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Entrevista

"Tive contato com pessoas que estavam com medo de mim", conta americana que sobreviveu ao ebola

24/10/2014 - 19h15min

Atualizada em: 24/10/2014 - 19h15min


SIM / Divulgação
Nancy e David Writebol é o casal de americanos que atuou no combate ao ebola

Nancy Writebol, 59 anos, foi para a Libéria para ajudar no hospital missionário da organização Serving in Mission (SIM), uma associação evangélica que também tem sede no Brasil. Quando começaram as primeiras notícias da epidemia de ebola, ela ficou no país para ajudar no tratamento dos doentes. Viu colegas morrerem, contraiu o vírus e foi tratada nos Estados Unidos. De Denver, no Colorado, ao lado do marido, David, ela contou para Zero Hora como sobreviveu a uma das doenças mais letais do mundo:

Quando você chegou à Libéria?
Nós chegamos em agosto de 2013.

E qual era a situação lá?
Quando chegamos, a situação era de um país que estava saindo de uma guerra civil. O padrão de vida estava começando a melhorar. As pessoas estavam trabalhando, refazendo vida depois de tantos anos de guerra.

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Eles tinham algum tipo de saúde pública?
A situação não era muito boa. A Libéria tem uma população de 4,4 milhões de pessoas, e eles tinham aproximadamente 50 médicos para o país inteiro. Cinco médicos para cada 20 mil pessoas.

Qual era o seu trabalho? Como era a rotina?
Quando chegamos, meu trabalho era fazer a gestão de pessoas da SIM, minha organização missionária. Minha função era ajudar missionários que estavam vindo para a Libéria a se estabelecerem, orientá-los sobre o país e sobre a missão. Era parte do motivo pelo qual estávamos lá. Eu também iria trabalhar no hospital por meio período como auxiliar de enfermagem.

Quando você começou a trabalhar com a equipe que tratava do ebola?
Imediatamente, quando começaram as conversas de que o ebola estava vindo para Monróvia (capital da Libéria).

Você não teve medo de uma epidemia de ebola?
Não, eu não tive medo. Quero dizer, nós tínhamos certo medo, mas eu estava em uma zona de baixo risco. Então, não diria que temia contrair a doença.

Mas você foi infectada. O que aconteceu?
Isso é um mistério mundial (risos). Nós não sabemos realmente. É possível que tenha sido um de nossos colegas que veio trabalhar doente. Pensava-se que ele tinha tifóide e, no fim, tinha ebola. Veio a morrer antes de eu sair do país. É possível que eu tenha pego dele, mas não tenho certeza.

Você se arriscou em algum momento?
Eu não sei. Não acredito que tenha me arriscado. Nós seguimos todos os protocolos para garantir a segurança. Usava roupas de proteção na descontaminação. Minha função era esterilizar os médicos e fazer com que tirassem os equipamentos de proteção adequadamente.

Quais foram os primeiros sintomas da doença?
Eu comecei com malária nos primeiros quatro dias. Tive febre, dor de cabeça e sentia meu corpo apenas fraco.

Então era malária e ebola!
Sim (risos)!

Mas como você descobriu que estava com ebola?
Bom, depois de quatro dias, fiz o teste para ebola e deu positivo para mim.

Quem te deu a notícia?
David, meu marido, me disse.

David, como você recebeu a informação?
Eu estava com os nossos médicos e eles estavam falando da situação. Na reunião, eles me disseram o resultado do teste para o doutor (Kent) Brantly e depois de Nancy. O desafio para mim, acho, era como eu ia contar para ela. Era algo muito difícil. Nenhum marido deve ter que dar esse tipo de notícia para a mulher. Mas eu encontrei uma maneira de dizer e suportei aquele momento terrível.

David, você também fez o teste?
Não fiz o teste, porque nunca tive nenhum dos sintomas. Assim que descobriram de Nancy, eu fui isolado e não pude ter contato próximo com ninguém. Ficava monitorando minha temperatura três vezes por dia e reportando o resultado.

O que também é terrível...
Uma das coisas mais difíceis do ebola é que ele isola não apenas o paciente, mas também a família de dar cuidados, encorajar e ajudar a pessoa.

Nancy, o que você sentiu no estágio mais avançado da doença?
Eu fiquei cada vez mais fraca, continuei com febre muito alta e desidratação. Era difícil de ministrar medicamento intravenoso. Tive uma erupção cutânea, que é um dos sintomas de ebola, e uma diarréia severa.

E depois de quatro dias, você foi para os Estados Unidos? Como foi o tratamento lá?
Não, foram 11 dias até eu ser transferida. O tratamento foi maravilhoso, os médicos, muito atenciosos. Tive cinco médicos e 21 enfermeiras, o cuidado foi excelente.

Você tomou o medicamento experimental Zmapp, correto? Foi o que a curou?
Ninguém tem certeza, porque nunca tinha sido clinicamente testado. Houve outras coisas: fiz transfusão de sangue e tive outros cuidados médicos. Não estamos certos de que o Zmapp é a cura.

Você se curou de uma das doenças mais mortais do mundo. O que mudou na sua vida?
Em primeiro lugar, quando as pessoas me perguntam sobre ter sido curada, Zmapp e o cuidado que recebi, eu respondo que realmente acredito que quem salvou minha vida foi Deus. E Deus usa os meios disponíveis, como drogas experimentais, ótimos médicos, suporte médico ou transfusões de sangue, além das orações de muitas pessoas pelo mundo inteiro. Se alguma coisa mudou na minha vida, foi que aprofundei o relacionamento e o amor pelo Senhor. Confirmei o chamado para seguir com atenção para o que está acontecendo no Oeste da África.

Você acha que outras doenças na África, como a malária, não recebem o mesmo tipo de atenção que o ebola?
Acho que a malária, a tifóide e todas essas doenças estão sendo observadas. Nosso hospital em Monróvia trata-as todos os dias.

Você sofreu algum tipo de preconceito por ter contraído ebola?
Sim, temos muitas pessoas aqui nos Estados Unidos que estão com medo. O centro de doenças declarou que eu estava livre. Então, nós tentamos educar e ensinar sobre o que é a doença.

Quero dizer pessoalmente.
Sim. Eu tive contato com pessoas que estavam com medo de mim.

É verdade que você quer retornar?
(Silêncio). Você sabe, se é o que o Senhor quer, então nós vamos voltar. Mas não é possível voltar agora, porque estou sob cuidados médicos.

Você não está totalmente recuperada?
Ainda estou em recuperação, ainda recobrando minha força e energia.


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