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Gato por lebre?

Cervejas brasileiras podem conter até 45% de milho em sua fórmula

Cereais não maltados são motivo de discórdia. Para a indústria, adaptam a bebida ao gosto do brasileiro. Para críticos, apenas barateiam o produto

16/09/2014 - 11h52min

Atualizada em: 16/09/2014 - 11h52min


Guilherme Justino
Guilherme Justino
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Para indústria, cereais não afetam qualidade

E que consequências o uso de cereais não maltados na cerveja traz ao nosso organismo? Nada nocivo, garantem os fabricantes. Aumentar o nível de milho ou arroz reduz a complexidade da bebida e altera aroma, textura e sabor, mas não necessariamente diminui a qualidade. Tampouco tem consequências no organismo: a dor de cabeça pós-bebedeira, que muitos associam a "cerveja ruim", é causada pelo próprio álcool e varia conforme o metabolismo de quem bebe.

Charles Guerra / Agencia RBS
Uso de cereais como milho e arroz no limite do permitido por lei reduz o custo em até 6% e é comum nas cervejas brasileiras

Motivo de polêmica há alguns anos, quando uma pesquisa mostrou que muitas cervejas brasileiras contêm o limite de 45% de milho no lugar da cevada, o uso de cereais não maltados tem deixado um sabor indesejado na boca de consumidores e especialistas. A prática, que segundo as fabricantes torna a bebida mais leve e refrescante, "como o brasileiro gosta", envolve a aplicação de ingredientes mais baratos - e é alvo de muitas críticas.

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Nos rótulos, não são indicados os cereais nem a quantidade em que são empregados, impossibilitando o consumidor de saber que quase metade de sua cerveja pode ser feita de milho ou arroz. Foi somente após os testes em laboratório promovidos pela Universidade de São Paulo (USP) em 2012 que essa informação chegou a conhecimento público - e logo motivou manifestações acaloradas. Parecia comprovada a tese de que a bebida alcoólica preferida no país era aguada, pouco encorpada: muito diferente da que se bebe em outras nações cervejeiras, como a Alemanha e a Bélgica.

A rejeição do público que questiona a qualidade do produto encontra eco nas críticas de especialistas. Eles são unânimes em afirmar que não se pode considerar a cerveja com cereais não maltados pior que as "puro malte", mas garantem: esses ingredientes deveriam ser detalhados para o consumidor.

- Você não pode dizer que uma cerveja que leva milho e arroz seja um produto sem qualidade, mas é um outro produto. Se a cerveja esconde o uso em vez de ressaltar isso, a gente tem de questionar por que - opina o sommelier de cervejas José Raimundo Padilha, professor de cursos e diretor do clube The Beer Planet.

Consultor indicado pela Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), Adalberto Viviani defende que as empresas estão adequadas à legislação do Ministério da Agricultura ao não informar os ingredientes utilizados. Estima- se que substituir malte por cerais não maltados reduza de 1% a 6% o custo de produção.

Regulamento barrou incremento de cereais
O problema, define Padilha, não é a presença dos chamados adjuntos cervejeiros: é a intenção com que se colocam os cereais na bebida. Ele critica a utilização com o único objetivo de baratear a produção e aponta que hoje mais pessoas levam em conta o emprego dessas substâncias.

- Antes, ninguém se tocava da diferença, mas hoje há uma massa maior de consumidores que entendem isso como um indicador de que produtos menos nobres são utilizados na cerveja.

Nova legislação permitirá ingredientes diferentes nas cervejas nacionais

Ainda sendo finalizada, a nova regulamentação para fabricar cerveja no Brasil, com aprovação prevista para 2015, impediu o aumento de 45% para 50% na quantidade de cereais não maltados, uma demanda das empresas. Deverão ser permitidos ingredientes usados para conferir mais sabor à bebida, como mel, cacau e pimenta.

A autora principal do estudo que evidenciou a presença de muitos componentes além de cevada, lúpulo e água na cerveja brasileira, ressalta que só em laboratório pode ser verificada a proporção de uso dos cereais não maltados.

- Analisamos 49 cervejas produzidas no Brasil e 28 importadas e descobrimos que apenas 21 delas utilizavam somente cevada. Entre as brasileiras, praticamente um terço, principalmente as produzidas em larga escala, apresentavam cerca de 50% de milho em sua composição - relata a bióloga Sílvia Mardegan.

- Conforme o tipo de adjunto e a quantidade, podem ser alteradas algumas características do produto final - diz Michele Nasato, coordenadora de cursos na Escola Superior de Cerveja e Malte. - Mas não deve interferir na qualidade da cerveja. E é comum em outros países a utilização de adjuntos em quantidades parecidas com o que é praticado no Brasil - completa.

A escolha do cereal a ser utilizado como adjunto varia de um lugar para o outro, conforme Michele, mas o fator preponderante é o custo. No Brasil, onde se produz pouca cevada, optar por produtos abundantes como o milho e o arroz é uma alternativa que deveria se refletir em preços menores para o consumidor, segundo os especialistas. Ainda assim, há quem destaque que a cerveja, com sabor pouco marcante - quando comparada àquelas com grande presença de malte - e geralmente bebida bem gelada, é adequada ao clima tropical.

A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) usa dados de 2006 para apoiar essa tese. A pilsen de coloração clara e baixo teor alcoólico (entre 3% e 5%), garante a associação, é preferência nacional: sozinha, representa 98% do consumo brasileiro de cervejas. A diretora do Instituto da Cerveja, Kathia Zanatta, salienta que, além da redução de custo, a substituição de parte do malte de cevada por milho ou arroz ocorre também para adequar o produto ao paladar brasileiro.

- Tem o lado do custo, mas tem também o de deixar o produto menos saboroso e encorpado. A maior parte dos brasileiros quer uma cerveja leve, gelada, com sabor pouco marcante. Não é a minha preferência, mas tem gosto para tudo - afirma Kathia.

Detalhe ZH
Água pura, malte e lúpulo: são esses os únicos ingredientes aceitos pela Reinheitsgebot, a Lei da Pureza da Cerveja, instituída na Baviera, região sul da Alemanha, em 1516. Muitas cervejarias artesanais ainda seguem à risca a tradição, com um adicional desconhecido na época: a levedura. Outras escolas de cerveja, como a belga, permitem maior liberdade na escolha dos ingredientes.

* Zero Hora


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