Esportes



Aposta de 2020

Vanderson queria ser jogador de futebol, mas um acidente o levou para a esgrima paralímpica

Veja a história do menino que encontrou a felicidade no esporte

25/07/2014 - 05h02min

Atualizada em: 25/07/2014 - 05h02min


 

Uma rampa de madeira, meio capenga, separa a casa de Vanderson do mundo que descobriu. Com dificuldade, a cadeira de rodas passa pela tábua, que improvisa a acessibilidade, e toma as ruas. Ele percorre o mesmo trajeto de segunda a sexta-feira para chegar ao Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete), onde pratica esgrima paralímpica. O percurso até lá é longo: precisa cruzar algumas avenidas e pegar dois ônibus. No caminho, pela janela, frequentemente recapitula tudo o que viveu, apesar de ter apenas 19 anos. Ele também pensa no futuro, onde já aparece como uma das apostas da Seleção Brasileira de Esgrima Paralímpica para 2020.

Quando pequeno, Vanderson Chaves respondia que queria ser jogador de futebol. Não era um sonho grande. Era mais uma vontade de guri que estava sempre na rua, que não parava quieto. Aos 12 anos, chegou bem perto deste desejo: em uma quarta-feira, se apresentaria para a categoria de base do Internacional. Mas a exibição jamais ocorreu.

Dois dias antes de passar pelo crivo do Inter, Vanderson tinha voltado do curso de informática para a residência onde morava com os avós na Vila Bom Jesus. Logo que entrou em casa, um dos tios o chamou. Tinha uma arma em mãos e queria mostrá-la ao sobrinho. Achando que estava descarregada, apontou, brincando, para Vanderson. Mas havia uma bala engasgada. Sete anos depois, Vanderson ainda lembra do momento em que a bala perfurou o seu pescoço, o que fez com que deixasse de sentir, de imediato, as pernas.

 

No começo, a perda. Não apenas do movimento dos membros inferiores, mas também de um provável futuro no futebol. Somava-se a isso uma ausência de quatro meses na escola, alguns amigos que viraram as costas e a dificuldade em transitar no bairro e na casa sem adaptação para cadeirantes. Aos poucos também teve de deixar de jogar tênis, tanto por conta dos ônibus despreparados como porque era o único deficiente físico, o que o fazia sentir-se desconfortável. Com 15 anos, para não ficar em casa sem atividade, pensou em trabalhar.

Foi em uma entrevista de emprego para estagiar na prefeitura de Porto Alegre que ele recebeu uma proposta inusitada. Maurício Stempniak, quem o contrataria, perguntou se Vanderson não queria conhecer o mundo. Apesar de inicialmente negar, o convite permaneceu na cabeça de Vanderson e foi aceito apenas um ano depois: participar de um grupo de esgrimistas que praticava o esporte paralímpico. De imediato a atividade impactou o guri, mas não foi exatamente a combinação da esgrima com deficientes físicos. O que alterou o modo como ele via as coisas foi se deparar com pessoas alegres, que levavam a vida como se não tivessem a cadeira de rodas substituindo as pernas.

- Eu me senti um peixe fora d’água, um estranho. Quis compartilhar aquela felicidade que eles demonstravam - explica Vanderson.

A vontade de sentir a mesma coisa fez com que entrasse para o esporte. Com a vivência diária, começou a perceber que as restrições com que convivia na verdade haviam sido impostas por ele mesmo. A partir daí, uma nova realidade foi se delineando. Nos primeiros meses de treinamento, Vanderson estava mais empolgado com as novas companhias do que com o esporte.

Veja imagens de um treino de Vanderson:

 

Quando terminou o ensino médio, passou a treinar como as outras pessoas do grupo, das 10h às 16h, começando pelo treino físico e terminando nas aulas técnicas seguidas pelos combates. Aos poucos, foi gostando da esgrima. Ao saber que havia a Seleção Brasileira, o seu desejo imediato foi estar nela, o que conseguiu em 2012. Desde então, ele é o segundo do ranking brasileiro na categoria B do florete, além de ser o mais novo do grupo. A posição concede a Vanderson um benefício financeiro, o bolsa atleta, para que ele se dedique exclusivamente aos treinos.

O futuro no presente 

Tanto para Vanderson como para todos do grupo, a esgrima começou como uma tentativa de socialização, mas hoje é prioridade. Entre os atletas que treinam, um deles já é campeão paralímpico. Jovane Guissone, 31 anos, disputou o ouro na modalidade B, na espada, e ganhou o título em Londres, em 2012.

Hoje, além de ser o primeiro do ranking brasileiro e o quarto do ranking mundial, é a inspiração de Vanderson no esporte. Muito mais do que companheiros de treino, eles são a aposta da Seleção Brasileira na próxima Paralimpíada. De acordo com o técnico Eduardo Nunes, a expectativa é de que em 2016 Guissone dispute o ouro. Nos Jogos Paralímpicos de 2020, porém, pelo desenvolvimento e idade, será Vanderson a aposta do Brasil na competição.

- No começo, Vanderson estava conhecendo a esgrima, sem muitas expectativas. Só que aí ele começou a ganhar e a se motivar. Agora ele acredita que pode fazer realmente, e tem muito a crescer. Enquanto os outros estabilizam ou descem, ele só vai subir. As possibilidades são muito boas - adianta Nunes.

O guri de 19 anos não sonha com o título, para não criar expectativas, mas pensa em estar na Paralimpíada de 2020. Treinar com Guissone e ver o colega conquistando títulos o motiva. Além do campeão paralímpico, o guri encontrou em Stempniak uma inspiração para seguir na esgrima. Ele não é mais o cara que o convidou a praticar o esporte. Stempniak, que atualmente é o terceiro no ranking, tornou-se um pai para Vanderson. É esse o termo que o jovem atleta utiliza nos treinos para se referir a ele.

Em casa, a parede do quarto expõe algumas das 18 medalhas conquistadas na esgrima. Uma delas o fez dividir o pódio com o colega campeão paralímpico, quando conquistou o bronze no campeonato adulto do Grand Prix do Canadá. Logo abaixo das medalhas, uma mala que tem sido utilizada com frequência.

Desde que começou a praticar esgrima, Vanderson percorreu países como Itália, Polônia, Hungria e Canadá. De fato, como sugeriu Stempniak na entrevista de emprego, ele está conhecendo o mundo. Em uma agenda, o guri anotou os próximos campeonatos, que não são poucos. Entre os dias 4 e 8 de agosto estará na Grã Bretanha disputando os Jogos Mundiais da Iwas Sub-23. Em seguida, entre 14 e 17 de agosto, participa da II Copa Brasil, em Curitiba. Em outubro, entre 2 e 5, disputa o Grand Prix, na Polônia. De 13 a 16 de novembro será a Copa do Mundo, na Hungria, e de 15 a 18 de dezembro o Grand Prix, em Hong Kong.

- Nasci na vila, nunca me imaginava indo pra outro país, andando de avião, conhecendo gente diferente. A palavra que eu sempre uso pra esgrima é superação. Meu sonho é o que estou vivendo hoje. É estar na Seleção, estar representando meu país, dando resultado, dando continuidade nos treinos, dando importância para os professores e conquistando medalhas - conclui Vanderson.


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