Eleições 2014



Estratégia dedo no olho

Bate-boca toma o lugar das propostas na campanha presidencial

Tom bélico invade a propaganda eleitoral, com ataques que começam nos planos de governo e chegam a características pessoais dos adversários

19/09/2014 - 04h01min

Atualizada em: 19/09/2014 - 04h01min


Guilherme Mazui / RBS Brasília
Guilherme Mazui / RBS Brasília
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Montagem sobre fotos / Reprodução

A propaganda de Dilma Rousseff (PT) associa a autonomia do Banco Central ao sumiço da comida da mesa do trabalhador. Alvo preferencial do PT, Marina Silva (PSB) acusa a presidente de ter criado o "bolsa banqueiro", enquanto Dilma responde que não é sustentada por dono de banco. Aécio Neves (PSDB) diz que Marina é "Dilma com outra roupa". Com o prenúncio de um segundo turno sem favoritos, a corrida presidencial ganhou tom virulento e menos propositivo, com bate-boca e intimidações de parte a parte.

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Os disparos mais contundentes partiram de Dilma, endereçados a Marina. A artilharia do marqueteiro João Santana transformou o plano de governo da ambientalista em ameaça a saúde, educação, casa própria, emprego e renda dos brasileiros. A estratégia foi deflagrada há duas semanas e teve êxito, conforme pesquisas de intenção de voto.

Apesar do sucesso da propaganda petista, o expediente deve ser usado com parcimônia, avalia o cientista político Carlos Eduardo Borenstein, da consultoria Arko Advice. Com experiências em campanhas desde 1994, ele destaca o risco de o bate-boca transformar em mártir o alvo dos ataques mais pesados. E ainda pode reduzir o interesse pela eleição.

- Nos Estados Unidos, quem ataca mais costuma ter a preferência do eleitorado. No Brasil, há uma preferência pela vítima. O artifício do medo funciona por tempo limitado. Chega um momento em que o eleitor quer saber mais do futuro - opina.

Agressividade deriva da polarização, diz analista

Troca de farpas e baixarias fazem parte da história. Em 1989, Fernando Collor divulgou o depoimento de Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, no qual ela acusava o petista de ter oferecido dinheiro para fazer aborto. Surgiram denúncias de que a entrevista havia sido paga, e Lula apareceu na TV ao lado da filha.

Ataques pessoais ou programáticos costumam ser ingredientes de vitória nas urnas. A tentativa de 2002 fracassou e ainda rende piadas com o vídeo em que atriz Regina Duarte aparece "com medo" do ex-metalúrgico. No governo, o PT repetiu o coro para defender Lula em 2006 e, agora, Dilma. Em maio, na propaganda dos "fantasmas do passado", pessoas hoje empregadas se imaginavam sem trabalho e buscando comida no lixo.

Professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Fernando Lattman-Weltman considera baixo e agressivo o nível do debate em 2014, diferentemente do de 2010, quando Lula desfrutava de aprovação alta, com clima mais favorável à continuidade.

- Os candidatos perdem mais tempo atacando os rivais do que defendendo suas ideias. Deixa a impressão de que a vitória do adversário será o fim do mundo - opina.

A maior influência na campanha das redes sociais, espaço afeito a rumores e posições radicais, reforça o tom bélico, avalia Lattman-Weltman. A agressividade também deriva da intensa polarização das pesquisas, com Marina e Dilma empatadas tecnicamente no segundo turno, o que costuma inflamar militantes, marqueteiros e candidatos.

O que se viu nos últimos dias

Salvadores da pátria
Para questionar o discurso da nova política, a propaganda na TV da presidente Dilma comparou Marina a Jânio Quadros e a Fernando Collor, presidentes que não terminaram seus mandatos. Jânio renunciou em 1961, e Collor sofreu impeachment em 1992. No vídeo, o locutor afirma ser impossível governar sem partidos e ainda destaca a reduzida base no Congresso que Marina teria, incapaz de aprovar um simples projeto de lei.

Autonomia do BC
No horário eleitoral na TV, a propaganda petista vincula a proposta de autonomia do Banco Central, defendida por Marina, ao sumiço da comida da mesa do cidadão. Com trilha dramática, o vídeo intercala cenas de "banqueiros" sorridentes em uma reunião com as de uma família durante a refeição. O locutor afirma que a autonomia do BC daria aos bancos poder capaz de influenciar nos juros, no emprego, nos preços e nos salários dos brasileiros.

Contra o pré-sal
Também na TV, a propaganda petista afirma que Marina vai reduzir a prioridade do pré-sal, com impactos diretos nos investimentos em educação e saúde e ameaças à geração de empregos. O locutor afirma que o país perderá a oportunidade de desenvolvimento. No vídeo, enquanto empresários discutem em reunião, uma mulher estuda com crianças em uma mesa, até que os livros ficam com as páginas em branco.

Guerra campesina
Um dos ataques a Aécio Neves e Marina partiu de João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Depois de dizer que "seria uma guerra" se o tucano presidisse o país, Stédile prometeu protestos diários em frente à Petrobras caso a ambientalista vença a eleição. Em manifestação em defesa do pré-sal no Rio de Janeiro, ao lado de Lula, Stédile também acusou Marina de querer privatizar a estatal.

