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Operação Lava-Jato

Ação da Polícia Federal colocou na prisão Othon Luiz Pinheiro da Silva, o cientista militar que sabe demais

Conhecido pela inteligência, ele teria ajudado a Odebrecht a ganhar contratos

01/08/2015 - 16h04min

Atualizada em: 01/08/2015 - 16h04min


Humberto Trezzi / Brasília
Humberto Trezzi / Brasília
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ALAOR FILHO / AGENCIA ESTADO
Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear

O choque na caserna é grande. Em sua primeira incursão fora da Petrobras, a Operação Lava-Jato colocou na cadeia o vice-almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva, um dos idealizadores do complexo industrial-militar montado para dotar o país de energia nuclear. A prisão foi decretada por suspeita de que, ao mesmo tempo em que trabalhava em estatais, ele tenha lavado dinheiro de empreiteiras por meio de uma consultoria privada própria. As construtoras são as mesmas investigadas no escândalo de corrupção da petrolífera.

Presidente licenciado da Eletronuclear teria recebido R$ 4,5 milhões de propina

Para ter uma ideia de por que Othon, 76 anos, tornou-se ícone entre os cientistas nucleares brasileiros, basta conferir seu currículo. O vice-almirante foi diretor de pesquisas de reatores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) entre 1982 e 1984. É também fundador e foi responsável pelo Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos (entre 1979 e 1994). Ele se credenciou para isso ao obter especialização em engenharia nuclear nos EUA.

Humberto Trezzi: propina radioativa

Othon é o autor do projeto de concepção de ultracentrífugas para enriquecimento de urânio e da instalação de propulsão nuclear para submarinos no país. Conquistou, ainda na carreira militar, o mais alto posto para os engenheiros navais: o de vice-almirante.

Após ir para a reserva, em 1994, virou empresário, mas não abandonou os contatos no governo. Tanto que em outubro de 2005 foi guindado à presidência da Eletronuclear - Eletrobrás Termonuclear, que fica no Rio de Janeiro e responde pela construção e gerenciamento das usinas nucleares.

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Em paralelo, supervisiona o programa de submarinos nucleares. Esse é um dos pontos nevrálgicos na investigação da Lava-Jato. Othon teria viabilizado que a Odebrecht fosse contratada para construir o estaleiro e a base naval em Itaguaí (RJ), onde serão montados quatro submarinos convencionais e um nuclear. O acordo de 2009, uma parceria Brasil­-França, envolve 6,7 bilhões de euros (cerca de R$ 25 bilhões).

Só seis países têm submarinos nucleares, aparelhos que podem ficar mais de 40 dias sem subir à superfície, enquanto os convencionais necessitam ir à tona depois de algumas horas de mergulho (o que os torna alvos fáceis).

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O contrato com a Odebrecht foi sem licitação, o que desagradou a outras empreiteiras e chamou atenção dos investigadores da Polícia Federal. Um dos maiores especialistas no cenário militar e editor do site Defesanet.com, Nelson Düring é só elogios para Othon, a quem conhece. E sugere cautela. Ele diz que a performance do vice-almirante à frente do programa nuclear é irretocável, como "um homem que faz as coisas andarem, além das burocracias".

Especialista ressalta que setor é alvo de interesses

Em relação aos R$ 4 milhões repassados por empreiteiras à empresa de Othon -, Düring pondera:

- É uma área que poucos dominam, R$ 1 milhão por ano não é demais para um expert como ele. Tem de cuidar para que a investigação de uma situação particular, como a de Othon, não detone uma meta estratégica do país, a autonomia em energia nuclear. E que contraria muitos interesses.

Othon disse que os valores se referem a traduções efetuadas por sua filha e serviços de engenharia prestados por seu genro às empreiteiras.

Repasses teriam sido feitos por meio de empresas de fachada

O uso de empresas de fachada para receber valores por consultorias - mesmo sendo dirigente de uma estatal - é mencionado na prisão temporária de Othon Luiz Pinheiro da Silva, determinada pelo juiz Sergio Moro.

O magistrado expõe uma série de irregularidades apontadas pela PF e que indicam sinais de corrupção. É registrado também "possível conflito de interesses" pelo fato de o vice-almirante da reserva ser, ao mesmo tempo, presidente da Eletronuclear e receber pagamentos privados como proprietário da empresa Aratec Engenharia, Consultoria & Representações Ltda. Essa empresa, entre 2005 e 2013, não tinha sequer empregado registrado. Um funcionário foi contratado em 2013, o que os investigadores apontam como indício de a firma ser apenas fachada.

O que Moro define como o indício mais relevante é que a Aratec recebeu pagamento das empreiteiras Andrade Gutierrez e Engevix, ambas com contratos com a Eletronuclear. O repasse teria sido feito por meio de "empresas com características de serem de fachada", segundo o juiz.

Uma delas, a CG Consultoria recebeu, entre 2009 e 2012, R$ 2,9 milhões da Andrade Gutierrez e transferiu, entre 2009 a 2014, R$ 2,6 milhões para a Aratec. A CG não tem empregados e, na prática, descontados os custos tributários, repassou o recebido da Andrade Gutierrez à Aratec. Já a JNobre Engenharia (que tem o mesmo endereço da CG) depositou R$ 792 mil nos anos de 2012 a 2013 na conta da Aratec. No mesmo período, recebeu R$ 1,4 milhão da Andrade Gutierrez. "Está identificado um padrão de recebimento e repasse de valores da Andrade Gutierrez para a Aratec, utilizando empresas intermediárias", interpreta o juiz.

Além da Andrade Gutierrez, as empreiteiras UTC, Camargo Corrêa e Techint realizaram pagamentos que somaram R$ 371,4 mil, entre 2010 e 2013, diretamente nas contas da Aratec. Isso quando Othon já era presidente da Eletronuclear.

Moro diz que deve julgar nova frente da Lava-Jato

Moro se embasa em depoimento do delator Dalton Avancini, ex-dirigente da Camargo Corrêa, que também faz parte do consórcio de Angra 3. Ele indica que empreiteiras teriam repassado propina, indiretamente, a Othon mediante empresas intermediadoras e simulação de contratos de serviços.

No despacho, o magistrado afirma que não há indícios de corrupção de Othon em período anterior à passagem dele para reserva (1994), mas apenas no exercício de atividade meramente civil.

Quem é Othon Luiz Pinheiro da Silva

- É natural de Sumidouro (RJ) e tem 76 anos.

- Formou-se pela Escola Naval em 1960. Formou-se em Engenharia Naval pela Escola Politécnica de São Paulo em 1966.

- Em 1978, obteve especialização no Massachusetts Institute of Technology (MIT).

- Recebeu diversos prêmios, entre os quais a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.


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