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Tráfico e insegurança

Violência padrão Rio se espalha em Porto Alegre

Conflitos em todas as regiões expõem população à rotina de crimes com mortes, criando situação que lembra a capital fluminense

29/04/2015 - 04h03min

Atualizada em: 29/04/2015 - 04h03min


Carlos Ismael Moreira
Carlos Ismael Moreira
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Carlos Macedo / Agencia RBS
Dois homens foram assassinados por volta do meio-dia de segunda-feira na Zona Norte de Porto Alegre com mais de 60 tiros

Não há dia, hora e muito menos local. Rajadas de tiros em ruas movimentadas e à luz do dia, balas que zunem em todas as direções e atentados que ignoram a presença de inocentes expõem a população de Porto Alegre à guerra entre traficantes que se espalha pela cidade. A situação leva especialistas e autoridades a compararem a realidade da Capital com a do Rio de Janeiro.

Na segunda-feira, dois homens foram executados com mais de 60 tiros ao meio-dia, entre as avenidas Sertório e Assis Brasil, na Zona Norte. Há pouco mais de uma semana, um trio de criminosos incendiou um ônibus na entrada do Beco dos Cafunchos, na Zona Leste. Três dias antes, em pleno Centro, um homem foi morto com mais de 20 disparos em um ônibus.

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De acordo com o diretor do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegado Paulo Grillo, cerca de 80% dos homicídios na Capital têm alguma relação com o tráfico de drogas, motivados por vingança, acertos de contas e disputas por território:

- É quase uma guerra, com conflitos bastante pulverizados e pontos conflagrados por toda a cidade.

Nesta terça-feira, a Secretaria de Segurança Pública divulgou índices de criminalidade do primeiro trimestre que mostram estabilidade no número de assassinatos na Capital - foram 157 neste ano e 159 no mesmo período de 2014. Na avaliação de Grillo, é a ousadia dos crimes que deixa a população perplexa.

Segundo o delegado Filipe Bringhenti, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, a execução na Avenida Farrapos é um exemplo da determinação dos traficantes em alcançar seus alvos, independentemente do contexto.

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- A vítima foi seguida desde o Passo das Pedras. Em um Palio branco, os suspeitos esperavam que o homem desembarcasse mas, como o ônibus já estava no Centro e ele não havia descido, decidiram entrar no veículo e o mataram lá dentro mesmo - relata Bringhenti, acrescentando que a região tende a ser ponto de convergência desse tipo de conflito.

O incêndio do ônibus seria mais uma retaliação ao assassinato do traficante Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, 35 anos, morto em janeiro em ataque do qual Cristiano Souza da Fonseca, o Tereu, 32 anos, é investigado como possível mandante.

Tereu é apontado pela polícia como líder do tráfico no Beco do Cafunchos, que desde a semana passada foi ocupado pela BM. A suspeita é de que o atentado ao coletivo pretendesse justamente provocar a tomada da região pela polícia para estrangular a atividade criminosa do rival.

- O RS está evoluindo para situações semelhantes às do Rio de Janeiro. Em alguns casos, os criminosos enfrentam o Estado em condições até mesmo desiguais - diz o delegado Paulo Perez, de Tramandaí, que apura a morte de Xandi.

O sociólogo Juan Mario Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da UFRGS, faz análise semelhante:

- Porto Alegre está alcançando o ponto em que o Rio chegou muito tempo atrás. O perigo do conflito bélico entre os criminosos extrapola os limites de suas bases.

Apesar da violência pulverizada, o tenente-coronel Mário Ikeda, à frente do Comando de Policiamento da Capital, não vê termos para comparação:

- Hoje não há nenhum ponto em Porto Alegre onde viaturas da Brigada não entrem.

Para o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico, as regiões que mais preocupam são Restinga e Lomba do Pinheiro.

Principais áreas conflagradas

No Morro da Conceição, Paulo Ricardo Santos da Silva, o Paulão da Conceição, dominava um império de tráfico até 2010. Após a prisão de Paulão, houve um racha na quadrilha. Integrantes do bando contrários ao antigo líder buscaram apoio de criminosos da Vila Cruzeiro (gangue V7) e da Restinga (gangue dos Primeira) para assumir o domínio do morro. Como consequência da disputa, já foram registrados tiroteios na região da Pedreira, na Vila Cruzeiro, e na área conhecida como Baixada, na Vila Maria da Conceição.

Na Restinga, além do bando dos Primeira, que tem apoiado criminosos da Vila Cruzeiro na tentativa de tomada do Morro da Conceição, a polícia já identificou pelo menos 18 gangues de tráfico que travam disputas internas por território no extremo sul da Capital.

No bairro Vila Nova, o loteamento Campos do Cristal recentemente foi palco de um violento confronto armado entre traficantes, que resultou na morte de uma menina de sete anos, atingida na cabeça por uma bala perdida de fuzil enquanto dormia. Há pelo menos dois anos, três grupos de vilas vizinhas ao redor da Estrada Cristiano Kraemer se enfrentam.

Assolado por uma sequência de homicídios e tiroteios, o bairro Mario Quintana, na Zona Norte, segue conflagrado, embora os episódios tenham diminuído. Há pelo menos quatro grupos em guerra na área. Criminosos da gangue dos Minhocas, que dominam o território também no bairro Jardim Protásio Alves, disputam com um bando do loteamento Timbaúva. No Jardim Planalto, o bando dos Bugmaer trava conflito com traficantes da Vila Jardim.

Denarc tenta desfalcar quadrilhas

Os conflitos entre traficantes na Capital refletem a atual organização dos grupos, avalia o Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc). Alianças entre facções se formam de acordo com interesses pontuais. Mas a fragilidade desses acordos deixa margem para que parceiros virem rivais da noite para o dia.

- As alianças não se desfazem necessariamente por questão financeira ou domínio de território. Às vezes, são disputas por liderança, um membro que tenta crescer dentro da quadrilha ou tomar para si uma região na qual era responsável como subordinado e até mesmo desavenças pessoais - explica o diretor de investigações do Denarc, delegado Leonel Carivali.

Na Restinga e Lomba do Pinheiro foram realizadas oito ações que resultaram em mais de 10 prisões neste ano. No mesmo período, em toda a Capital, foram deflagradas mais de 50 operações, com cerca de 200 presos. O desfalque no patrimônio das quadrilhas - apreensões de drogas, armas, dinheiro e veículos - já supera R$ 2 milhões.

Segundo o diretor do departamento, delegado Emerson Wendt, o desafio é conseguir comprovar a relação entre a droga recolhida e os suspeitos capturados com os líderes dos bandos. Apesar das ofensivas, o risco de os conflitos extrapolarem as áreas de atuação dos traficantes não é descartado.

- É muito mais fácil para um grupo que busca um alvo rival atacá-lo fora do seu território. É aí que se desenha o risco de ações em outras partes da cidade - avalia Wendt.

Para o tenente-coronel Mário Ikeda, comandante do Comando de Policiamento da Capital, os casos de vítimas sem relação com o tráfico nesses confrontos são situações isoladas.


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