou a corrida, sentiu de novo o sopro forte do vento, o que a fez parar.

Nos dois episódios, sofreu com repercussões cruéis de seus desempenhos. Uma bateria de críticas veio de quem não tinha qualquer familiaridade com sua trajetória.

– A gente sentia ela um pouco triste, o que é normal. Estavam falando do que não sabem. Isso deixa qualquer um chateado – diz Mônica Araújo, companheira de clube no BM&F Bovespa.

Mesmo com as fortes turbulências nas duas Olimpíadas que participou, Fabiana se reergueu. Dois anos depois da vara sumida em Pequim, deu início à melhor fase da carreira, com título mundial indoor em 2010 e o Campeonato Mundial de 2011. Atingiu, nessas duas temporadas, sua melhor marca – 4m85cm. Depois de Londres, em 2014, conquistou a Liga Diamante pela segunda vez e, no ano passado, foi vice-campeã mundial e repetiu os 4m85cm.

– As duas Olimpíadas foram experiências. Competições ruins que eu tive. Sempre cheguei com chances de disputar uma medalha, mas não é fácil. O atletismo é muito difícil e competitivo. Foram coisas que eu passei na vida e me fortaleceram. Ajudaram a me manter entre as melhores do mundo – afirma.

É de se pensar que os períodos após as decepções olímpicas tenham sido os mais complicados, mas a saltadora garante que não. Reconhece que houve momentos difíceis, em que manter a motivação foi uma tarefa árdua, mas conta que eles vieram após seus melhores resultados. Depois dos insucessos, tinha gana de buscar a recuperação.

A mesma gana do início da trajetória, quando escalou o ranking mundial para se estabelecer na elite. Elson lembra do Mundial de 2005, em que Fabiana não foi à final. Recorda-se do desejo da atleta de estar no topo, fazer parte da briga por medalhas. A combinação da vontade com o trabalho dedicado permitiu um forte crescimento de um ano para o outro. Em 2006, a melhor marca foi 4m66cm, 26cm melhor do que os 4m40cm registrados na temporada anterior.

Mesmo que tenha mudado de patamar repentinamente, não há como descolar sua chegada ao topo do processo que se desenrolava desde 2001. Descoberta aos 16 anos por Elson – fazia ginástica antes de migrar para as pistas –, Fabiana assimilou rapidamente o método do ucraniano Vitaly Petrov, técnico célebre por ter lapidado os talentos dos recordistas mundiais Sergei Bubka e Yelena Isinbayeva. No início da década passada, Elson passou a levar sua equipe para períodos de treinos em Fórmia, na Itália, no centro de treinamento conduzido por Petrov. A parceria tornou-se mais intensa ao longo dos anos.

– O Vitaly foi vital. Sem o conhecimento dele, eu não teria condições de passar essa técnica a ela – reconhece Elson, que rompeu com Petrov no fim de 2014, acusando-o de aliciar o jovem Thiago Braz, promessa que mudou-se para a Itália.

– O Petrov é um cara muito minucioso. Todos os pequenos detalhes, ele dá mais qualidade e quantidade de exercícios para essas pequenas partes. Isso não somente com relação à técnica, mas também à parte física – lembra Martins.

A atitude disciplinada de Fabiana foi essencial para que absorvesse os ensinamentos de Petrov e Elson. O elogio mais frequente à saltadora fala de sua dedicação, da forma com que encara a rotina sempre difícil de preparação para as competições.

– Ela é fantástica. Se está com dificuldades, é capaz de repetir 300 vezes a mesma coisa até aprender – conta José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, técnico da Sogipa.

– Conheço a Fabiana desde as categorias menores. Veio evoluindo e persistindo, melhorando a cada ano. Eu tive uma trajetória parecida, a gente teve essa disciplina dentro do esporte, de se dedicar, se doar realmente para a modalidade – lembra Marilson dos Santos, maratonista do BM&F Bovespa.

A combinação de talento, força mental e dedicação a transformaram em uma referência. Se outras gerações do atletismo tiveram ídolos como Adhemar Ferreira da Silva, Joaquim Cruz e Robson Caetano, hoje é Fabiana quem serve de inspiração. Respaldada pelos resultados, não se omite do papel de líder. Costuma aconselhar os jovens e está na comissão de atletas do seu clube, o que amplia a imagem positiva entre os pares. Na trajetória vencedora, parece só faltar mesmo a medalha olímpica.

Para conquistá-la, terá de ser brilhante. A concorrência é forte: há duas gregas com excelentes resultados recentes, a campeã mundial Yarisley Silva, de Cuba, duas americanas fortes e, ainda, a perspectiva remota de enfrentar as russas – incluindo Yelena Isinbayeva –, que buscam liberação para competir em meio à punição sofrida pela federação de seu país:

– O cenário é bem equilibrado. Muitas atletas têm se destacado. Mas eu vejo que estou mais experiente, encaro as competições com mais tranquilidade e o fator casa me ajuda. Gosto de competir no Engenhão.

Como se vê, Fabiana mantém-se positiva. É a tal força mental, da qual muitos duvidaram depois de Pequim e Londres, e que pode ser decisiva para que o sonho olímpico finalmente se transforme em realidade.

Acompanhe a série Estrelas do Rio



MAIS SOBRE

Últimas Notícias