Campo e Lavoura



Fruticultura

Índios viajam de Mato Grosso do Sul a Vacaria para trabalhar na colheita da maçã

Migração ajuda a suprir falta de mão de obra para safra, que atrai mais de 15 mil pessoas de fora da cidade

10/02/2015 - 05h01min

Atualizada em: 10/02/2015 - 05h01min


Joana Colussi - Direto da Índia
Joana Colussi - Direto da Índia
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Lauro Alves / Agencia RBS
Neste ano, a previsão é de uma colheita de 550 mil toneladas da fruta no RS, das quais metade é cultivada em Vacaria

Eles só falam português quando provocados, não desgrudam do tererê e relatam sentir frio em pleno verão gaúcho. Moradores de aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul, das etnias guarani-kaiowá e terena, estão espalhados nos pomares de maçã na região da Serra Gaúcha, uma das principais produtoras da fruta no país.

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De janeiro até maio, na safra das variedades gala e fuji, deixam suas tribos para trabalhar na colheita manual da maçã - que atrai mais de 15 mil trabalhadores de fora da cidade, com pouco mais de 60 mil habitantes.

Tradicionalmente, eram os trabalhadores das Missões e da Fronteira que migravam para a Serra para suprir a falta de mão de obra nessa época. Missioneiros e fronteiriços continuam indo para lá, mas em menor número. Há dois anos, sotaques de índios sul-mato-grossenses predominam nos pomares.

- Está cada vez mais difícil conseguir mão de obra no Estado. Tínhamos muito problema de rotatividade com trabalhadores daqui - conta Nilson Bossardi, sócio-gerente da Frutini Fruticultura, que trouxe 480 indígenas de Mato Grosso do Sul neste ano para ajudar na colheita de 550 hectares de maçã em sete pomares da região.

Um grupo de 41 terenas veio da cidade de Miranda (MS), na região do Pantanal, localizada a 1,4 mil quilômetro de Vacaria. Morador da aldeia Anastácia, Ivan dos Santos, 29 anos, nunca havia viajado tão longe.

- Aqui é muito frio. Não sei como vocês aguentam - comentou Santos quando questionado sobre as impressões de sua primeira estada no Rio Grande do Sul.

Antes de vir para o Estado, Santos trabalhava em um curtume em Campo Grande (MS). Ganhava R$ 990 por mês e gastava com aluguel e alimentação. Em Vacaria, receberá R$ 883 fixos e registrados na carteira de trabalho, horas extras e prêmio produção se atingir a meta diária de colheita. Alojamento e alimentação são por conta da empresa.

Em 70 dias, planeja tirar até R$ 5 mil. Para isso, terá de quase dobrar a meta diária de 90 sacolas colhidas no chão ou 75 na escada. A cada sacola extra, com média de 10 quilos, ele ganha R$ 0,50 a mais.

- Trabalhar não é problema. Difícil é a saudade - revela Santos, ao falar sobre a mulher e a filha de 12 anos.

A distância e a falta da aldeia são amenizadas pela companhia dos demais indígenas, com os quais fala praticamente só na língua terena e divide o hábito de tomar tererê (bebida gelada feita com erva-mate e limão). Acostumados a trabalhar em lavouras de cana-de-açúcar, muitos ficaram sem ocupação com a mecanização aplicada nos canaviais.

- Lá, a gente trabalha por dia, em lavouras ou em construções, mas em um dia tem serviço e no outro, não - relata Modesto Fernandes, 43 anos, cacique da aldeia Bororó, de Dourados (MS).


Colheita atrai mais de 15 mil trabalhadores a Vacaria, que montou operação especial para organizar a migração (Foto Lauro Alves/Agência RBS)

Operação para reduzir os conflitos

A atividade que gera mais de 30% da riqueza de Vacaria é a mesma que durante anos provocou problemas sociais e de segurança no período da safra. Com o aumento expressivo da população em um curto período, a cidade enfrentava conflitos que iam de hospitais lotados a assaltos.

- Sempre houve competição do cidadão vacariano com trabalhadores de fora. Nos organizamos  para reduzirmos esses problemas. O desenvolvimento inevitavelmente causa alguns transtornos - avalia o prefeito Elói Poltronieri (PT).

Desde a safra passada, órgãos de segurança e de emprego, prefeitura e produtores se uniram na  Operação Safra, de janeiro a maio. Assim como na Operação Golfinho, realizada no litoral gaúcho durante o verão, agentes civis e militares são deslocados para a região no período da colheita. Antes de buscar trabalhadores em suas cidade, as empresas passam à Polícia Civil a lista com os nomes.

- Fazemos a checagem para evitar que foragidos ou pessoas com pendências judiciais se aproveitem e se juntem aos trabalhadores - explica o agente Antônio Dalmolin, coordenador da Operação Safra pela Polícia Civil.

Em 2014, foram efetuadas 18 prisões durante a operação. Neste ano, desde 12 de janeiro, foram detidas quatro pessoas. Além da segurança, há ações nas áreas de saúde e ação social. Na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, também é oferecido atendimento odontológico no período da noite, das 17h às 21h, além de dois médicos durante o dia.

