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Opinião

Rodrigo Müzell: por que não vou comemorar - ainda

O problema do futebol é maior, e está em um sistema que não deve melhorar tão cedo - simplesmente porque não interessa a ninguém mudar

29/05/2015 - 17h47min

Atualizada em: 29/05/2015 - 17h47min


Rodrigo Müzell
Rodrigo Müzell
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Fabrice Coffrini / AFP

Queria mesmo estar otimista. Afinal, amo futebol e vi, nesta semana, que é possível ver dirigentes há anos acusados de corrupção passarem um tempo na cadeia. Vi o presidente da Fifa Joseph Blatter, que senta na mesma cadeira desde 1998, ter oposição forte pela primeira vez. Vi o nome de um dirigente que roubou até medalha de campeonato de juniores ter seu nome retirado do prédio da CBF. É para comemorar, não?

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Nada disso. O problema é maior, e está em um sistema que não deve melhorar tão cedo - simplesmente porque não interessa a ninguém mudar.

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Blatter - e, antes dele, João Havelange -  consolidaram seu poder dando milhões de dólares para presidentes das federações fora da Europa, especialmente na África e Ásia. Aumentaram o espaço para esses países nas competições internacionais, dobrando o número de times na Copa do Mundo e ampliando o Mundial de Clubes, por exemplo. Isso, em tese, é bom. Só em tese: a grana acabava na mão de corruptos ou pior, ditadores sanguinários, o que, na prática, é horrível. Nesses países, a piazada segue jogando bola no areião, e os dirigentes, andando de jatinho.

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Agora os europeus finalmente têm chance de, cedo ou tarde, derrubar Blatter e moralizar a coisa. Ótimo? Sei não. A cada quatro anos, seus candidatos precisarão de votos na Fifa. A Europa tem 54 - os outros 155 precisam ser conquistados. Tarefa tranquila caso a Fifa sob mão europeia realmente melhore os jogos de futebol mundo afora. Mas aí temos um problema econômico ilustrado por um amigo meu da Malásia.

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Conheci Marc Lourdes em um intercâmbio. É um fanático. Nasceu e cresceu em Kuala Lumpur, e seu time do coração é o... Manchester United. Ele assiste a todos jogos. Seus amigos malaios, também. Isso exige que a TV malaia compre os direitos de transmissão da Premier League. Ele compra uma camiseta do ManU por ano, no mínimo. Quando foi para a Inglaterra, correu ao Old Trafford para deixar libras na lojinha.

Por caras como ele, os clubes são prioridade total, na Europa. É preciso ter ligas incríveis para que asiáticos como o Marc, africanos e, cada vez mais, americanos do norte e do sul assistam. Por que dirigentes europeus desenvolveriam o futebol em países que consomem os campeonatos do Velho Mundo? Ou seguiriam "emprestando" craques para seleções a toda hora? Ou interromperiam suas ligas para jogar o Mundial de Clubes? Não é mais fácil molhar a mão dos dirigentes que hoje apoiam Blatter, e antes apoiaram Havelange? (Provavelmente aumentando um pouquinho a pressão para evitar corrupção descarada e chamar menos a atenção.)

Muito pessimista? Talvez. Mas o mais fácil costuma prevalecer, sobretudo com bilhões de dólares em jogo. Eu é que não vou comemorar ainda.

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