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Retratos da Fama

Meio século! E sem espaço para tristeza

Neste mês, Luiz Carlos Borges abre a gaita para celebrar 50 anos de uma bem-sucedida carreira, que começou ainda criança, quando tocava em um conjunto de baile ao lado dos irmãos

28/10/2012 - 14h01min

Atualizada em: 28/10/2012 - 14h01min


Cristiane Bazilio
Cristiane Bazilio
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Para celebrar a data, um grande show, intitulado 50 Anos de Música, passou por Passo Fundo, em setembro, lotou o Theatro São Pedro, em Porto Alegre, na sexta-feira, e deve encerrar as comemorações em São Borja, ainda sem data definida. O resultado destas apresentações será visto no primeiro e único DVD da carreira do cantor, compositor e acordeonista, previsto para 2013. Aos 59 anos, pai de cinco filhos - o mais novo, Gregório, de nove meses! -, Borges coleciona prêmios (três vezes vencedor da Califórnia da Canção Nativa), amigos, parceiros e, acima de tudo, histórias de uma vida que ele define como "feliz, sem espaço para a tristeza". Retratos da Fama presta uma homenagem ao gaiteiro e relembra os momentos mais marcantes desta trajetória.

O começo: um pacto com o pai

Luiz Carlos do Nascimento Borges nasceu na Vila Seca, 4º distrito de Santo Ângelo, nas Missões, em 25 de março de 1953. É o mais novo dos sete filhos de Vergilino, homem rude e campeiro, trovador e tocador de gaita de botão, e de Cristina, que filhos e netos chamavam carinhosamente de Polaquinha. Foi aos cinco anos de idade que o pai percebeu a sua aptidão para a música.

- Acho que ele soube, desde sempre, que eu seria músico. Eu nem tinha entrado na escola, e ele me deu uma gaitinha. Durante duas semanas, teve muita paciência, me mostrando uma vanera bem simples, que hoje eu chamo de "vanera do meu pai". Quando estava certo de que eu havia aprendido, me mandou pegar a sanfona e tocar repetidamente, até que me disse (o músico para e mostra o braço, arrepiado com as lembranças do pai): "Hoje, tu és o músico, eu nunca mais vou tocar". E nem com a maior insistência do mundo, ele voltou a tocar. Assim começou a minha vida musical, com um pacto muito sério com o meu pai.

Sangue musical

A música sempre esteve no sangue da família Borges, que, além de Luiz, era formada por Izolete, Irenita, Maria, Ernando, Albino e Antônio.

- Meus irmãos eram todos músicos, até as irmãs, que não chegaram a subir no palco, tinham musicalidade, cantavam afinadas em casa, decoravam letras com facilidade. Uma delas, a Maria (já falecida, mãe do músico Érlon Péricles), trovava que nem o pai - conta Borges.

Mas o caçula era, de longe, o mais mimado não só pela família, mas por amigos, parentes e vizinhos:

- Eu era visto como menino prodígio da família. E pela insistência de um vizinho, o meu pai me mandou para o conservatório Musical Missões, da professora Lúcia Bremm, que me preparou. Mas o meu pai sempre me dizia: "Tu não vai nunca deixar isto subir para a tua cabeça, guri. Não vai perder a humildade, não vai te tornar esnobe, exibido. Porque, se isto acontecer, eu desmancho tudo isto".

Aos nove anos, o músico começou a tocar ao lado dos manos, no conjunto Irmãos Borges. A partir de então, deu início a uma caminhada, segundo ele, "com passagem só de ida".

A primeira fuga em nome do sonho

Aos 12 anos, com a paixão pela música em plena ebulição, Borges enfrentou as primeiras - e, talvez, mais marcantes - desavenças com o pai, que temia pelo seu futuro. Ainda menino, fugiu de casa pelo Rio Uruguai rumo à Argentina para participar do Festival de Folclore Correntino.

- Um ano antes, fui pela primeira vez com os meus manos e ficamos quatro dias lá, onde conheci grandes nomes da música regional argentina, como Damasio Esquivero, Raulito Barbosa, Ernesto Montero e Tránsito Cocomarola, que eram o suprassumo da grandiosidade do chamamé. No ano seguinte, eu quis voltar ao festival, mas o meu pai não deixou, porque os meus irmãos não poderiam ir. Eu insisti, disse que iria de qualquer jeito, e ele me falou: "Te passo o laço, guri!".

Mas a negativa do pai não foi empecilho para nada:

- Na noite seguinte, saí de casa tarde, roubei o acordeom, peguei uma muda de roupa, o pala e fui para a faixa de São Luiz Gonzaga. Peguei carona com um caminhoneiro até São Borja, esperei amanhecer, peguei uma balsa e passei para o outro lado. Fiquei 22 dias fugido, até que um dos meus irmãos me achou. O pai ficou muito triste comigo, emburrado.

Herança de valores que resistiram ao tempo...

Aos 13 anos, o guri enfrentou novamente a contrariedade do pai e fugiu, mais uma vez, com destino ao Festival de Folclore Correntino. Depois, retornou a tempo para um show que os Irmãos Borges fariam. Honrando o compromisso, Borges reconquistou o pai.

