Vida e Estilo



Mais que uma fronteira

Barras do Chuí e del Chuy dividem (e unem) culturas brasileira e uruguaia

Na praia mais ao sul do Brasil, hábitos típicos dos veranistas e a boa aceitação do peso atraem muitos turistas do país vizinho - que, ao menos por uma temporada, viram também um pouquinho brasileiros

24/01/2016 - 04h01min

Atualizada em: 24/01/2016 - 04h01min


Guilherme Justino
Guilherme Justino
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Lauro Alves / Agencia RBS
No lado uruguaio, areias mais tranquilas do que no brasileiro

De um lado, uma imensidão de areia, águas revoltas e algumas pessoas espalhadas. De outro, a mesma vastidão praiana, o mesmo mar... Mas se veem barracas, um estacionamento improvisado de carros na orla, salva-vidas a postos e muito, muito mais gente reunida. Há bastante em comum nos poucos metros que distanciam o litoral do Uruguai e do Brasil, mas os molhes desta fronteira representam, mais do que um limitador geográfico, também um divisor entre a cultura de dois povos - que acaba se encontrando (e misturando) entre a Barra do Chuí e a Barra del Chuy.

Em vídeo, um pouco mais sobre as praias da fronteira:




Neste extremo dos dois países, as diferenças entre os hábitos em cada praia são nítidas: no lado brasileiro - próprio para o banho de mar e de sol -, cangas, guarda-sóis e um movimentado comércio se espalham pela areia. No lado uruguaio, cadeiras vazias e áreas destinadas especificamente à prática de esportes dão o tom de uma estada passageira, marcada pela tranquilidade.

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Talvez seja justamente para quebrar essa dicotomia que tantos turistas uruguaios vão à Barra do Chuí. Enquanto seus conterrâneos buscam alguns momentos de sossego em território nacional, os que cruzam a fronteira para aproveitar a região brasileira passam mais tempo na praia, e assim esperam contar com serviços à beira-mar, além do apoio de salva-vidas - inexistentes dos molhes para lá.

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Também ajuda o fato de que, pelo valor que o peso é aceito no Brasil, acabam conseguindo economizar. Com os 60 pesos que pagam dois refrigerantes (vendidas a R$ 3 cada), mal daria para comprar uma latinha no Uruguai, a poucos metros dali.

- Ficamos na Barra del Chuy quando queremos só conversar, tomando mate à beira-mar, ou quando os filhos querem praticar esportes e voltar para casa ainda cedo. Mas comércio e movimentação, se encontra no lado brasileiro. Para quem gosta, acaba compensando a viagem - explica o uruguaio José Vergara, 42 anos.

Os uruguaios da família Vergara na Barra del Chuy (Foto: Lauro Alves / Agência RBS)

Estrangeiros, pero no mucho
Quando se está nas areias da barra brasileira, fica complicado reconhecer quem ali é estrangeiro. A sintonia entre as duas culturas é tanta que só fica claro se uma família é gaúcha ou uruguaia pela cuia que leva consigo: a uruguaia, geralmente carregada por apenas uma pessoa, é menor e abriga o mate, enquanto a brasileira, maior e geralmente compartilhada, abriga o chimarrão. Difícil, mesmo, é ver um guarda-sol por estas bandas sem uma mateira por perto.

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Os moradores do país vizinho são tidos como sociáveis e corteses quando visitam nossas areias. Não são raros os relatos de gente que, após puxar conversa com uma família uruguaia, acabou conhecendo onde moravam e fazendo uma refeição com os novos amigos.

Vindos de Montevidéu, o casal Francisco Chatel e Teresa Rosas acredita que a praia limpa, a movimentação de pessoas e a presença do comércio na areia formam um ambiente ideal para o bom convívio. Tanto que eles já arriscam algumas palavras além de "caipirinha!" ao fazerem um pedido em português.

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 - No dia a dia, ficamos no Uruguai, mas a praia no Brasil tem outro clima. É muito amistoso. O dono do bar até já sabe que, quando pedimos pastel, queremos a versão doce, não a que parece nossa empanada - diz Chatel, misturando os idiomas.

Praia para todas as gerações
A praia da Barra do Chuí parece não perder atrativos para a família Spotorno, de Santa Vitória do Palmar. Veraneando há mais de cinco décadas no mesmo local, Ricardo Spotorno Petruzzi, 63 anos, faz questão de levar seu pai, filhos e netos para lá a cada ano. É a oportunidade de reencontrar amizades feitas naquelas mesmas areias em outras temporadas e garantir o descanso de todos.
 
- Esta praia é pura tranquilidade, não tem como não gostar. Já fomos ao Litoral Norte e a praias de outros Estados, mas nossa preferida é a Barra do Chuí.

Família Spotorno na Barra do Chuí (Foto: Lauro Alves / Agência RBS)

A paixão move cada geração da família. Vanessa Spotorno, 21 anos, também elegeu, desde criança, esse como seu destino durante todo o período de férias de verão:

- O mar, apesar de revolto, e a proximidade de casa, fizeram dessa a nossa praia de referência para as férias - diz a estudante de Direito.

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Já Romolo Spotorno, 92 anos, lembra da época em que nem havia molhes separando o litoral brasileiro do uruguaio, tornando aquela uma fronteira móvel:

- Barra do Chuí mudou muito nesses mais de 70 anos em que venho aqui, mas não troco esta praia por nada.

Caipirinha e piña colada, real e peso
Adão Vicente da Silva, conhecido como "Nego Alemão", fala com maestria um misto de português e espanhol a cada novo cliente que surge à frente de sua barraca no lado brasileiro. Não é por menos: casado com uma uruguaia, com as filhas matriculadas em escolas do país vizinho, ele recebe muito mais em peso do que em real.

- Só de ver a pessoa já sei se devo sugerir uma piña colada, uma caipirinha ou um refri. Os uruguaios podem até estar em menor número, mas acabam consumindo muito mais do que os brasileiros - afirma ele, que durante o ano trabalha na construção, mas passa os dias trabalhando na areia no verão.

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Também casado com uma uruguaia, Daniel Barrios, dono de outra barraca, passou a trabalhar como uma espécie de relações públicas entre os dois povos.
 
- Meus clientes são 90% uruguaios, e não é raro eles quererem conhecer um pouco mais do Brasil, ou apenas conversar em português. Então, acabo apresentando eles aos brasileiros.

Apesar da alta procura pelas areias brasileiras, há um fenômeno interessante: passado o pôr do sol, a Barra do Chuí perde o atrativo para os uruguaios - e são os brasileiros que cruzam a fronteira atrás do agito que falta à cidade gaúcha à noite.

A Barra não é do Chuí
Apesar do nome, a cidade litorânea mais ao sul do Brasil não pertence ao Chuí. A Barra do Chuí faz parte do município de Santa Vitória do Palmar, distante cerca de 20 quilômetros do Chuí. Trocar os nomes é como cair na frequente confusão entre Camboriú e Balneário Camboriú, em Santa Catarina: são diferentes, apesar de quase homônima.


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