Campo e Lavoura



Cautela em Esteio

Prioridade diante da crise econômica, gestão será um dos principais temas da Expointer

Feira, que começa neste sábado, deve refletir preocupação em controle das contas e eficiência no campo

29/08/2015 - 06h03min

Atualizada em: 29/08/2015 - 06h03min


Cadu Caldas
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Em Coxilha, Bello antecipou compra de insumos para a próxima safra e conseguiu escapar dos efeitos da alta do dólar

Foto: Diogo Zanatta/Especial

Dono de uma propriedade rural de 450 hectares em Coxilha, no norte do Estado, onde planta soja, milho e trigo, o produtor rural Antoli Fauth Bello fez uma aposta ousada neste ano: antevendo a piora na crise econômica, antecipou para a primeira quinzena de maio a compra de adubos, fungicidas e outros insumos para a safra de verão.

Tadeu Vilani / Agencia RBS
Para Azambuja, de Arambaré, é importante ter "gastos inteligentes" para garantir melhor produtividade e reduzir os riscos

Demorou um pouco mais, mas a turbulência que já atingia indústria e comércio há algum tempo bateu à porta do produtor gaúcho, que sentiu nos últimos meses uma escalada brusca nos custos de produção. Como a instabilidade econômica deve demorar a passar, resta adotar medidas da porteira para dentro. Uma realidade que faz da gestão um dos temas-chave da 38ª Expointer.

O desafio é maior do que apenas enxugar despesas. É preciso fazer escolhas adequadas para não impactar nos resultados da lavoura, alerta Alencar Rugeri, assessor técnico da Emater:

- A incompetência na gestão da propriedade tinha sido encoberta até agora pelo bom preço do grão. Boa parte dos produtores não tinha grande preocupação em colocar tudo na ponta do lápis para saber onde ser mais eficiente.

Um exemplo disso, conta Rugeri, é o fato de vários produtores terem deixado para comprar em cima da hora os insumos para a safra de verão. Como o preço dos produtos oscila conforme a cotação do dólar, os retardatários encaram agora custos bem mais salgados.

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Com menos juro subsidiado - que torna menos atrativo grandes investimentos em máquinas - produtores encontram em feiras como a Expointer oportunidade para buscar conhecimento em vez de só ir às compras.

João Telles, coordenador da Divisão técnica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS), afirma que a procura por cursos de gestão na propriedade tem crescido, e a expectativa é de que aumente ainda mais:

- Há interesse, por exemplo, em cursos de empreendedorismo rural, o que é muito bom. Mas não é só isso. A busca por inclusão digital também cresceu.

Para o consultor em agronegócio Carlos Cogo, a saída para aumentar os ganhos sem gastar mais pode estar na negociação da safra. Ele diz que, graças aos cursos oferecidos por empresas, os pequenos e médios produtores estão bastante atualizados sobre o uso de tecnologia, mas pecam em questões simples, como decisões na hora de vender:

- Além do cálculo preciso de custos, outras coisas são relevantes, principalmente em momentos como este: avaliar o estoque e a venda é uma delas, assim como monitorar o mercado e o clima. O agricultor não consegue manobrar nenhum deles, mas se consegue ver o que vem pela frente, pode mudar de estratégia a tempo.

Diretor técnico da Fundação Pró-Sementes, José Hennigen afirma que não adianta poupar comprando semente de qualidade menor, pois o custo é baixo e a economia não compensa:

- Prestar atenção em detalhes pode aumentar a produtividade com custo quase zero.

Planejar mais, comprar menos

A estratégia se mostrou certeira, pois ele conseguiu escapar do aumento de preço diante da alta do dólar.

- Neste ano, não senti tão forte o impacto nos custos, mas já estou me preparando para 2016. Vou deixar para comprar novas máquinas quando a taxa de juro estiver um pouco melhor. Vou para feira para conhecer as novidades tecnológicas, mas não é momento para grandes desembolsos - afirma.

Bello conta que a ideia é ajustar as despesas da propriedade à realidade. Mas ele não cogita diminuir a qualidade das sementes e dos fertilizantes

para "não prejudicar a produtividade" da lavoura. A tática é tomar mais cuidado com as máquinas e equipamentos para evitar gastos desnecessários de manutenção na propriedade:

- É um pneu danificado aqui, uma peça estragada ali. No final do ano, é um custo alto, que pode ser diminuído.

Dicas para os agricultores

1) Saber escolher a melhor cultivar

- Parece óbvio, mas não é. Cada produtor deve escolher a cultivar mais adequada para a propriedade, de acordo com o tipo de solo e condições do terreno.

- Só copiar o que o vizinho faz pode causar prejuízo à produtividade da lavoura. A opção certa e o plantio no tempo adequado podem aumentar a produção de cinco a 20 sacas por hectare.

2) Medir e controlar a velocidade do plantio

- A pressa é inimiga da perfeição também no plantio da lavoura. Não adianta escolher semente de qualidade e alto vigor e fazer a semeadura rápido demais, porque isso vai prejudicar a distribuição no solo.

- O ideal é que o produtor plante a 5 km/h ou 6 km/h. A velocidade correta pode aumentar a produção entre 10 a 15 sacas por hectare.

