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À margem da lei

Moradias do Minha Casa, Minha Vida são revendidas em Porto Alegre

Rádio Gaúcha flagrou a venda ilegal de imóveis por até R$ 35 mil

21/01/2015 - 09h18min

Atualizada em: 21/01/2015 - 09h18min


Maria Eduarda Fortuna
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Maria Eduarda Fortuna / Rádio Gaúcha

À revelia da lei e da fiscalização do governo, um mercado paralelo de venda e compra de apartamentos subsidiados pelo Minha Casa, Minha Vida tomou conta de conjuntos habitacionais da Restinga, na zona sul de Porto Alegre.

Nos quatro condomínios do programa construídos no bairro - Jardim do Paraíso, Camila, Ana Paula e Repouso do Guerreiro -, beneficiários negociam as chaves dos imóveis por preços que variam entre R$ 20 mil e R$ 35 mil. As informações são da Rádio Gaúcha.

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As 1.408 moradias fazem parte da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida e foram consignadas pelo governo federal a pessoas com renda inferior a R$ 1,6 mil. A venda é proibida por lei, mas, na Restinga, não é o que acontece.

A reportagem da Rádio Gaúcha flagrou a venda ilegal de imóveis nos quatro condomínios. As opções para quem compra são variadas: há mais de 40 apartamentos disponíveis em sites de anúncios grátis, redes sociais e cartazes espalhados pelo bairro. A negociação é feita na ilegalidade, a partir de um contrato de gaveta, já que o comprador não poderá ter a escritura da casa em seu nome. Um morador do condomínio Jardim do Paraíso admitiu que o negócio é proibido.

- Na realidade eu não poderia nem te vender, mas minha esposa está grávida e queremos trocar de apartamento. No meu prédio, mais da metade dos apartamentos já são do segundo ou terceiro dono - disse.

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A negociação irregular de imóveis do Minha Casa, Minha Vida não tem apenas a participação dos beneficiários do programa. Até mesmo uma imobiliária da Restinga anuncia em seus sites a venda de apartamentos dos condomínios. Em contato com um dos corretores da PCalcada Imóveis, a reportagem pediu por informações sobre imóveis com valores baixos. De imediato, o corretor ofereceu os apartamentos do programa federal.

- Eu vendo a chave do apartamento, tem que seguir pagando uma prestação. Eles são dos programas de governo, eu tenho no Ana Paula e no Jardim do Paraíso e eles variam na faixa de R$ 24 mil até R$ 26 mil - afirmou.

Quando a reportagem se identificou, porém, o corretor negou a venda de casas do programa. "Essa informação não confere, aqui não, esses apartamentos nem podem ser vendidos."

Uma moradora do condomínio Camila que vendeu a própria casa, subsidiada pelo governo, agora negocia a da tia, que fica ao lado. Ela reforçou que não há riscos para o comprador e que a maioria dos beneficiários na região não habita mais o seu imóvel.

- Tu consegue vender normalmente, mas não pode ir no cartório registrar, senão a pessoa perde a casa. Não poderia vender, mas a gente faz um contrato por fora. Se eles forem procurar os donos das casas vão ter que mandar todo mundo embora, pois desde que a gente foi para lá muita gente já vendeu - disse.

No condomínio Ana Paula, uma família ficou por pouco tempo na moradia e logo se mudou. O dono contou que a esposa, que é a beneficiária, foi morar na casa dele e por isso querem negociar a residência.

- Nós já temos uma casa, então não tem por que ficar com o apartamento. Não tem nenhum problema, o pessoal faz dessa forma, eu não tenho conhecimento de nenhum caso em que tenha ocorrido fiscalização da Caixa.

Caixa admite que só pode fiscalizar mediante denúncia

A Caixa Econômica Federal admite que não há fiscalização para verificar se os beneficiários seguem morando nos apartamentos e que só pode agir mediante denúncia. O superintendente regional de governo da Caixa em Porto Alegre, Pedro Amar Ribeiro de Lacerda, explica que a responsabilidade do banco se encerra com a entrega das chaves dos apartamentos às famílias.

- A partir do momento da entrega dos empreendimentos, quem passa a gerir os condomínios são as próprias famílias. O poder público não tem a responsabilidade de fiscalização, ele apenas tem que gerir os recursos públicos que precisam chegar às pessoas que foram selecionadas. Se houver falha nisso, aí nós entramos em ação no sentido de reintegração da posse.

O superintendente ainda explica as medidas tomadas pelo órgão mediante denúncia.

- Em primeiro lugar, nós notificamos as famílias para que deixem o imóvel, em caso de descumprimento são tomadas medidas judiciais para requerer a posse e, em seguida, uma nova família é sorteada para receber o benefício.

A Caixa já recebeu 13 denúncias sobre os residenciais da Restinga, das quais seis foram improcedentes e sete estão em processo de notificação dos moradores. Nos casos em que foram denunciados e confirmados os indícios de ocupação irregular das unidades, o prazo é de cinco dias para que os moradores se manifestem. Depois disso, o órgão entra com medidas judiciais.

MPF investiga denúncias em outras regiões do RS

Os problemas registrados em condomínios do Minha Casa, Minha Vida não são exclusividade da Restinga. Segundo o Ministério Público Federal, mais de mil casos de irregularidades no programa chegaram ao conhecimento do órgão, que não sabe precisar quantos inquéritos foram abertos para investigar os casos.

No ano passado, foram pelo menos 14 denúncias encaminhadas ao MPF, envolvendo problemas em condomínios Minha Casa, Minha Vida de Alvorada, Santo Antônio da Patrulha, Gravataí e Viamão. O procurador e coordenador criminal do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, José Alexandre Pinto Nunes, explica como o órgão age neste tipo de caso.

- O Ministério Público Federal pode atuar em duas frentes. Uma delas é a parte criminal, promovendo a instalação de um inquérito e oferecimento de denúncia e, na esfera cível, verificando junto à Caixa a adoção de medidas para retomada dos imóveis.

Segundo o procurador, a compra e venda de imóveis pode ser enquadrada na Lei dos Crimes Financeiros, que prevê pena de de dois anos e oito meses a oito anos de prisão, além de estelionato, com pena de reclusão de um ano e quatro meses até seis anos e oito meses.

Quem também recebe denúncias de irregularidades é o Departamento Municipal de Habitação (Demhab). As informações coletadas pelo Demhab são encaminhadas diretamente à Caixa. O diretor adjunto, Marcos Botelho, explica que órgão é responsável pelo cadastro das famílias e pelo sorteio dos beneficiários e que, em seguida,  encaminha a documentação para avaliação e gestão da Caixa Econômica Federal. Ainda assim, ele afirma que o departamento tem se reunido com outros órgãos para discutir e tentar achar soluções para os problemas registrados nos condomínios.

O Conselho Regional de Corretores de Imóveis condena a ação da imobiliária que foi flagrada pela reportagem vendendo apartamentos do Minha Casa, Minha Vida, mas diz que precisa de uma denúncia formal para investigar o caso.

- A imobiliária pode ser autuada e responder a processo se as irregularidades forem comprovadas, mas nós não temos condições de fiscalizar isso em todos os estabelecimentos, então, quando recebermos uma denúncia, nós vamos agir imediatamente - explica.


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