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Luta contra o crack

Após nove meses internado, ex-jogador Alex Rossi volta para casa: "Recuperado, sim. Curado, não"

Herói do título gaúcho de 1991 pelo Inter, que também jogou em Santa Maria, faz tratamento contra dependência química

22/11/2014 - 10h02min

Atualizada em: 22/11/2014 - 10h02min


Ronald Mendes / Agencia RBS
Alex Rossi esbanja alegria junto aos filhos gêmeos de 1 ano, Miguel e Isabela, e da mulher, Márcia

Foram nove longos e dolorosos meses de ausência. Miguel e Isabela aprenderam a caminhar. Daqui para a frente, Alex Sandro Rossi, 46 anos, promete não perder mais um passo sequer dos filhos gêmeos de 1 ano e 9 meses.

Mas tudo foi por uma boa causa. Alex Rossi, ídolo no Inter, de Porto Alegre, nos anos 90, e ex-jogador do Inter-SM na mesma década, ele estava no fundo do poço até pedir ajuda, em fevereiro deste ano. A luta dele é contra o crack, droga que destruiu a vida dele, tirou-lhe bens e o principal: a presença diária da família.

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No domingo passado, às 19h30min, Alex retornou em definitivo ao convívio da mulher, Márcia, 32 anos, e dos dois filhos pequenos, após nove meses de internação na Comunidade Terapêutica de Ivorá, a Fazenda do Senhor Jesus, que trata de dependentes químicos com atividades de laborterapia.

Um dia depois, às 11h, com o mate cevado e a água quente em uma térmica com o símbolo vermelho e branco do Inter-PA, sua grande paixão no futebol, ele aguardava a equipe do "Diário", no sofá de casa, em Cacequi, região central do Estado.  

_ Estou recuperado. Não, curado. Não existe cura. Existe tu te vigiar 24 horas por dia. Porque a tentação vem. A própria vida e as dificuldades que ela traz te levam a lugares... Hoje, tenho de andar por portas mais estreitas _ reflete Alex.  

O carinho dos conterrâneos

Alex é querido pelos conterrâneos. Aos poucos, entre um chimarrão e outro, amigos acenam e dizem: "voltou?". Alex responde: "sim, vem tomar um mate qualquer hora".

A companheira dele há 11 anos _ que leva o nome de Alex no braço, assim como ele traz a alcunha de Márcia pouco acima do punho direito _ senta-se ao lado do marido. Em cada olhar, nos gestos e carinhos com a mulher, desenha-se a gratidão por ela jamais ter desistido do companheiro.

_ Quando o Alex foi para a fazenda, as crianças tinham um aninho. Tive de ser pai e mãe. Fiquei morando sozinha com os dois. Não foi fácil. Tive de ensiná-los a caminhar. Mas, hoje, posso dizer que confio no caráter dele e sei que ele irá ajudar às pessoas que precisam. Tenho orgulho do meu marido _ derrete-se Márcia.

A alegria de Miguel e Isabela

Às 13h da última segunda-feira, os gêmeos estavam na creche. Ao verem o pai, Miguel e Isabela abriram um sorriso e correram incansáveis na direção do pai. O menino, mais tímido, é a cara do pai. A menina, espontânea, tem traços da mãe.

_ Foram meses longe. Valeu o tempo. Mas, agora, vou ter uma vida inteira pela frente com eles _ disse Alex, que carregava os filhos no colo e os erguia como se fossem os troféus de antigamente.         

Para o ano que vem, Alex tem planos. Sempre com os pés no chão e passando por "caminhos e portas estreitas".       

_ Quero estudar. Fazer um EJA. Enquanto isso, seguir dando aulas (de futebol) em colégios municipais. E, no momento em que eu estiver preparado, começar uma carreira de técnico em categorias de base no futebol _ projeta Alex, que estudou até a 8ª série do Ensino Fundamental.

Alex passará por estágio em Ivorá

A felicidade que sentiu em 1991, quando marcou um gol na casa do Grêmio na final do Campeonato Gaúcho e que, posteriormente, daria o título estadual ao Inter, não se compara à que Alex sentiu ao completar o ciclo de nove meses de recuperação. 

_ Um gol dentro do Estádio Olímpico, contra o Grêmio, e que garantiu o título é uma emoção forte. Mas de tudo o que eu ganhei daquele gol o que ficou? O que eu consegui passar para alguém? Hoje, eu salvei a minha vida e posso passar vários exemplos para os meus filhos _ orgulha-se. 

A presença constante da mulher, dos filhos _ Alex tem mais três filhos com outras duas mulheres que conheceu antes da atual companheira _ e da mãe, Enedina, deu força para o ex-jogador continuar a batalha:

_ Eles não falharam nem um mês. Em todos os terceiros domingos de cada mês, a mulher (Márcia) levou eles (filhos gêmeos) para me visitarem. Somente no sexto mês, quando fiz minha primeira inserção social, eles não foram (a partir do sexto mês, os internos passam por um pequeno período em casa, mas devem voltar para a fazenda. A saída definitiva é somente no nono mês).