Bolsa banqueiro
Marina rebateu as críticas recebidas pela defesa da autonomia do Banco Central. Em visita a Minas Gerais, a ambientalista afirmou que a presidente Dilma criou em seu governo a "bolsa banqueiro", em virtude dos gastos públicos com os aumentos da taxa de juros. Marina ainda destacou que, no governo FH, os bancos lucraram R$ 31 bilhões, enquanto no governo Lula os lucros saltaram para R$ 199,46 bilhões.

Cofres da Petrobras
A Operação Lava-Jato e a repercussão da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa viraram artilharia para Marina bater em Dilma. Em entrevista, a ambientalista criticou as indicações políticas na estatal, dizendo que refletiriam nas dívidas e na queda do valor de mercado da empresa. Ainda comparou os supostos desvios com o mensalão e afirmou que "nunca na história desse país se viu um escândalo como esse".

Pressão do Twitter
A errata do plano de governo de Marina em relação ao casamento gay, combinada com a pressão do pastor Silas Malafaia no Twitter, rendeu alfinetadas. Aécio ironizou, dizendo que entregaria um plano "feito a caneta" - sem possibilidade de apagar. Sem citar o nome da ambientalista, Dilma criticou a mudança de opinião de "cinco em cinco minutos". Em outra entrevista, a petista afirmou que "coitadinho" não pode chegar à Presidência.

Minha Casa ameaçado
A mais recente peça da propaganda petista mantém a trilha dramática dos demais vídeos e termina com pessoas em torno de uma mesa vazia. O material veiculado no horário eleitoral na TV acusa Marina de querer reduzir subsídios concedidos por bancos públicos. O locutor explica que a política ameaçará investimentos na agricultura familiar, na indústria e em programas como Minha Casa Minha Vida e ProUni.

Síndrome de Estocolmo
Defensora do que define como "nova política" e com a promessa de "governar com os melhores", Marina insiste nas críticas a Aécio e Dilma por alianças feitas por seus partidos com figuras controversas e nomes envolvidos em escândalos frequentes no noticiário, a exemplo dos senadores José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Collor (PTB-AL), além do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).

A mesma roupa
Na propaganda na TV e em discursos, Aécio se refere a Marina como uma versão renovada do PT de Dilma, sintetizada na frase "Marina é a Dilma com outra roupa". Em vídeo da equipe tucana, o locutor narra que as duas candidatas eram ministras do governo Lula durante o escândalo do mensalão e nada fizeram, enquanto o mineiro estava na oposição. Também lembra que antes do período eleitoral, o PSB de Marina era aliado ao PT.

Equipes de ouvido ligado no que diz cada candidato

Investigar o passado dos adversários, ler e reler discursos e entrevistas antigos e atuais em busca de todo o tipo de contradições, além de analisar e dissecar índices de segurança, saúde, gastos públicos, crescimento e inflação. Para garantir a troca de farpas na corrida presidencial, as equipes usam estratégia e muita transpiração.

Os comitês de Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves dispõem de grupos responsáveis pelo pugilismo no discurso. São profissionais divididos em diferentes tarefas, como monitorar a cobertura na imprensa, registrar discursos dos rivais, analisar dados. Esse calhamaço de informações trabalhado na propaganda ajuda a embasar entrevistas e debates.

Com quase 12 minutos no horário eleitoral na TV, a campanha de Dilma utiliza maior estrutura, montada em Brasília. A missão de desconstruir os adversários está nas mãos do marqueteiro João Santana, que já trabalhou nas vitórias de Lula e da própria Dilma.

Há duas semanas, com Marina em ascensão e Dilma estacionada nas pesquisas, Santana foi um dos que decidiram atacar a ambientalista, deixando Aécio Neves em segundo plano. Optou por menos prestação de contas do mandato e mais polarização. A diretriz influenciou a rotina do comitê, até então mais focado em listar feitos do governo e rebater as críticas da oposição.

A partir de análises qualitativas realizadas pela campanha, o marqueteiro identificou fragilidades de Marina e de suas propostas. Mas mirou o programa de governo em vez da trajetória de vida da adversária. O espaço diminuto dado ao pré-sal no programa deu origem à frase "ser contra o pré-sal é ser contra o futuro do Brasil".

Candidata troca postura suave por discurso firme

A ambientalista, com dois minutos no horário eleitoral, montou um QG mais modesto em São Paulo. A estratégia pacifista e amparada na "nova política" teve de ser alterada. Levantamentos do PSB apontam a candidata com perfil "frágil" para parcela do eleitorado.

Nesta semana, Marina apareceu em propagandas com dedo em riste e discurso firme. Também atacou mais o PT em discursos. A ordem é resistir até o segundo turno e apostar na história de superação da ambientalista, nascida em um seringal e alfabetizada aos 16 anos.

Com quatro minutos e meio na TV, Aécio Neves tem sua estrutura no Rio de Janeiro, mas recorre aos conselhos de grão-tucanos em São Paulo. Atrás nas pesquisas, vive o dilema entre buscar uma vaga no segundo turno com ataques a Marina, o que fortalece Dilma, ou preservar a ambientalista de olho em uma futura aliança.


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