Economia



Com a Palavra

José Galló: "Chegou a hora da conta" para o Brasil

Presidente das Lojas Renner afirma que tensão econômica é resultado de políticas que reduziram preços de forma artificial

28/03/2015 - 12h01min

Atualizada em: 28/03/2015 - 12h01min


Caio Cigana
Enviar E-mail

Em 2005, Renner passou a ter capital pulverizado na Bolsa

Lauro Alves / Agencia RBS
Empresário comemora valorização média anual de 30% das ações da companhia

Em meio ao expediente, um brinde com espumante. Diretores e gerentes da Lojas Renner celebraram com o presidente da companhia, José Galló, mais uma marca para deixar os acionistas felizes. As ações da empresa, que têm se valorizado em média 30% ao ano, ultrapassavam a barreira dos R$ 80.

Boa parte deste desempenho é atribuído a Galló. Quando chegou à Renner, em 1991, liderou a mudança de perfil da empresa, que deixou de ser uma rede de departamentos para se especializar em moda. Em 2005, passou a ser a primeira companhia a ter o capital pulverizado na Bovespa - ou seja, uma empresa sem dono. Com um faturamento de R$ 4,6 bilhões, desde o ano passado com lojas em todos os Estados e líder no varejo de vestuário no país, a Renner não teme a crise econômica nem os seus reflexos para o varejo.

Galló concedeu entrevista, dividida em três partes, semanas atrás. No trecho da conversa reproduzido abaixo, Galló fala sobre a turbulência atravessada pelo país e a maneira com que a empresa encara as dificuldades econômicas:

O varejo teve uma década fantástica, com aumento da renda e do emprego, o que gerou uma onda de consumo que beneficiou o setor. Mas o crescimento pelo consumo parece ter se esgotado, concorda?

Os ventos nos foram favoráveis. Toda esta situação do crescimento da China nos beneficiou, colocou recursos no Brasil, trouxe geração de empregos, aumento de renda e, mais importante do que isso, todos os consumidores fizeram um upgrade de classe. Passasam da C para a B, da B para a A. Quando as pessoas passam a ter uma renda a mais, quem não ia no cabeleireiro e na academia passa a ir, e isso cria empregos. Grande parte dos empregos foi gerada no setor de serviços. E teve a questão de que o governo criou uma série de incentivos (a partir do final de 2008), como a redução de IPI, que colocou uma força adicional no consumo. Agora, o cenário mudou. A China já não cresce mais tanto. Se diz que estamos em uma recessão, e o consumo está caindo. Ousaria dizer que, em determinadas categorias, o consumo cairia de qualquer forma. Principalmente de eletrodomésticos e bens duráveis. Porque todo esse pessoal que entrou no mercado tinha uma grande demanda de refrigeradores, fogões, televisores, automóveis. Esse pessoal já comprou.

Confira outros trechos da entrevista
"A Renner sempre cresceu em momentos de crise"
"No RS, vejo egos, debates que não levam para lugar nenhum"

Como fica o varejo nesse cenário?

Havia uma demanda reprimida que foi preenchida. Então, se você projeta a economia, vinha assim, entra a classe C com a demanda comprimida e o consumo faz assim (risca uma curva acentuada para cima). Você não pode projetar o consumo como uma continuidade disso. A normalidade é outra. Houve algo não recorrente. É óbvio que, associado a isso, a redução do preço das commodities (matérias-primas básicas) e do vigor da economia está dando no que está dando. Nesse período, o dólar também acabou artificialmente contido. Isso fez com que várias indústrias passassem a importar componentes, o que signifca redução de empregos aqui. Fora isso, para conter a inflação, houve freio no preço da gasolina, redução artificial no preço da energia, e bancos públicos foram incentivados a dar crédito acima da normalidade. Todos os artificialismos um dia cobram a conta. Então, chegou a hora da conta para o Brasil.

Mas como o senhor projeta o desempenho do setor com a retração da economia e os aumentos de gasolina e energia, por exemplo?

Nesse período de crescimento, de quase euforia, era uma situação em que todo mundo ia bem: o competente, o meio competente e o não competente. O mercado era totalmente favorável. Quando há uma volta à normalidade, há o teste de quem realmente agrega valor, tem diferenciais competitivos e quem não tem. Agora, chegou a hora da verdade. Quem tem diferenciais competitivos, faz proposições de valor consistentes para o consumidor, fica. Quem não tem, cai fora do jogo. Vai haver uma seleção natural. Muitas vezes falei com pequenos e médios empresários que, quando as coisas não iam tão bem e as vendas caíam, diziam que estavam com problemas financeiros. Isso não existe. Existem problemas mercadológicos que geram problemas financeiros. Aí você vende o carro para colocar (o dinheiro) no negócio porque fez diagnóstico de que o problema era financeiro. Depois, vende a casa na praia. Quando você não tem diferencial, não vende e passa a ter problemas financeiros. A parte maior da redução de consumo não ocorre porque está se diminuindo a renda ou a massa salarial. Ocorre por falta de confiança do consumidor em relação ao futuro.

Gregório Duvivier: "A fé dos outros não pode ser intocável"
Fernando Meirelles: "A nova TV está engolindo o cinema"
"O perfil jovem hoje pode estar desvinculado da idade", diz pesquisador de tendências

No início do ano, em uma reunião com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, empresários ligados ao Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) disseram que o essencial seria recompor a confiança. Como o senhor está vendo os primeiros passos da nova equipe econômica de, ao dar notícias ruins, recuperar a confiança, por mais paradoxal que isso possa parecer?

A confiança do consumidor e a confiança no país estão em queda. O ministro tem de começar por um desses pontos. É mais urgente restabelecer a confiança no país. Então, ele tem de defender essas medidas. Não porque ele quer. A situação do país é muito complicada. Estamos com todos os déficits possíveis. Se nesse caldeirão agregar uma desconfiança maior, o problema fica muito sério. O que faz uma família que gasta mais do que recebe, que fez uma extravagância? Se continuássemos nessa tendência em que vínhamos, daqui a três anos estaríamos quebrados. Essa situação se reverte com medidas austeras de redução de despesas. É preciso credibilidade para que os investidores continuem colocando (dinheiro) aqui. É óbvio que isso tem um estrago interno. Mas ele está fazendo o menos pior. E agora o dólar em um patamar mais elevado vai ajudar a indústria, as exportações. Se (o governo) começar a reduzir os déficits, as exportações podem ajudar a elevar o emprego na indústria. Mas isso vai levar de dois a três anos. Este ano e 2016 são anos de estabilizar. Se tudo der certo, em 2017 a gente começa a ver um horizonte de leve crescimento. O varejo sofre mais por queda de confiança do que queda de poder aquisitivo. As marcas fortes ganham nesse período. Se estou inseguro, vou comprar de uma marca segura. Quem investiu em marca vai se sair melhor.

Leia outras entrevistas da seção Com a Palavra


MAIS SOBRE

Últimas Notícias