Política



Mudança de postura

Discreto e acanhado, Itamaraty dá novo tom à política externa do Brasil

Postura ganhou nitidez, em especial, após chanceler Luiz Alberto Figueiredo assumir, em 2013

19/04/2014 - 16h01min

Atualizada em: 19/04/2014 - 16h01min


Novo perfil do Imtaraty teve maior evidência a partir do acirramento das tensões na Ucrânia e Venezuela

O Brasil perdeu a ambição no cenário mundial. Diante da passividade da diplomacia, o país deixou de ter o protagonismo do governo Lula, e sua liderança no hemisfério começa a ser questionada ao relativizar a repressão na Venezuela.

Não há mudança radical nos rumos da política externa, mas, por conta da postura centralizadora da presidente Dilma Rousseff, a discrição tem pautado o Itamaraty, em especial após a troca do chanceler Antonio Patriota por Luiz Alberto Figueiredo, em 2013. Essa postura ganhou nitidez a partir do acirramento das tensões na Ucrânia e Venezuela.

Com Patriota, a ordem era expressar a política nacional em um cenário de crise na Europa e pós-Primavera Árabe. A gestão, contudo, foi marcada pelo esvaziamento da posição brasileira em fóruns internacionais e por sobressaltos regionais, como a crise no Mercosul (com a suspensão do Paraguai e o ingresso da Venezuela) e a fuga de um asilado político da embaixada na Bolívia, o senador Roger Pinto Molina, escoltado clandestinamente para dentro do Brasil.

O único avanço foi o discurso menos contundente a favor do Irã, mas o crédito é da presidente. Patriota e Dilma não falavam a mesma língua. Em vários momentos, ela se irritou com manifestações do ex-chanceler.

Tentando se adaptar ao estilo da chefe, Figueiredo se retraiu. Nos corredores do Itamaraty, a mudança no comando foi comemorada. Patriota estava desgastado, e o atual ministro se mostra mais afável aos problemas internos.

- Figueiredo é mais aberto ao diálogo e às discussões sobre questões internas, até recebe parlamentares - diz um diplomata.

Dilma conheceu e aprovou o estilo de Figueiredo na Convenção do Clima de Copenhague, em 2009, à época em que ela era ministra da Casa Civil e chefiou a delegação. O problema é que o prestígio junto à presidente não se estende ao restante do Itamaraty. A política externa segue em segundo plano para o Planalto, o foco é a economia interna.

O papel subalterno de Figueiredo foi realçado durante a polêmica escala de Dilma em Lisboa, quando vieram à tona gastos com hospedagem da comitiva após viagem a Davos (Suíça). Coube ao chanceler explicar as despesas de pernoite. Para a professora do programa de pós-graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS, Analúcia Danilevicz Pereira, os principais eixos da política externa estão mantidos, e o que existe é uma mudança de personalidade:

- Sem adjetivar, este governo não se coloca de forma tão enfática nos temas que vão surgindo. O discurso se mantém, mas é apresentado de outra forma.

Assessor mantém atuação paralela

No atual cenário, cresceu o espaço de Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência em assuntos sobre América Latina e governos mais à esquerda. Com Lula, o embaixador Samuel Pinheiro, então o número 2 do Itamaraty, também exercia o papel de ideólogo em defesa dos países bolivarianos.

Agora, as opiniões de Garcia ganham força, e sua equipe aumentou. Ele desembarcou na Venezuela antes mesmo de Figueiredo e dos chanceleres da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), para mediar negociações frente à onda de violência.

Sua função foi tentar construir canais com setores da sociedade, como Igreja e empresários. O êxito da iniciativa para a estabilidade venezuelana ainda é duvidoso, apesar de a Unasul ter convencido o presidente Nicolás Maduro a aceitar conversar com parte da oposição.

Em recente visita ao Brasil, a deputada cassada María Corina Machado, opositora ao chavismo, criticou a Unasul, que estaria alinhada com Maduro. Figueiredo se mostra satisfeito com os desdobramentos e considera que há "avanços importantes e boa vontade do governo", embora uma anistia aos presos políticos tenha sido descartada.

Professor de Relações Internacionais da UnB, Alcides Costa Vaz entende a opção do Brasil pela Unasul como fórum, mesmo ressaltando o fato de a Venezuela ter um regime com traços autoritários.  

- O Brasil fica exposto às críticas, é visto como aliado (do chavismo), mas é um preço a pagar por não legitimar tentativas de derrubadas de governos.

Para Vaz, o problema é que a política externa nacional entrou em um compasso "inercial e de desgaste", ao contrário do governo Lula. Ainda, segundo o professor, com a tensão crescente entre as grandes potências, o espaço é residual para ação de terceiros. O Brasil chama mais a atenção por conta da passividade diante de impasses na região.

- Tivemos quatro anos sem nenhuma iniciativa nova na área. Os momentos de maior visibilidade foram de sobressaltos, não de protagonismo - atesta Vaz.

