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Abuso sexual

Em entrevista, vítima que foi estuprada conta como superou o trauma e virou ativista

Laura Muller Sagrilo foi atacada em Santa Maria, em 2002. Sofreu, superou e hoje ajuda outras pessoas

01/08/2015 - 07h08min

Atualizada em: 01/08/2015 - 07h08min


Naion Curcino
Naion Curcino
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Maiara Bersch / Agencia RBS

Laura Muller Sagrilo diz que sua vida se divide em antes e depois de 14 de outubro de 2002. Às 19h daquele dia, ao descer do ônibus que tomara para ir ao cursinho, em Santa Maria, foi atacada e rendida por um homem armado com faca.

- Foi tudo muito rápido. Aquilo que falam, de passar um filme na sua frente, é verdade. Em segundos, pensei centenas de coisas - recorda.

O homem estava determinado a agredi-la sexualmente, e nem a oferta de dinheiro o demoveu: forçou a adolescente de 15 anos a beijá-lo, enquanto se dirigiam para a gare, à época, abandonada. As tentativas de diálogo foram infrutíferas e, após uma tentativa de fuga, Laura foi arrastada pelos cabelos e estuprada três vezes.

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A jovem, hoje com 28 anos, não tem medo de contar sua história. Grávida do segundo filho, a santa-mariense - que agora mora em Ouro Preto (MG) - dedica-se a dar palestras sobre como identificar, enfrentar e evitar o abuso sexual. 

Há um ano e meio, ela criou o projeto Fênix, uma página no Facebook onde recebe relatos e depoimentos de pessoas que foram vítimas de algum tipo de violência sexual. Além disso, é co-fundadora do movimento Eu Não Mereço Ser Estuprada, que teve grande repercussão no ano passado, inclusive recebendo o apoio de várias celebridades.

No dia último dia 24, Laura esteve na cidade para falar sobre o tema em um bate-papo no Boteco do Rosário. Na sequência, contou ao Diário sobre sua experiência. Revelou que seu algoz foi preso e que cumpriu sete anos de pena, o que não evitou que ela convivesse com pesadelos, queda no rendimento escolar, depressão e síndrome do pânico. Laura, no entanto, revelou que o pior foi enfrentar a postura de alguns amigos e familiares, que a culparam pelo estupro por estar vestindo saia.

Ela conta que só conseguiu virar a página em 2011, quando foi mãe pela primeira vez. No ano seguinte, quando se completaram 10 anos do dia do estupro, ela decidiu voltar ao local onde tudo aconteceu. Em uma tarde de sol, junto com amigas de longa data, Laura teve a certeza de que aquela ferida havia cicatrizado. O trauma foi superado, entretanto, nunca será esquecido.

- A partir desse dia, eu só pensava que não havia sido a primeira e não seria a última, que qualquer mulher estava à mercê de alguém mais forte e com intenção de estuprar. Que no mesmo dia, outras mulheres também foram estupradas e muitas mortas e eu tinha que fazer algo para evitar isso - conta.

O ESTUPRO

"Eu ofereci dinheiro e ele apenas disse: ‘não quero nada de você’. Nesse momento, sabia o que ele pretendia fazer, e eu só pensava em ficar viva. Ele ficava passando a faca no meu rosto, nos braços e pernas. Eu não chorava, mas tremia muito. Eu rezava, não chorava, estava em choque, esperando que me matasse logo e que aquela tortura acabasse. Ele me largou no ponto de ônibus e saiu. Eu só queria ir para casa. Atravessei Santa Maria de ônibus e ninguém me ofereceu ajuda. Quando contei para minha mãe, o desespero foi grande. Ela me colocou no colo e tentou limpar o sangue. Eu só queria ir na delegacia, ainda não sentia dor e nem percebia meus ferimentos."

NO HOSPITAL

"A via-crúcis pós-estupro foi o que me deixou pior ainda. Pior que o estupro é o descaso com a vítima por parte de algumas pessoas. Quem melhor me tratou nesse processo delicado, em que eu estava em choque e fisicamente debilitada, foram os delegados Marcelo Arigony e Débora Dias. No hospital, fui tratada como mais uma mulher estuprada. Depois de feita a ocorrência (policial), fui encaminhada ao hospital, onde passei pelo meu primeiro exame ginecológico, com um homem. Recebi medicação e fui para casa com a recomendação de não tomar banho, pois o exame de corpo de delito só seria realizado na tarde do outro dia. Depois de feito o exame, com a coleta do sêmen que estava em mim, fui para casa e tomei o melhor banho da minha vida."

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO

"Os primeiros profissionais me medicaram até eu não poder mais. Vivia como uma zumbi. Cheguei a tomar cerca de seis medicamentos diferentes, mal comia. Dormia com remédio, acordava com remédio."

A PRISÃO DO CRIMINOSO

"O vi pelo vidro espelhado (da delegacia). Era ele. Sei que foi preso, condenado, mas hoje está solto. Saiu por bom comportamento."

DEPRESSÃO

"Não queria mais viver, tentei tirar minha vida. A relação com minha mãe foi abalada. Tive depressão, engordei, tinha picos de extrema alegria e de extremo isolamento. Superei com a ajuda de amigos, da minha mãe e irmã. Nunca me calei, nunca escondi. Superei, mas jamais vou esquecer."

PRECONCEITO

"Não interessa o que você vestia, onde você estava, com quem estava, como estava, se tinha parceiro ou nunca transou, nada dá o direito de ninguém tocar em você sem você querer. Por que nunca vão perguntar aos estupradores por que estupram? Por que acabam com vidas? Que direito eles pensam que têm? A vítima não tem culpa de nada e é importante que a família nunca duvide disso."

A VIRADA

"Eu só pensava que não havia sido a primeira e não seria a última, que qualquer mulher estava à mercê de alguém mais forte e com intenção de estuprar. Que no mesmo dia outras mulheres também foram estupradas e muitas mortas e eu tinha que fazer algo para evitar isso."

"Sei que a alma sangra, que morremos, mas somos capazes de renascer das cinzas, como a Fênix. O mundo ainda pode ser vivido e ainda podemos amar e ser amadas, com respeito, carinho e amor."


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