Perguntas e respostas
Entenda mais sobre o conflito na Síria
Em entrevista, vice-chanceler sírio criticou governos de EUA e França e referiu-se à Rússia como "amigo preocupado"
Dois anos e meio de conflito, mais de 110 mil mortes e uma intervenção cada vez mais iminente dos Estados Unidos após um ataque químico em Damasco. O que acontece na Síria é extremamente importante, mas pode ser muito confuso e difícil de acompanhar. Por isso, separamos algumas dúvidas comuns sobre o enfrentamento entre o regime de Bashar al-Assad contra os rebeldes e contextualizamos o conflito para que qualquer um possa entender.
1) O que é a Síria?
A Síria é um país no Oriente Médio. Com cerca de 185 mil km² de área, tem 3/4 do tamanho do Estado de São Paulo, mas pouco mais da metade da população - 22 milhões. O país faz fronteira com o Líbano e o Mar Mediterrâneo a oeste, Israel no sudoeste, Jordânia no sul, Iraque a leste, e Turquia no norte. É um país muito diversificado, tanto étnica quanto religiosamente, mas a maioria dos sírios são da etnia árabe e seguem o ramo sunita do Islã, assim como na Arábia Saudita e no Egito (o país também tem em suas minorias muçulmanos xiitas e alauítas, além de cristãos).
Em sua história, estão os fenícios, civilização mercantil que promoveu grandes navegações ao redor da África e que também inventou o conceito do alfabeto. Integrou o Império Otomano de 1516 a 1918 - depois do final da I Guerra Mundial, foi dividida em duas partes: uma sob comando da França, que compreendia Síria e o atual Líbano, e outra, sob comando britânico, composta por Palestina, Transjordânia (que atualmente compreende Israel e Jordânia) e Iraque. O país conseguiu a independência em 1964. Depois de numerosos golpes militares e um conflito com Israel em 1948, em 1964 proclamou-se a República Popular da Síria, sob o comando do Partido Baath, socialista e nacionalista. De 1971 até 2000, o país foi liderado pelo alauíta Hafez al-Assad. Depois de sua morte, a presidência foi transmitida a seu filho, Bashar.
2) Como o conflito começou?
A Primavera Árabe de 2011 no Egito e na Tunísia inspirou os sírios a tomarem as ruas, em março de 2011, em protestos contra o regime de Bashar al-Assad. Os sírios expuseram seu descontentamento com o processo político estagnado e pediam uma reforma democrática. Os protestos não foram bem aceitos pelo governo, que respondeu com medidas extremas. Manifestantes foram sequestrados, torturados e mortos. As tropas do governo começaram a abrir fogo contra civis, que disparavam de volta.
Nisso, forças rebeldes formadas por civis surgiram, e começaram a se armar para combater a violência do governo, o que levou a embates que destruíram cidades inteiras. A tensão crescente entre os dois grupos criou o atual estado de guerra civil e, até o final de agosto, em cerca de dois anos e meio de conflito, 110 mil pessoas morreram, 2 milhões buscaram refúgio fora da Síria e 4 milhões estão deslocadas.
3) Para onde vão esses refugiados?
4) Como o conflito evoluiu até chegar em 110 mil mortes?
Veja aqui uma linha do tempo com material publicado por ZH:
5) Quem são os rebeldes sírios?
O governo, apoiado por milícias e pelo Hezbollah, milícia libanesa, luta contra a oposição, reunida na Coalizão Nacional Síria - a cara política dos rebeldes.
No governo:
Bashar al- Assad
No poder desde 2000, dá continuidade à ditadura que começou com seu pai, Hafez al- Assad, em 1971. Exército conta com 295 mil homens e 314 mil reservistas.
Milícias (Shabija)
Conta com cerca de 10 mil milicianos.
Hezbollah
O grupo xiita libanês, apoiado pelo Irã, tem milhares de combatentes lutando em território sírio.
Oposição
Coalizão Nacional Síria: Cara política dos rebeldes. É reconhecida como interlocutora por países como EUA, Turquia e Grã- Bretanha.
Exército Sírio Livre: Coligação de 34 brigadas, formada em 2011 por oficiais do exército que desertaram. A ideia é de uma Síria democrática e laica. Teria 50 mil integrantes.
Grupos armados
Os rebeldes se dividiram em múltiplas organizações, muitas adversárias. Estima- se que tenham mais de 100 mil combatentes. Veja as principais:
Frente Síria Islâmica de Libertação ( FSIL)
Maior coalizão de islâmicos moderados, formada em meados de 2012. Estão sob seu guarda- chuva 20 brigadas. Teria 37 mil integrantes.
