Beijos polêmicos
"Selinhos" escancaram encruzilhada na luta por maior tolerância à diversidade sexual no esporte
Gestos de duas russas no atletismo e do corintiano Emerson Sheik provocaram reações extremadas
O que era para ser um símbolo de carinho transformou-se no catalisador da polêmica. O beijo, gesto de afeto, virou ato político no mundo esportivo dos últimos dias. O toque de lábios entre duas atletas russas, em Moscou, e do atacante Emerson Sheik com seu amigo, em São Paulo, virou bandeira da aceitação dos homossexuais no esporte e escancarou uma dura realidade: falta muito para a diversidade sexual ser tratada com naturalidade nas pistas, quadras e campos.
Em comum entre os envolvidos nos episódios, um certo constrangimento. Kseniya Ryzhova, que tascou um selinho em Yulia Guhshina no pódio do revezamento 4x400m do Mundial de Atletismo após declarações homofóbicas da compatriota Yelena Isinbayeva, disse que o beijo não foi uma resposta à multicampeã do salto com vara. Era uma simples comemoração, algo comum na Rússia, onde o beijo na boca é usual não só entre amantes. Dias depois, ao publicar nas redes sociais uma foto beijando o amigo Isaac Azar e escrever que não se preocupava com os "preconceituosos", o atacante Emerson Sheik, do Corinthians, fez questão de afirmar sua heterossexualidade ao convidar seus seguidores no Instagram a checarem todo o perfil antes de fazer qualquer "piadinha boba".
A despeito da interpretação torta lá e um certo pé atrás aqui, fez-se um estardalhaço na repercussão dos gestos. Houve quem comemorasse o que seriam dois passos rumo à aceitação da homossexualidade no esporte - mesmo que os envolvidos não sejam homossexuais assumidos.
- Esse tipo de manifestação de um atleta de sucesso é muito importante. As pessoas públicas geralmente se escondem e não falam desse tema. É uma mostra, de uma pessoa que é um exemplo, de que o importante é o gesto afetivo, independentemente de ser homo ou heterossexual - ressalta a psicóloga e sexóloga Lúcia Pesca.
Mas a indignação homofóbica também teve seu espaço. Sheik, por exemplo, foi alvo de protesto de uma torcida organizada do Corinthians. As reações nos dois extremos escancaram o momento de encruzilhada da luta por maior tolerância à diversidade no esporte.
- O esporte segue sendo um dos ambientes mais homofóbicos, mas hoje há um constrangimento público à prática da homofobia. Esse tipo de polêmica apresenta a questão e ajuda a colocar o preconceito como um problema. A partir daí, podemos caminhar para uma maior tolerância, mas também para o reforço da homofobia - avisa Gustavo Bandeira, mestre em Educação pela UFRGS cuja dissertação estudou as manifestações de masculinidade em torcidas de futebol.
No perfil de zhEsportes no Facebook, mais uma mostra de que a discriminação segue viva. Diante da publicação da notícia do selinho de Sheik, as manifestações de apoio ao gesto foram raras na seção de comentários. De resto, um desfile de preconceito. Os homofóbicos se dividiram entre xingamentos impublicáveis e argumentos contra o que consideram uma onda de "propaganda gay". Ódio que pode remeter não só aos beijos dos últimos dias, mas a uma série de episódios anteriores que geraram esperança em quem defende um mundo esportivo mais tolerante.
- Com certeza é mais fácil ser homossexual hoje do que em outros tempos. E isso vale também para o esporte. Tivemos, recentemente, atletas que assumiram sua homossexualidade, movimentos de torcedores que pregam o fim da homofobia. Os eventos mostram que os atletas começam a entender que podem levantar bandeiras, que podem ser atores políticos - destaca Bandeira.