Apesar do retorno para casa, o ciclo total de recuperação na Comunidade Terapêutica não está completo. Alex deve seguir indo a grupos de ajuda do Amor Exigente, em Santa Maria, periodicamente. Além disso, daqui a uma semana, ele retornará à Fazenda do Senhor Jesus. Fará um estágio de três meses como monitor até receber o seu certificado de conclusão, quando fechar um ano. Alex quer ajudar novos internos, assim como foi ajudado quando chegou a Ivorá:

_ Nesses nove meses em que estive na fazenda, vi mais de 60 (internos) indo embora, desistindo da recuperação. E as famílias diziam que não queriam mais eles em casa. Eu não queria isso para mim. Minha família é tudo.

Quem esteve ao lado de Alex durante os nove meses e viu de perto todos os passos dele na comunidade foi o coordenador da fazenda, Sérgio Ribeiro. Sempre cauteloso, mas otimista, Ribeiro avalia a estada de Alex em Ivorá:

_ No período em que ele esteve aqui, sempre foi um cara determinado. Vimos que a primeira parte do tratamento foi benfeita, e a recuperação foi boa. O maior cuidado que ele precisa ter é não voltar aos antigos convívios, os chamados parceiros de ativa. Outra coisa importante é que a família aprendeu a lidar com a dependência química. Além disso, se surgir uma oportunidade no futuro, ele pode, inclusive, ser um monitor na fazenda. Tem tudo para dar certo.

Agradecimento a um velho amigo

A lembrança de amigos e ex-companheiros de futebol emocionou o Touro Indomável (apelido de Alex em razão do porte físico e da raça em campo). Foram inúmeras ligações e cartas recebidas durante a internação. Mas um recado em especial mexeu com Alex antes mesmo da estada na fazenda, em fevereiro.   

_ Recebi mais de 20 e-mails do Avaí (de Santa Catarina). De toda a torcida Azul, a Raça e a Camisa 12. Diretorias e ex-jogadores de futebol. Mas tem um cara que eu quero muito agradecer. Quando eu estava aqui, em Cacequi, em uma clínica de reabilitação, antes de entrar na fazenda, ele ligou e disse: "Esse é o título da tua vida. Tu vais fazer isso por ti para ser campeão". Esse cara foi o Valdir Espinosa. Me arrepiei, chorei e conquistei. Quero dizer para ele: eu venci esse primeiro passo _ emocionou-se Alex.

Valdir Espinosa treinou Alex Rossi no Cerro Portenho, do Paraguai, quando o atacante foi campeão e artilheiro do Campeonato Paraguaio de 1992, com 15 gols.

Posteriormente, os dois trabalharam juntos no Corinthians, de São Paulo. Na final do Gauchão de 1991, Espinosa era técnico do Grêmio _ clube no qual Alex iniciou a carreira nas categorias de base.
_ Quando fui para o Cerro, ele (Espinosa) me disse: "agora tu vais fazer gol para mim", brincou Alex, recordando do gol do título gaúcho.

Aos 67 anos e com um vasto currículo de conquistas _ as maiores foram a Libertadores e o Mundial de Clubes em 1983 com o Grêmio _, Valdir Espinosa trabalha, atualmente, como diretor técnico de todas as categorias do Esportivo, de Bento Gonçalves. Espinosa recebe a notícia do retorno de Alex para Cacequi com um enorme orgulho. E manda um recado para o seu ex-jogador:

_ Há uma emoção grande em mim em saber que ele se recupera. Receber essa notícia é algo que me toca bastante. Um campeão nunca é derrotado. Pode perder uma partida ou uma batalha, mas ele vence a guerra. E o Alex é um campeão. Ele aprendeu uma grande lição de vida. Grande abraço ao Alex, e que outras pessoas que passaram por isso tenham ele como exemplo.

Outro tipo de felicidade

A felicidade, agora, tem outro significado para Alex Sandro Rossi, 46 anos, afastado dos gramados há 11 anos e longe das drogas há nove meses, ou, como ele diz: "por mais 24 horas". Esse é o Touro Indomável:            

_ Quando eu jogava futebol, buscava a felicidade em caminhonetes, indo a Rivera, a boates ou à praia. Até acreditava em Deus, mas não tinha espiritualidade. E, a minha felicidade, eu ia buscar em outros lugares, até que caí na droga. Hoje, não. Aprendi na fazenda que a felicidade está dentro de mim. Não está mais no dinheiro que eu ganhei jogando futebol. Talvez, o que eu já ganhei, nunca mais recupere. Mas o que ganhei na fazenda ninguém vai me tirar. Tenho uma sensação de dever cumprido.


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