Movimento Islâmico Ahrar Al- Sham
Facções islâmicas variadas. Têm forte atuação humanitária.
Frente al- Nusra
Braço da Al- Qaeda. Vista como força de combate mais eficaz entre os rebeldes sírios e pode representar um quarto dos combatentes de oposição. Definida como grupo terrorista pelos EUA.
Fatah al- Islam
Grupo fundamentalista sunita ligado à Al- Qaeda com base no Líbano.
6) E por que só agora se pensa em agir contra a Síria?
Há propostas de paz para o conflito sírio desde novembro de 2011. Em fevereiro de 2012, o enviado especial da ONU Kofi Annan propôs um plano de paz para a Síria, considerado a tentativa internacional mais séria até a data de resolver o conflito sírio no Oriente Médio. Em março de 2012, Kofi Annan foi até Moscou para assegurar apoio da Rússia, maior aliada do regime de Damasco, aos esforços para promover um cessar-fogo e tentar chegar a uma solução política. Uma missão da ONU se estabeleceu em Damasco, mas, em junho, foi suspensa por conta da "violência escalante". O fracasso do cessar-fogo provocou a renúncia de Kofi Annan ao cargo e a entrada do diplomata argelino Lakhdar Brahimi em seu lugar.
No entanto, em 21 de agosto de 2013,um suposto ataque químico com agentes neurotóxicos deixou cerca de 1,3 mil mortos, segundo rebeldes sírios (1.429, segundo relatório do governo americano e 281, segundo a inteligência francesa) chocou a comunidade internacional, uma vez que o uso de armas químicas é proibido, inclusive em situação de guerra. A Síria não é signatária da Convenção de Armas Químicas de 1993, que proíbe a produção e armazenamento de armas químicas. No entanto, o país é membro do Protocolo de Genebra de 1925, que proíbe o uso de armas químicas na guerra. Segundo Ralf Trapp, especialista nesse tipo de armamento, há também um consenso de que o uso de químicos é proibido sobre a lei internacional, uma vez que está no rol de crimes do Tribunal Penal Internacional.
7) Há países que apoiam a Síria?
A Rússia e o Irã são aliados importantes de Bashar al-Assad. Moscou impede que o Conselho de Segurança da ONU passe resoluções sobre a Síria. É por isso que os Estados Unidos teriam que passar por cima da ONU caso queira intervir. A Rússia manda muitas armas para a Síria, o que dificulta uma operação de outros países. O país comandado por Vladimir Putin também tem grandes interesses na Síria: além de não defender intervenções internacionais em outros países - algo encarado como imperialismo ocidental no estilo Guerra Fria -, a Rússia tem uma base naval na Síria, que não só é importante estrategicamente quanto é a última do país fora da antiga União Soviética. A Síria também compra muitos artigos militares da Rússia, que precisa desse dinheiro.
O apoio do Irã à Síria é mais direto. O país percebe Israel e Estados Unidos como uma ameaça existencial e usa a Síria como proteção, enviando por meio de Damasco armamentos aos grupos militantes Hezbollah, no Líbano, e Hamas, na Faixa de Gaza. O Irã já está de certa forma isolado no cenário nacional por conta de seu programa nuclear. Caso Al-Assad chegue a cair, o país perde um grande aliado.
8) E por que ninguém interviu ainda?
Porque é muito difícil. As opções militares não ajudam: enviar armas aos rebeldes, mesmo que ajude a derrubar Al-Assad, acabaria dando poder aos islâmicos fundamentalistas e pioraria a briga entre os rebeldes, o que levaria a caos generalizado e, possivelmente, uma segunda guerra civil. Derrubar Al-Assad provavelmente faria a mesma coisa, abrindo um vácuo de poder. Uma intervenção como a promovida pelos Estados Unidos no Iraque aceleraria as mortes, custaria a vida de muitos soldados estrangeiros e exacerbaria o antiamericanismo no mundo árabe.
O governo Obama, junto à França, planeja uma "intervenção cirúrgica", com bombardeios em áreas militarmente estratégicas na Síria. Enquanto isso, o regime de Al-Assad pede à Síria a negociação de uma solução política para o conflito. Contraditoriamente, não há indicação de que nenhum dos lados - governo e rebeldes - estejam interessados em dialogar.