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DOP!

Descubra o que acontece no seu cérebro enquanto você está jogando... jogando

Reportagem em forma de game conta como o cérebro reage aos jogos eletrônicos

27/11/2014 - 08h01min

Atualizada em: 27/11/2014 - 08h01min


Gustavo Brigatti
Gustavo Brigatti
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Leonardo Azevedo / Agência RBS

Agachado atrás de um pilar, o guerreiro espacial contempla a morte certa. Sua munição está no fim, a barra de energia pisca em vermelho e o gigante metálico avança, disparando saraivadas intermitentes de lasers. Na única brecha possível, o soldado rola para o lado e dispara tudo o que pode na cabeça do inimigo. O robô cai de joelhos e explode, inundando o cenário com labaredas. Do outro lado do fio, o jogador está em pé, gritando contra a TV e esmagando o joystick entre as mãos. Ele se sente imerso em um mar de euforia, sensação de vitória e superação - mas a verdade é que é o seu cérebro que, nesse momento, boia delirante em um oceano de dopamina.

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CÓRTEX, SEU MAROTO! JÁ PRA CASINHA!

Calma, o córtex pré-frontal também é ativado de maneira muito positiva pelos videogames. Quando não está travado de dopamina - ou seja, durante o início da jogatina -, esse pedaço do cérebro responsável por nos fazer pensar em situações de pressão e tomar decisões difíceis vai sendo treinado e se fortalecendo. Jogos ricos em quick time events - aqueles trechos de determinados em que você precisa apertar uma série de botões rapidamente para avançar - exigem sobremaneira do córtex pré-frontal, tornando-o mais forte.

Além dele, o campo ocular frontal (área responsável pelo processamento de informação visual-motora e por como lidar com estímulos externos da melhor maneira possível) também é bem trabalhado por jogadores de videogame. Junte os dois e você tem pessoas capazes de resolver vários assuntos ao mesmo tempo - os populares multitarefas.

- A pesquisa em laboratório mostra que jogar videogames de ação tem um impacto positivo em um número de habilidades, como melhora da visão (com jogadores detectando pequenas diferenças nos tons de cinza), aumentando os recursos de atenção (por exemplo, maior performance na tarefa de encontrar mais de um objeto em movimento) ou as habilidades em contextos multitarefa - afirma Irene Altarelli, especialista em neurociência da Universidade de Genebra, na Suíça.

- É importante ressaltar que esses benefícios são vistos mesmo em tarefas que têm muito pouco a ver com o jogo propriamente dito. Também estamos estudando se os gamers aprendem de maneira diferente, em termos de rapidez e eficiência, comparados a pessoas que não jogam e se eles processam estímulos emocionais de maneira diferente - completa.

Ou seja, da mesma forma que você aumenta seus músculos puxando ferro na academia, quanto mais você estimula seu cérebro, melhor ele fica.

ESTOU MAROMBANDO MEU CÉREBRO ENQUANTO MATO NAZISTAS EM WOLFENSTEIN, É ISSO?

Dá para dizer que sim. Em março do ano passado, um estudo feito por pesquisadores da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura, indicou que partidas diárias de uma hora são suficientes para treinar o cérebro para atividades cognitivas.

Especialmente no caso dos jogos de ação, houve melhorias significativas na visão periférica e sensibilidade a contrastes entre os jogadores.

Outro relatório, do Max Planck Institute, na Alemanha, publicado em novembro do ano passado, mostrou aumento da massa cinzenta nas regiões hipocampal, córtex pré-frontal (sempre ele...) e cerebelo de pessoas que jogaram Super Mario 64 por longos períodos. Essas áreas são responsáveis por formação da memória, orientação espacial, planejamento estratégico e habilidades motoras. Segundo eles, tais resultados indicam que videogames podem ser úteis no tratamento de doenças que afetam essas regiões, como esquizofrenia, estresse pós-traumático e até Alzheimer.

VIDEOGAME, SEU LINDO! DÁ AQUI UM ABRAÇO!

Também não é para tanto. Como qualquer atividade praticada em excesso, videogames podem, sim, fazer mal.

- A tecnologia não é positiva, nem negativa. Ela é neutra. O usufruto que o usuário terá dela é que deverá ser posto em reflexão - pontua, em entrevista por e-mail, Igor Lins Lemos, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Avançada e doutorando em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento da Universidade Federal de Pernambuco.

