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Diogo Olivier: a cartilha alemã de Dunga na Seleção Brasileira

Quando a Folha de S.Paulo descobriu a nova cartilha de bons modos da Seleção Brasileira, até então desconhecida do público, lembrei logo de Daniel Passarella

25/10/2014 - 17h10min

Atualizada em: 25/10/2014 - 17h10min


Diogo Olivier
Diogo Olivier
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Gonza Rodriguez / Agencia RBS

Quando a Folha de S.Paulo descobriu a nova cartilha de bons modos da Seleção Brasileira, até então desconhecida do público, lembrei logo de Daniel Passarella. Quando o ex-zagueiro (e que zagueiro) treinou a Argentina, cismou com os cabelos de seus jogadores. Como se sabe, os argentinos adoram cabelos compridos muito mais do que nós, brasileiros. Quem quisesse ir à França, em 1998, tinha de cortá-los. O volantaço Fernando Redondo, então no Real Madrid, recusou-se. Viu a Copa pela TV. Ele, suas madeixas e sua dignidade. Mais servis, Caniggia e Batistuta aceitaram a tesoura para disputar o Mundial. O Diário Ole, sempre irônico e rascante, disse que as ideias de futebol de Passarella eram curtas como o cabelo de seus convocados.

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A cartilha de Dunga dá liberdade aos cabeludos, mas Fernando Redondo certamente não aceitaria uma de suas normas mais surpreendentes se ainda estivesse na ativa. Na CBF, ninguém pode sair do refeitório antes de Neymar saciar a sua fome de craque. Imaginei a seguinte cena. Alguns dos que já almoçaram, lancharam ou jantaram estão com vontade de ir banheiro. Pode acontecer. Ou estão cansados da viagem ou do treino, ansiosos para descansar no quarto. Só que o capitão segue comendo. É preciso esperar, conforme reza a cartilha. Então, um destes jogadores impacientes à mesa percebe que Neymar esqueceu de tirar o seu brinco de diamante por mero descuido.

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Brinco, segundo a cartilha, não pode. Nem usar chinelos na concentração. Pensando bem, chilenos têm mesmo um certo ar subversivo. Dão um toque malandro inadequado, talvez. Traficantes estão sempre de chinelos quando são presos pela Polícia. A CBF deve ter pensado nisso, após muito estudo. Bem, mas Neymar está de brinco inadvertidamente, lá na minha cena fictícia. Isto anula sua primazia de saída do refeitório? Se o capitão descumprir uma regra da cartilha fica configurado o vício de origem, e daí as outras normas são revogadas automaticamente, podendo todos saírem do refeitório quando bem entenderem? Neste caso, cabe recurso?

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Normas são bem vindas em nome do convívio em grupo. Talvez até mais no caso da Seleção Brasileira, que lá fora nos representa. Mas desde que não interfiram nas liberdades individuais ou transformem adultos em alunos de internato. Aí o efeito é contrário. Todos saberão que nossos craques não tem bom senso e não sabem conviver na diferença. Dunga garantiu que não haverá punição, por não se tratar de proibição: o manual traz apenas sugestões. Gilmar Rinaldi, o supervisor, jura que apenas pegou o manual em vigor e acrescentou alguns itens. Não há motivo para duvidar deles.

O perigoso nesta história não é a cartilha em si, mas o que a enseja. Em 2006, o consenso foi o de que perdemos a Copa por abrir demais o ambiente. Em 2010, por exagerar ao fechá-lo. Em 2014, de novo a ideia do ôba-ôba, com folgas demais e treinos de menos. Agora, cartilha e rigores disciplinares. A Seleção parece nunca perder. Apenas deixa de ganhar. A vitória nunca é do futebol melhor do adversário, mas de meras questões de convívio de nossa parte.

Desse jeito, o risco será sempre o gol da Alemanha.

Por que a cartilha deles é outra.


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