Nos fóruns internacionais

A maior vitória no governo Dilma foi a eleição de Roberto Azevêdo, que assumiu a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). A eleição do diplomata - que tem como desafio desbloquear as negociações da Rodada de Doha para liberalizar o comércio mundial - é reflexo da política externa de Lula, mais agressiva e focada em mudanças em organismos internacionais.

A cadeira permanente ao Brasil no Conselho de Segurança da ONU continua um sonho, mas foi no governo Lula que o país se fortaleceu no G-20 e nos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Também foi na gestão Lula que a Unasul foi criada com objetivos mais políticos e estratégicos no vácuo do Mercosul.

Entrevista - Marco Aurélio Garcia, assessor de Dilma

"Meu papel é subalterno"

Assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais e ativo nas negociações com governos de esquerda na América Latina, Marco Aurélio Garcia discorda das afirmações de que é um ministro genérico. Confira trechos de entrevista a ZH.

Zero Hora - Até que ponto a ofensiva do senhor e da Unasul contribuíram para diminuir as tensões na Venezuela?

Marco Aurélio Garcia - O diálogo já estava em curso com parte da oposição. Há um setor radicalizado que não quer diálogo. Quando Figueiredo esteve à testa da delegação brasileira, houve diálogo mais intenso com setores da oposição. A impressão é de que houve declínio das manifestações e que isso abriu espaço para soluções consensuais.

ZH - Que tipo de avanços?

Marco Aurélio - A criação de uma comissão que garanta a investigação das denúncias de violações dos direitos humanos. Também tivemos oportunidade de ouvir os empresários e autoridades econômicas do governo, de ouvir não só as queixas, mas também a disposição de contribuir para uma situação de normalização do país. O problema é que, enquanto persistir o clima de comoção nas ruas, qualquer adoção de medidas econômicas se torna difícil.

ZH - Como o senhor vê as críticas de que o Brasil está sendo omisso?

Marco Aurélio - Temos tido uma posição clássica. O Brasil faz parte de um conjunto de articulações da América Latina, como Mercosul e Unasul. Temos uma posição muito ativa, e os venezuelanos por bem ou mal têm reconhecido essa posição. E por uma razão muito simples: o que ocorrer na Venezuela terá interferência sobre o Brasil e a América do Sul. A preocupação central que temos é a da estabilidade política na região.

ZH - Como o senhor recebe as insinuações de que atua como uma espécie de chanceler genérico?

Marco Aurélio - Isso é fruto de duas coisas. Indisposição política, que não tem como discutir. Quem não gosta do governo se agarra a qualquer pretexto. A outra coisa é a ignorância. Quem define a política externa do país é o presidente da República e quem aplica é o Ministério das Relações Exteriores. Quando fui à Venezuela, fui por sugestão do ministro Figueiredo. Em três mandatos, nunca tive atrito com o ministério, muito pelo contrário. O meu papel é um papel subalterno, de assessoramento da Presidência e cooperação leal com o Itamaraty.

Entrevista - Rubens Barbosa, diplomata

"Não há nenhum protagonismo"

Ex-embaixador em Washington, o diplomata Rubens Barbosa considera que as diretrizes da política externa continuam as mesmas, mas sem o apetite da Era Lula. Confira trechos de entrevista a ZH.

Zero Hora - A troca de chanceleres trouxe mudanças na política externa?

Rubens Barbosa - Os principais aspectos não mudaram com a troca de ministros. A interferência externa no Itamaraty continua. As principais linhas têm enorme influência da Presidência da República.

ZH - Como o senhor vê a posição do Brasil na crise da Venezuela?

Barbosa - O Brasil até agora tem se escudado no Mercosul e na Unasul. As notas foram muito pró-Venezuela. O Brasil poderá dar o tom nas reuniões da Unasul, mas o bloco tem posição favorável ao governo
venezuelano. O país deveria adotar uma posição mais proativa, na tentativa de reduzir os arranhões aos direitos humanos que acontecem na Venezuela.

ZH - Essa mesma posição mais discreta do Itamaraty foi notada na crise entre Ucrânia e Rússia, não?

Barbosa - Lá, a situação é mais complicada. O Brasil é membro dos Brics e tem aproximação grande com a
Rússia do ponto de vista político. Mas o país tinha de ter uma posição igual à da China e da Índia. Assim como o Brasil, os dois países se abstiveram na votação do Conselho de Segurança, mas fizeram declarações favoráveis ao diálogo. Ninguém vai pensar que o Brasil vai votar contra a Rússia, mas podia ter se pronunciado na linha do diálogo. Os EUA estão fazendo isso agora. O Brasil poderia ter feito antes.

ZH - Em relação ao governo Lula, houve alguma mudança?

Barbosa - No começo do governo Dilma, achei que havia uma diferenciação mais forte. Depois de quatro anos, vejo que as mudanças foram poucas. O Brasil se retraiu. As grandes mudanças que vejo foram a postura com o Irã e a falta de apetite para ter uma participação no cenário internacional. Hoje, não há nenhum protagonismo do Brasil, diferente do governo Lula.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias