Para o passante desavisado, as três senhoras rindo em uma larga mesa no café do Theatro São Pedro pareceriam amigas de longa data. Mas não. Mesmo trocando gentilezas, Nicette Bruno e Beth Goulart encontravam-se com Lya Luft pela primeira vez, às vésperas da estreia nacional da montagem de Perdas e Ganhos, neste fim de semana, em Porto Alegre (só restam ingressos para a segunda sessão de domingo).

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Misto de ensaio e memórias, o livro de Lya, adaptado e dirigido por Beth e encenado pela mãe, Nicette, fala sobre morte, passagem do tempo e autoestima. E é adequado, quase perfeito, concordam as três, para marcar a volta de mãe e filha ao teatro após a perda do marido e pai Paulo Goulart, aos 81 anos, em março deste ano. Se vida e arte não se separaram jamais na história da família, o espetáculo é justamente um tributo das duas à parceria de 60 anos entre Paulo e Nicette.

A atriz divide, com o lirismo da nova amiga Lya, seus sentimentos e suas cicatrizes.

- O teatro tem uma participação muito ativa em minha vida. Me casei em um teatro, todas as minhas realizações sempre estão em paralelo com o teatro. E, neste momento de perda, compartilho-a com o público, com o teatro, para que eu possa absorver o entendimento dos ganhos necessários proposto pela própria obra - afirma Nicette.

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- Foi um momento de vida muito forte que, através do espetáculo, a gente também divide com a plateia - acrescenta Beth.

Embora escrito em forma de fluxo de consciência, o texto de Lya não é um monólogo por completo. Há uma narradora, e também três personagens que com ela interagem, pinçadas de O Silêncio dos Amantes, outro livro da autora. Todas são interpretadas por Nicette:

- É uma conversa, tanto que a primeira coisa que ela diz em cena é "boa noite". É um monólogo que propõe que se torne um diálogo - conta a diretora, em sintonia com sua atriz principal, que assim pontua a conversa:

- Era isso que eu queria dizer!

Embora o projeto inicialmente tivesse sido encarado apenas como uma sequência do trabalho de Beth em Simplesmente Eu, Clarice Lispector, a adaptação, que foi suspensa pouco depois da primeira versão por conta da doença do pai, se transformou em aprendizado, superação e celebração da vida. Ou, nas palavras de Lya: "quem sabe perder nos faça amar melhor isso que só nos será tirado no último instante: a própria vida".

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Perdas e ganhos
Sábado, às 21h, e domingo, às 18h e 20h.
Duração: 60 minutos.
Classificação: 12 Anos
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), em Porto Alegre.
Informações: (51) 3226-2940.
Ingressos: apenas para a segunda sessão de domingo, a R$ 100 (plateia), R$ 70 (camarote central), R$ 50 (camarote lateral) e R$ 20 (galeria). Descontos de 20% para clientes Bradesco e acompanhante mediante apresentação do cartão, de 50% para os primeiros 200 e 20% para Clube do Assinante ZH. À venda na bilheteria do Theatro ou pelo site www.compreingressos.com (com taxas).

Lya Luft* escreve sobre a adaptação

Perdas & Ganhos, com o & assim mesmo, é irmão mais moço do seu antecessor, de 1976, O Rio do Meio, em que inaugurei - mantendo obras de ficção ou poesia - essa fala direta sobre os mesmos temas de toda a minha obra, que se resumem ao drama existencial humano. Era o inédito que eu tinha acabado de escrever em 2002/3, quando a Record comprou toda a minha obra. Fizeram uma edição pequena, muito menor do que habitualmente, de 3 ou 5 mil exemplares. Em uma semana, não tinha mais. Imprimiram mais 10 mil, mesma coisa. Até hoje, o livro já vendeu muitas centenas de milhares e está traduzido em diversos países.

O que houve? Ninguém sabe ao certo, mas parece que as pessoas estavam nessa espécie de conversa ao pé do ouvido, partilhando preocupações, reflexões, aprendizados e dúvidas de uma vida inteira.

Perdas & Ganhos é uma obra de questionamentos, de perguntas. Fala de dores e encantamentos, construção da individualidade de cada um, fala do curso da vida, de fatalidades e de emoções, que - descobri com esse livro - são comuns a quase todos os povos e culturas. Há, pois, uma espécie de globalização dos sentimentos, isso me alegrou muito. Fiquei feliz em saber que seria encenada por Nicette sob a direção de Beth, ainda no tempo de Paulo Goulart. Agora retomado, imagino que o espetáculo enfatize a superação das perdas em favor da vida. Estou honrada e ansiosa por assistir.

Escritora e autora do livro Perdas & Ganhos