Lemos concorda que jogos eletrônicos podem ser excelentes modelos de comunicação, auxiliar na aprendizagem de línguas estrangeiras, na melhoria nas capacidades de reflexos e tomadas de decisões, mas podem causar dependência da mesma forma que drogas ilegais. Segundo ele, regiões como a do córtex órbito-frontal sofrem alterações parecidas às apresentadas por dependentes de maconha, cocaína e metanfetamina.

- A expressão sintomatológica de ambos os grupos psicopatológicos (dependência de jogos eletrônicos e uso de substâncias) é semelhante. Apenas para citar alguns sintomas em comum, enfatizo o estado de fissura, a tolerância e a abstinência - diz.

CONTINUE OU GAME OVER?

Com o gigante de metal despedaçado, o guerreiro estelar consulta seu mapa de missões e vê que a aventura apenas começou. Há uma infinidade de mundos a serem explorados, inimigos para confrontar, alianças em curso e histórias esperando por alguém que as conte. Do outro lado do fio está o jogador, literalmente com o controle nas mãos. É dele a decisão de avançar ou dar um tempo para que o soldado lute outro dia - mesmo que esse soldado seja um passarinho nervoso e a luta, contra os porcos ladrões de ovos em Angry Birds. Não importa o jogo ou a plataforma, o banquete de dopamina e a malhação cerebral sempre estarão ali à disposição, ao alcance de um (ou muitos) apertar de botões. Para o seu cérebro, não há game over: apenas continue.


FICHA TÉCNICA

Reportagem:
Gustavo Brigatti
Produção: William Mansque
Edição: Fernanda Grabauska e FêCris Vasconcellos
Ilustração e design: Leonardo Azevedo
Programação: Leonardo Azevedo e Guilherme Maron

Imagens:
Felipe Martini e Julio Cordeiro
Edição: Felpe Martini e Raquel Saliba

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Atividade que há muito deixou de ser coisa de criança, essa é uma indústria que deve ultrapassar uma movimentação de US$ 100 bilhões até 2019. Nos EUA, de acordo com o relatório 2014 da Entertainment Software Association (ESA), quase 60% dos americanos jogam videogame - um número que pode aumentar se considerarmos os games em plataforma mobile, que transformam todo proprietário de telefone celular num potencial jogador. Mas, de gamers profissionais que lotam um estádio na Coreia do Sul para jogar League of Legends até a sua mãe que adora Candy Crush, todos estão sujeitos à mesma reação química descrita no parágrafo acima. Entenda por quê.

PLAYER 1: DOPAMINA

Neurotransmissor dos mais importantes, a dopamina é sintetizada dentro do sistema mesolímbico, conhecido também como circuito de recompensa. Sua liberação se dá quando estimulada por situações prazerosas, como fazer sexo, comer chocolate, fumar ou vencer o Dr. Robotnik sem perder nenhuma argolinha dourada.

Desde o final dos anos 1990, sabe-se que uma boa partida de videogame chafurda o cérebro em dopamina. A lógica é a seguinte: quanto mais você joga, melhor você joga. Quanto melhor você joga, mais você vence. Quanto mais você vence, mais feliz você fica. E quanto mais feliz você fica, mais dopamina é liberada.

TACA-LE PAU NESSA DOPAMINA, ENTÃO, CÉREBRO!

Não é bem assim. Tanta felicidade confunde o pobre cérebro. O excesso de dopamina pode levar a uma espécie de curto-circuito do córtex pré-frontal, área responsável pelo comportamento emocional e que envolve tomada de decisões e julgamento crítico. Meio abobado, o córtex pré-frontal para de funcionar e o jogador perde a noção do tempo e esquece outras prioridades - incluindo se alimentar, tomar banho e socializar. Por isso, não é incomum aquela partidinha rápida antes de dormir só terminar quando o dia amanhece - ou quando a sua mãe (ou esposa ou marido) puxa o fio da tomada.

Em um artigo publicado na edição de julho de 2014 da Neurology Now, revista eletrônica vinculada a Academia Americana de Neurologia, o professor David Greenfield alerta que essas cargas extras de dopamina podem fazer o cérebro entender que não é preciso mais produzir a dose habitual - resultando na diminuição da dopamina e, consequentemente, na busca por mais estímulos para produzi-la. Ou seja, sem notar, você estará jogando em troca de felicidade - ou de dopamina.


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