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11 órfãos, 12 anos depois

Após morte da mãe, filho foi morto e três presos

Cristiano, hoje com 38 anos, recebeu a notícia da morte de Eliana na cadeia

25/07/2014 - 04h03min

Atualizada em: 25/07/2014 - 04h03min


Fernanda da Costa
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Montagem com fotos de Diogo Zanatta e Tadeu Vilani / Agência RBS

A bala perdida que matou a faxineira Eliana do Prado dos Santos também atingiu o futuro de seus 11 filhos. Hoje, 11 anos depois do crime, um dos órfãos foi assassinado, três foram presos, duas estão desempregadas e o caçula abandonou os estudos. Dos que trabalham, apenas uma completou o Ensino Médio.

A família, acompanhada durante um ano por Zero Hora, é um retrato das falhas na rede de proteção às crianças e aos adolescentes. Para os filhos de Eliana, os anos de descaso do Estado resultaram em histórias de abandono, crime e tristeza.

TRÊS ÓRFÃOS FORAM PRESOS

Menino que queria ser advogado está preso por homicídio

Dono de olhos puxados e expressão séria, um dos filhos de Eliana disse à Zero Hora em 2003 que queria ser advogado, para ajudar os outros. Dez anos depois, quando indagado se ainda queria seguir o ofício, abriu um sorriso sem graça e limitou-se a dizer que não, como se a opção fosse impossível.

Hoje com 19 anos, o jovem está internado no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Passo Fundo por ter cometido um homicídio quando tinha 17 anos, e por isso terá o nome preservado. Ele contou que estava sob efeito do crack, droga que começou a consumir aos 16 anos, e não lembra do crime.

Conforme uma ocorrência policial, o jovem matou uma mulher de 59 anos em dezembro de 2012. Ela foi ferida na cabeça com um objeto não identificado. A família relatou à polícia que ela era viciada em crack e que vivia como andarilha. Segundo o jovem, o motivo do crime foi uma dívida por drogas.

A primeira vez que a reportagem encontrou o filho de Eliana, em novembro de 2012, ele morava na casa do irmão Cristiano. Tinha abandonado os estudos, trabalhava com alguns bicos em serviços gerais, e estampava uma marca roxa no olho esquerdo:

- Me meti em confusão - disse à época.

Cristiano contou que a "confusão" do garoto, que estava com 17 anos, era por causa de drogas. Mergulhado no vício, começou a trocar a casa pela rua e ficava dias sem aparecer no local. Quando voltava, acabava furtando alguma coisa do irmão para comprar crack.

Hoje no Case, cultiva o silêncio e a solidão. Não faz amizades, não costuma sair do quarto para fazer as refeições e não participa das atividades de recreação. Foi agredido diversas vezes por outros internos, mas nunca revidou. Apenas comenta que acertará as contas quando deixar o local. Há servidores que relatam nunca ter visto ele sorrir.
Sobre a infância, o garoto comenta que morou em diversos lugares, mas se perde na tentativa de reconstituir cronologicamente as residências.


Órfão está no Centro de Atendimento Socioeducativo de Passo Fundo
Foto: Diogo Zanatta, Especial

- Fui criado que nem pinto sem ninho - disse a uma funcionária.

Ele estava no ventre da mãe quando o pai morreu, e a perdeu quando tinha sete anos. Os irmãos contaram que ele cresceu revoltado e não se adaptou em lugar nenhum. Depois da morte de Eliana, o filho da faxineira morou em 14 lugares diferentes, incluindo duas casas de acolhimento e o Case. Passava pouco tempo em cada residência e costumava fugir com frequência. Foi à escola pela última vez em 2008 e tem apenas a 4ª série completa.

Quando pensa no futuro e na liberdade, o jovem afirma que não quer mais estudar e pretende voltar a morar na vila Recreio, onde espera trabalhar como servente de pedreiro:

- O Paulinho (irmão) vai fazer uma casa pra mim morar.

Quem sabe esse seja o primeiro lugar que o menino que sonhava em ser advogado possa chamar de lar.

Cristiano soube da morte da mãe no presídio

É em uma casa cor de rosa recém-reformada que Cristiano do Prado dos Santos, 38 anos, recomeça a vida. Depois de passar cerca de 10 anos detido nos regimes fechado e semiaberto do Presídio Regional de Passo Fundo, ele desfruta a liberdade desde novembro de 2013.


Órfão está em liberdade desde novembro de 2013
Foto: Diogo Zanatta, Especial

O órfão cumpriu pena por um homicídio que diz não ter cometido desde 2001 e estava na prisão quando soube da morte da mãe. Hoje ele mora com a segunda mulher e a filha caçula, de dois anos, e faz bicos como peão em chácaras.

Paulo voltou para perto dos irmãos

Quando Eliana morreu, Paulo do Prado dos Santos tinha 17 anos e era o mais velho dos filhos que moravam com a mãe. Depois do crime, ele comprou as madeiras do casebre da família e construiu uma casa a cinco quadras de distância.

 
Paulo depois da morte da mãe. Atualmente, preferiu não ser fotografado
Foto: Tadeu Vilani

Em 2007, com 22 anos, abrigou o irmão que hoje está no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), mas não conseguiu cuidar do garoto. Poucos meses depois de tê-lo acolhido, foi preso por tráfico de drogas e ficou cerca de cinco anos no Presídio Regional de Passo Fundo. Hoje com 29 anos, o órfão mora na Vila Recreio e trabalha em uma oficina mecânica, segundo os irmãos.

UM ÓRFÃO FOI ASSASSINADO

Leandro foi morto enquanto fazia compras

Um dos órfãos teve o mesmo destino trágico dos pais. Leandro do Prado dos Santos trabalhava como pedreiro e foi assassinado aos 26 anos, em outubro de 2006. De acordo com uma ocorrência policial, ele foi morto a tiros enquanto fazia compras em uma panificadora.

 
Leandro um ano após a morte da mãe, em 2003
Foto: Tadeu Vilani

Um homem chegou ao local, disparou vários tiros na direção de Leandro e fugiu correndo. Segundo a Polícia Civil, o órfão possuía ocorrências por furto, receptação e porte ilegal de arma de fogo.

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