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Falhas na rede impedem que crianças deixem abrigos, diz juíza

Responsável por analisar a situação dos 1,3 mil abrigados na Capital, a magistrada Sonáli da Cruz Zluhan relata falta de priorização da infância

27/11/2014 - 05h05min

Atualizada em: 27/11/2014 - 05h05min


Fernanda da Costa
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Lauro Alves / Agencia RBS

A mãe quer ter o filho de volta, mas não tem onde morar. Enquanto aguarda em uma fila para receber habitação do governo, o filho cresce afastado, em um dos 106 abrigos de Porto Alegre. Foi com este exemplo que a juíza Sonáli da Cruz Zluhan, designada desde outubro para analisar a situação jurídica das 1,3 mil crianças e adolescentes abrigados na Capital, relatou a falta de priorização da infância pela rede pública.

Segundo ela, a falta de articulação dos órgãos com prioridade às crianças impede que dezenas de abrigados deixem essas casas, criadas para serem moradias provisórias. Por lei, os acolhidos devem passar no máximo dois anos nos abrigos, mas a regra não é cumprida para um terço das crianças no país. Um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgado no último ano mostrou que 10 mil abrigados estavam há mais de dois anos nesses locais.

- Os acolhidos deveriam ter prioridade na rede, mas encontramos casos em que eles ainda estão nos abrigos porque os pais não são devidamente atendidos - afirmou a magistrada.

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Sonáli é responsável por um mutirão criado pelo Judiciário para cumprir a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que prevê a avaliação de todos os abrigados semestralmente. Durante um ano, ela e uma equipe do órgão em regime de exceção - composta por assistentes sociais, oficiais de Justiça e assessores - visitarão todas as casas de acolhimento da Capital para conversar com as crianças e a equipe técnica que as atende, por meio de audiências concentradas.

- A ideia é que se regularize todos os processos, inclusive a inclusão de crianças no Cadastro Nacional de Adoção - explica a juíza.


Juíza ouviu adolescentes que residem no abrigo Quero-Quero na quarta-feira
Foto: Lauro Alves, Agência RBS

O mutirão foi criado depois que um levantamento do Ministério Público revelou que 10% dos acolhidos na Capital (128 crianças) estavam fora do Cadastro Nacional de Adoção mesmo tendo sido destituídos da família biológica. Ou seja, a Justiça determinou que os pais não tem condições de criar os filhos, mas não os incluiu no sistema de adoção, o que os condena a viver nos abrigos.

Outra falha apontada pela pesquisa do MP foi que 510 crianças e adolescentes, quase 40% do total de acolhidos, não possuíam Ações de Destituição do Poder Familiar encaminhadas. O processo, movido pelo MP contra os pais da criança quando eles não têm condições de criar os filhos, é um pedido para que a Justiça destitua o poder legal da família biológica, trâmite necessário para a adoção. Outros 73 abrigados não tinham sequer a ação de acolhimento, que oficializa sua estadia no abrigo.

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Das 150 crianças ouvidas, apenas duas puderam deixar os abrigos

Das cerca de 150 crianças ouvidas até o momento, apenas duas puderam deixar os abrigos, conforme a juíza. As outras têm Ações de Destituição do Poder Familiar tramitando ou aguardam o atendimento das famílias biológicas. Segundo ela, para que as crianças passem menos tempo nessas casas, é preciso que o trabalho de toda a rede seja mais ágil, inclusive do Judiciário. Questionada sobre a validade de um ano do mutirão, Sonáli afirma que é preciso tornar o trabalho permanente.

- Em apenas 12 meses não vamos resolver o problema. O Judiciário está trabalhando com um acúmulo enorme de processos, tanto de medidas de acolhimento como de destituições do poder familiar. São cerca de 5 mil ações para apenas um juiz, que também precisará avaliar semestralmente os acolhidos. É inviável.


Por lei, acolhidos devem passar no máximo dois anos nos abrigos
Foto: Lauro Alves, Agência RBS 

Para sanar os problemas de articulação entre órgãos públicos, essas audiências são acompanhadas pela Secretaria Municipal de Governança Local (SMGL), que ficará responsável pelo diálogo entre o serviço de acolhimento e outras demandas.

- Participaremos das discussões dos processos das crianças e, quando necessário, levaremos as demandas para outras secretarias, como de Habitação, Saúde e Educação - explicou a psicóloga da SMGL Fernanda Kerbes.

Má estrutura e falta de recursos humanos surpreenderam juíza

Durante as primeiras visitas aos abrigos, Sonáli diz ter se surpreendido negativamente com as más condições de limpeza dos locais, o sucateamento estrutural e a falta de recursos humanos para atender os abrigados, como psicólogos e assistentes sociais. Em setembro, uma reportagem de Zero Hora relatou que dos 47 abrigos públicos de Porto Alegre, apenas um não oferecia risco à saúde dos acolhidos.

- Essas crianças são acolhidas para a proteção delas, mas não estão recebendo essa proteção - afirmou a juíza.

O presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), órgão responsável pelo serviço de acolhimento na prefeitura, Marcelo Soares, afirma que já foram investidos mais de R$ 1 milhão em melhorias nos abrigos este ano. No próximo mês, também serão contratados 12 assistentes sociais.

- Desde o início do ano, estamos passando por um processo de readequação e reestruturação do serviço de acolhimento - afirmou Soares.

O presidente ainda acrescentou que, no caso dos abrigos João de Barro e Quero Quero, casas que atendem alguns adolescentes que usaram drogas ou têm risco de envolverem-se em crimes, o município investirá 15% a mais na melhoria da equipe técnica - a organização que fornece os técnicos atualmente será substituída, mediante licitação.


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