- É comum o temporário ter dúvidas sobre jornada ou salário, por exemplo. Prestamos essa assistência também - diz Sérgio Poletto, presidente do sindicato.

Organização integrada

- Segurança: agentes civis e militares foram deslocados à região de Vacaria para reforçar a segurança no período de safra. As ações vão de visitas a pomares para se aproximar dos trabalhadores até orientação aos produtores em eventuais ocorrências.

- Saúde: uma unidade básica de saúde funciona em um turno extra, das 17h as 21h, exclusivamente para atendimento de temporários que trabalham na colheita da maçã. Atendimento odontológico é prestado no Sindicato dos Trabalhadores Rurais em horário especial, das 19h às 21h.

- Assistência social: trabalhadores que por algum motivo desistem do trabalho recebem assistência do município para retornarem a suas cidades, da compra da passagem ao embarque.

- Transporte: no terminal de passageiros de Vacaria, foi instalado um posto da Brigada Militar para realizar orientação dos trabalhadores que chegam a cidade ou retornam para seus locais de origem.


Chegada de índios e rotina de trabalho são monitoradas pelo Conselho Indigenista Missionário (Foto Lauro Alves/Agência RBS)

Migração deixa indigenistas em alerta

O movimento de índios do Centro-Oeste brasileiro para a colheita da maçã no Rio Grande do Sul, segundo maior produtor da fruta no país, é acompanhado com preocupação pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

- Os índios saem das aldeias e ficam ausentes por meses. Às vezes, a família passa necessidade nesse período. Há também a questão da incerteza. É um drama psicocultural que seria evitado se conseguissem extrair o sustento de suas própria áreas - afirma Roberto Liebgott, integrante do Cimi no Estado.

Na semana passada, o Cimi registrou no Ministério Público do Trabalho de Caxias do Sul denúncia feita por um terena que regressou a Mato Grosso do Sul. De acordo com o relato, as condições de alojamento não seriam adequadas e o salário não era o combinado. Na sexta-feira, a fiscalização do Ministério do Trabalho foi até o local e não constatou irregularidades.

- Não encontramos elementos que comprovassem a denúncia. Mas continuaremos fiscalizando as condições de trabalho até o final da safra - disse Vanius Corte, gerente do Ministério do Trabalho de Caxias do Sul.


De dois anos para cá, sotaques de índios sul-mato-grossenses predominam nos pomares (Foto Lauro Alves/Agência RBS)

Força temporária é disputada na Serra

A migração de nordestinos e indígenas para a colheita da maçã ganhou força nos últimos dois anos, quando se tornou mais difícil conseguir mão de obra nos
Estados da Região Sul.

- Os produtores estão precisando ir buscar trabalhadores cada vez mais longe. É uma questão de necessidade, já que toda a colheita é manual - explica José Maria Reckziegel, presidente da Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi).

A associação não tem números exatos de quantas pessoas vêm de fora do Rio Grande do Sul para a colheita, mas confirma que esse número cresce a cada ano. Além dos contratados previamente, muitos acabam migrando para a cidade nesta época em busca de emprego.

- Graças a essas pessoas, é possível realizar a colheita - ressalta Eduardo Pagot, secretário da Agricultura de Vacaria.


Boa parte das maçãs colhidas agora vai direto para câmaras frias, onde ficam por vários meses (Foto Lauro Alves/Agência RBS)

Frescas para venda o ano  todo no país

Conservadas em câmaras frias, as 550 mil toneladas de maçãs que serão colhidas na safra de verão irão abastecer o mercado brasileiro durante o ano. A tecnologia de armazenagem, em baixas temperaturas, possibilita ampliar o tempo de vida das frutas.

Boa parte das maçãs colhidas nos pomares do Rio Grande do Sul nesta época do ano vai direto para câmaras frias de empresas de fruticultura. De lá, só sairão na hora de ir para o varejo, quando passarão por uma classificação conforme a categoria.

- A temperatura e a quantidade de oxigênio nas câmaras frias são controladas 24 horas por dia.Qualquer alteração pode comprometer a qualidade da fruta - explica Ricardo Arruda, agrônomo da Frutini, de Vacaria.

A partir de maio, quando a colheita acaba na Região Sul, a fruta armazenada começa a ser comercializada em maior volume. Historicamente, 10% a 15% da produção nacional é exportada. Neste ano, segundo a Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi), a previsão é que os embarques caiam pela metade.

- Nosso principal mercado é a Europa, que agora diminuiu as compras - destaca o presidente da entidade, José Maria Reckziegel.

O maior produtor nacional de maçã é Santa Catarina, com pouco mais de 600 mil toneladas. O  Estado vizinho e o Rio Grande do Sul produzem, juntos, 98% da safra brasileira da fruta. A variedade mais cultivada é a gala, cerca de 60% da área, seguida da fuji, cultivada em 35% dos pomares. Outros 5% são de variedades como a pink lady, de origem australiana e preferida dos importadores.


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