3) Prestar atenção à profundidade da semente

- A fundura da semente no caso da soja, principal cultura do Estado, deve ser de três a quatro centímetros. A profundidade errada prejudica a germinação da semente.

- Quando a planta cresce, fica mais difícil enxergar que há "buracos" na lavoura causada pelo não crescimento de algumas sementes.

Fonte: Emater e Fundação Pró-Sementes

Na pecuária, diversificação é a estratégia

Menos sensível à escalada do dólar do que a agricultura, a pecuária tem sentido menos os efeitos negativos da alta de custos - entre 10% e 15% dos insumos depende da moeda estrangeira. O grosso da despesa é formado no mercado interno, mas como vacinas e sais minerais para compor a suplementação alimentar dos bovinos vêm do Exterior, o bolso do pecuarista está mais pesado.

- O produtor tem de observar que 2015 é um ano de incerteza e não deve investir em nada que não gere retorno para ele. Se fez caixa e vendeu bem, deve apostar naquilo que impacta na produtividade - aconselha o engenheiro agrônomo Sergio De Zen, professor do Centro de Estudos Avançados e Economia Aplicada (Cepea/Esalq).

Dono de uma propriedade de 22 hectares em Glorinha, Marco Antônio Gomes Costa sente pela primeira vez as turbulências da desaceleração econômica no agronegócio. Com carreira feita na indústria, ele ainda se considera um "novato no ramo", pois passou a investir na criação de animais da raça Angus há "apenas" 10 anos.

O aumento nas despesas com vacinas e remédios tem feito um contraponto com a alta comercial da carne, impulsionada pelo aumento na demanda. Acostumado com os dissabores vividos pela indústria, Costa não teve dúvidas e tratou de reduzir investimentos. Até a participação na Expointer foi afetada. Depois de expor 12 animais em 2014, pretende ir a Esteio neste ano só como visitante.

Outra medida foi apostar na integração lavoura-pecuária para melhorar o orçamento, uma alternativa para recuperar as pastagens com baixo custo e aumentar os lucros da propriedade:

- Por meio do plantio de grãos será possível recuperar a fertilidade do solo, diversificar e estabilizar a renda. Estou investindo em milho e pastagens para alimentar os animais. A estimativa é de que conseguiremos poupar pelo menos R$ 70 mil ao ano. É a principal aposta para economizar neste ano de crise.

Segundo dados do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), do Ministério da Agricultura, a área de integração lavoura-pecuária deve dobrar neste ano em relação a 2014. Eduardo Bastos, presidente do GTPS, afirma que produtores têm demandado mais conhecimento sobre o assunto e que, em algumas regiões, como o Rio Grande do Sul, pode-se dizer que a prática já chegou ao nível de multiplicação, enquanto outras estão no modelo fazendas-piloto, ainda sem larga escala.

Otimismo para a primavera

Enquanto boa parte dos produtores mostra preocupação com o ritmo da economia, o pecuarista Paulo Azambuja, responsável técnico da Fazenda Santa Tereza, em Arambaré, é daqueles que preferem ver o copo meio cheio.

Trabalhando com melhoramento genético de bovinos da raça braford, ele reconhece que houve aumento de custos e que a crise se avizinha, mas garante que é possível ficar confiante no futuro.

- A maior fragilidade do mercado interno pode ser compensada pelo dólar mais alto, que nos deixa mais competitivo no mercado internacional. No remate de primavera (serão colocados 80 touros e cem fêmeas à venda), teremos bons resultados - projeta.

Azambuja não levará animais para expor na edição deste ano da Expointer, pois será jurado da raça braford. Em 2014, ele ganhou o prêmio de melhor fêmea rústica.

Com pouca margem para enxugar custos na propriedade, o pecuarista afirma que, mais do que cortar despesas, o momento é de realizar "gastos inteligentes", como investir em tecnologia, para aumentar a produtividade.

- Sou contra sair cortando coisas que podem impactar na redução da produtividade. No fim das contas, sai mais caro, porque acaba reduzindo também os ganhos - destaca.

Dicas para os pecuaristas

1) Atenção aos rumos do mercado

- O dólar alto e o aumento da demanda podem ser aliados para aqueles que exportam parte da produção. Mas, para aumentar os ganhos, é preciso conhecer bem o mercado e estar atento às oportunidades.

- O aumento do custo de vacinas, por exemplo, pode ser compensado por uma negociação mais benéfica para o produtor.

2) Capacitação técnica dos funcionários

- Ter uma equipe capacitada, responsável e comprometida com os afazeres da propriedade é condição indispensável para a o perfeito funcionamento dos sistemas de produção.

- O funcionário não pode ser visto só como mão de obra. Vale a pena investir em cursos, que, em geral, não exigem quantias muito altas.

3) Produzir a própria ração para o gado

- Cultivar na própria fazenda parte da matéria-prima utilizada na ração do gado pode ajudar a diminuir bastante os custos. Para isso, uma das dicas dos especialistas é começar separando os animais por idade, raça, porte e lactação.

- Em cada fase, os animais têm diferentes necessidades, e a ração certa vai ajudar a melhorar os resultados e evitar o desperdício de dinheiro.

Fonte: Sergio De Zen e Carlos Cogo


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