A força é delas
Orgulho feminino se espalha com desempenho na Olimpíada
Rio 2016 é a edição com maior porcentagem de mulheres em Jogos, 45%
Os brasileiros comemoraram muito o ouro conquistado pela judoca Rafaela Silva, mas as brasileiras comemoraram ainda mais. Mal a atleta carioca venceu o combate final, na tarde de segunda-feira, uma onda de orgulho feminino esparramou-se internet afora, sintetizada pelo slogan "lute como uma garota". O triunfo de Rafaela ganhou contornos ainda mais significativos por ocorrer em uma Olimpíada que tem sido marcada, até aqui, pelo protagonismo das mulheres - que o diga a abissal diferença de desempenho entre as seleções de futebol lideradas por Marta e por Neymar.
Uma imagem já icônica do fenômeno, que viralizou nas redes, é a do menino vestindo a camisa número 10 da seleção brasileira com o nome de Marta escrito à mão, abaixo do nome riscado de Neymar. "Desculpa aí, mas esta Olimpíada é das mulheres", reagiu no Facebook uma internauta de São Paulo, Tuka Pereira, ao divulgar a foto. Na mesma rede social, mas no Recife (PE), Soraya Barreto postou na manhã de segunda uma mensagem na mesma linha: "Uma coisa a dizer sobre o primeiro fim de semana das Olimpíadas: o futebol feminino goleou, o vôlei feminino deu um banho, o handebol ganhou com folga. Vem agora dizer para jogar como uma menininha". Horas depois, quando Rafaela subiu ao pódio, Soraya explodiu: "O primeiro ouro do Brasil é COISA DE MULHER!!!"
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No caso da judoca da Cidade de Deus, a vitória teve ainda mais sabor para as mulheres por ocorrer em uma modalidade de luta, espaço tradicionalmente associado ao universo masculino. Rafaela provou que meninas também brigam, um recado importante na busca por igualdade de oportunidades.
_ Existe um debate hoje sobre o apartamento das mulheres do esporte, sobre tudo aquilo que se diz que não é de menina. As artes marciais são uma dessas áreas demarcadas como exclusividade masculina. Para as meninas, brigar é considerado feio. Dizem que elas vão virar brutamontes, quando teriam de ser delicadas. No momento em que as mulheres se veem representadas nesses espaços por alguém como Rafaela, esse debate é estimulado _ interpreta Maria Fernanda Salaberry, do Coletivo de Mulheres da UFRGS e da Marcha das Vadias.
A medalha de Rafaela é parte de uma história gradual de conquista por espaço. A primeira edição dos Jogos, em 1896, sequer permitia a participação feminina. Na competição seguinte, elas foram apenas 22, contra 975 homens. Mas o Brasil só mandou sua primeira atleta aos Jogos em sua quarta participação. Foi em 1932, com a nadadora Maria Lenk, que hoje dá nome ao parque aquático onde ocorrem as provas da natação. Apesar dessa estreia, não havia muito o que comemorar. Durante décadas, a participação das mulheres na delegação nacional foi ínfima, uma demonstração de que o esporte não era o lugar destinado a elas. A medalha inaugural, um ouro, só foi aparecer em 1996, com o vôlei de praia. Mas a partir dos anos 2000, as brasileiras começaram a ter peso numérico na delegação. No Rio, a diferença entre os sexos não é tão grande: 256 homens e 209 mulheres.
Apesar do equilíbrio em quantidade, a desigualdade persiste se forem levados em conta outros fatores. Os recursos para o esporte feminino continuam escassos. Atletas como as jogadores de futebol Marta, cinco vezes melhor do mundo e mais gols marcados pela seleção do que Pelé, e Formiga, que disputa sua sexta Olimpíada, recebem apenas uma fração do apoio e da remuneração destinados aos homens que vestem a camisa canarinho.Campeãs como Rafaela podem ajudar a reescrever a história. Maria Fernanda Salaberry lembra que até algum tempo atrás, quando se falava nas atletas olímpicas brasileiras, havia uma insistência em dizer que, apesar do esporte, elas mantinham a feminilidade. Faziam as unhas, usavam batom, cuidavam do cabelo. Hoje, esse discurso não é tão presente.
_ A mulher está se sentindo confortável com a ideia de que não precisa usar essas marcas de feminilidade para se legitimar dentro do esporte.
Rio 2016
5,1 mil mulheres disputam os Jogos
53 das 207 delegações têm maioria feminina
Participação feminina na história olímpica (%)
1896 - 0%
1900 -2,2%
1904 - 0,9%
1908 - 1,8%
1912 - 2,0%
1920 - 2,4%
1924 - 4,4%
1928 - 9,6%
1932 - 9%
1936 - 8,3%
1948 - 9,5%
1952 - 10,5%
1956 - 13,3%
1960 - 11,4%
1964 - 13,2%
1968 - 14,2%
1972 - 14,6%
1976 - 20,7%
1980 - 21,5%
1984 - 23%
1988 - 26,1%
1992 - 28,8%
1996 - 34%
2000 - 38,2%
2004 - 40,7%
2008 - 42,4%
2012 - 44,2%
2016 - 45%