- Quando cheguei, ele botou a mão no meu ombro e disse: "Agora, senti que tu 'é' um homem. Pode sair e voltar a hora que quiser". Ele era muito duro, exigente, com pouca cultura, mas tinha conduta e valores. Queria um filho músico que levasse a sério e que tivesse um comportamento de homem como o dele. Achava que, se eu botasse o pé na estrada sozinho, viraria borracho (alcoólatra) - afirma o gaiteiro.

Com 13 anos, a fama do seu acordeom e da sua voz já ultrapassa as divisas missioneiras, animando bailes pelo Alto Uruguai, pela Serra, pelo Planalto Médio, pela Campanha e pela fronteira.

Parcerias certeiras

Nestes 50 anos em que gravou 32 discos, não faltaram parceiros de composições, e, como Borges gosta de enfatizar, "de aprendizado".

- Tive grandes parceiros. Sem medo de errar, eu destaco Aparício Silva Rillo, Mauro Ferreira, Elton Saldanha, Vinícius Brum, Antônio Augusto Ferreira e Sérgio Jacaré. Foram noites a fio de aprendizado e de descobertas da musicalidade artística, literária, musical - destaca o artista, que completa:

- É muito difícil viver de música, especialmente num país onde você tem que fazer muita porcaria para dar certo. E eu não faço porcaria. O que eu faço pode não agradar todo mundo, mas não faço parceria com quem não sabe dizer o que tem que ser dito.

Amizade com La Negra

Ao falar em parcerias, no entanto, o gaiteiro faz questão de dedicar atenção e carinho especiais a alguém que ele aponta como uma grande e querida amiga: a cantora argentina Mercedes Sosa (falecida em 2009). Foi em 1983, na segunda edição do Musicanto Sul-americano de Nativismo, festival de Santa Rosa, do qual Borges foi um dos idealizadores e coordenadores, que ele se aproximou do mito argentino.

- Fui a Buenos Aires contratá-la, recebi Mercedes e acompanhei-a no festival sem que ela soubesse que eu era músico. Foi o Raulito (Barbosa) que, numa ligação, disse para ela: "Quando você precisar de um gaiteiro, e eu não estiver por perto, vou indicar um talentoso do Rio Grande - recorda Borges.

A relação rendeu "bem mais do que 50 intervenções" nos shows de Mercedes, além de uma turnê e uma participação no disco Mercedes Sosa - ao Vivo. La Negra, como era conhecida, gravou uma música de autoria do amigo, Missioneira:

- Muito do meu crescimento, devo a ela. Não só pela estrela que foi, mas pela grandeza humana que ela representa.

Gonzagão para todos!

No baú de memórias aberto, há mais de cinco décadas, outro episódio tem lugar de destaque na vida do sanfoneiro: o contato com Luiz Gonzaga (morto em 1989), o Rei do Baião, na década de 80, quando passou uma semana na companhia do nordestino, durante uma pequena turnê pelo Interior do Rio Grande do Sul:

- Tive a sorte de conversar muito com Gonzagão, de conduzi-lo no meu carro, ao meu lado, tomando um cafezinho e um conhaque, que ele adorava. Conheci o lado pessoal, que o disco não mostra, como a sua generosidade e simplicidade. Como quando paramos em uma churrascaria, e ele pediu dois copos grandes de conhaque e disse: "Veja Luiz (Borges imita a voz e o sotaque de Gonzagão), o da mão esquerda, a gente vai passar para os seus amigos da sua terrinha. O da direita, é metade minha, metade sua". Que lição ele me deu! Uma maneira de nunca mais esquecer dele. O povo ficou se perguntando: "Quem é esse negão a coisa mais querida e mais simpática (risos)?". Luiz Gonzaga esteve em Santo Antônio das Missões e ofereceu conhaque pra todo mundo!

Renovação constante

Comemorar 50 anos de carreira não é para qualquer um. Mas manter-se em constante renovação é tarefa igualmente difícil ou até mais, para a qual Borges revela a sua receita.

- Estar perto da gurizada! Eu toco com músicos na faixa de 35 pra baixo. Sou fã do Luciano Maia e do Samuca do Acordeon. Vou vê-los tocar nos bares onde fazem rodas de choro. Yamandu Costa, eu vi crescer, fui muito amigo do pai dele. E tenho uma relação de pai e filha com a Shana Müller, acompanhei o crescimento dela. Me renovo assim, convivendo com esta turma, seguindo as raízes, mas estando aberto ao que acontece à minha volta. Procuro me atualizar e estar muito inspirado na juventude. E imagina ter um filho com quase 60 anos de idade e uma mulher de 20! É a grande renovação! - define, aos risos.

Grande família

Borges é pai de cinco filhos: Luiz Adriano, 38 anos, fruto de um relacionamento da juventude, Naiane, 34, Sibelle, 32, e Luizinho, 27, do primeiro casamento, com Lenira, já falecida, e o pequeno Gregório, nove meses, do casamento atual, com a estudante Andressa Soares, 20 anos.

- Fui tocar no aniversário de 15 anos dela e nos apaixonamos. Meses depois, estávamos casados. E no dia do aniversário da Andressa, este ano, Gregório chegou. Ele está me tornando um açúcar! O pouquinho de dureza que sobrava daquele velho querido que era meu pai, ele tá destruindo (risos)! A minha relação com os meus filhos é maravilhosa, muito carinhosa, de amigo deles. Ganhei os meus filhos pela parceria - orgulha-se o paizão.

No vídeo abaixo, Borges conta como Gregório mudou a sua vida e dá uma canja para o piá e a esposa:


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