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Os pizzaiolos de Ranieri: conheça o segredo do Leicester para buscar o título inglês

Técnico italiano usou psicologia e união do grupo para levar o improvável time à conquista da Premier League

30/04/2016 - 10h06min

Atualizada em: 19/05/2016 - 12h40min


Leandro Becker
Leandro Becker
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Jogadores colocaram, literalmente, a mão na massa em encontro sugerido por Ranieri

Quando entrou em campo para encarar o Crystal Palace, em 24 de outubro do ano passado, o Leicester já tinha levado 17 gols em nove jogos na Premier League. Mas naquele dia o técnico Claudio Ranieri tinha a receita para estancar a má fase da defesa: pizza. Prometeu aos jogadores que. se o time não levasse gol, pagava a janta.

A equipe fez 1 a 0, e o italiano levou o time à uma pizzaria perto de sua casa. Mas não era só sentar e comer. Exigiu que os próprios jogadores fizessem suas pizzas. Todos botaram a mão na massa. E, mais do que o jantar, regado com 12 garrafas de champanhe, digeriram a lição. Nos 25 jogos seguintes, ficaram 15 sem tomar gol. Venceram 17 e chegaram ao topo da tabela.

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Fundado em 1884, o Leicester nunca foi campeão nacional. Seus maiores feitos foram três taças da Copa da Liga Inglesa (1964, 1997 e 2000). Na primeira delas, inclusive, tinha o goleiro Gordon Banks – famoso pela defesaça da cabeçada de Pelé na Copa de 1970, e que atuou em 293 jogos pelo clube, entre 1959 a 1967.

As Raposas – apelido do time – disputam a primeira divisão inglesa pelo segundo ano seguido, após uma década na segundona. E a reestreia foi um pavor. Há exatamente um ano, o time era o 17º, à beira do rebaixamento. Só se safou por ganhar sete dos últimos nove jogos, ficando em 14º.

Neste ano, porém, tudo mudou. Em 35 jogos, só perdeu três. Ganhou sete partidas por 1 a 0. Chegou a ficar 10 jogos invicto. Tem a segunda melhor defesa e o terceiro melhor ataque. E, neste domingo pode ser campeão.

Mas o que mudou de um ano para o outro? No elenco, quase nada. Dos 11 titulares e três reservas mais aproveitados por Ranieri, só três não estavam em 2015: o lateral-esquerdo Fucks (contratado de graça), o atacante Okazaki (custou 7 milhões de libras) e o volante Kanté (veio por 5,6 milhões de libras).

A equipe é repleta de jogadores desconhecidos. Um dos mais "famosos" é o goleiro Kasper Schmeichel, 29 anos, filho de Peter, ex-goleiro do Manchester United e da seleção da Dinamarca. O matador Jamie Vardy e o cérebro Riyad Mahrez, por exemplo, vieram de divisões inferiores por uma bagatela. Outra novidade foi a contratação do próprio Ranieri. Além de afinar o time taticamente, ele investiu em motivação e mudou a atitude dos jogadores.

Comprado em 2010 pelo empresário tailandês Vichai Srivaddhanaprabha, o Leicester sonhava, ao retornar à elite, em ficar entre os cinco primeiros. Agora, está prestes a surpreender os gigantes Manchester United, Arsenal, Liverpool, Manchester City e Chelsea, que monopolizaram a liga os últimos 20 anos. A última vez que um intruso surgiu foi em 1995, com o Blackburn – a diferença é que o clube havia sido vice-campeão no ano anterior e não era um azarão.

Na pífia temporada passada do Leicester, um dos raros momentos de alegria foi a vitória histórica, em casa, sobre o United – maior campeão inglês, com 20 taças. O time estava levando 3 a 1, mas virou para 5 a 3. Neste domingo, no Teatro dos Sonhos – apelido do Old Trafford, estádio do rival famoso –, o reencontro pode valer o surpreendente título inglês. E ninguém no Leicester quer ver essa história acabar em pizza.

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Por que "Lester"?

Apesar de escrever-se Leicester, a pronúncia do nome do time inglês é "Lester". Ubiratã Kickhöfel Alves, professor-adjunto do Departamento de Línguas Modernas do Instituto de Letras da UFRGS, explica que, no inglês, a relação grafema-fonema não é tão transparente quanto no português e observa que o caso do Leicester não é "isolado", citando como exemplo a cidade de Worcester – fala-se "Wuster". Também cita como possibilidade a transformação de proparoxítonas em paroxítonas, tendência comum em vários idiomas:

– Acredito que, em algum momento, a palavra "Leicester" tenha sido proparoxítona, de modo que a sílaba "ces" fosse pronunciada como átona. Mas como apresentava uma vogal reduzida e bastante fraca, os seus dois sons de "s" (correspondentes às letras "c" e "s") passaram a ser percebidos e produzidos como apenas um. Esse "s", então, foi provavelmente atribuído à sílaba anterior para formar uma palavra de duas sílabas.

O capitão Wes Morgan é uma das armas do Leicester

Como joga?

Gustavo Fogaça
Comentarista da Rádio Gaúcha

Como o Leicester atua em conjunto, é difícil desmanchar o time e encontrar o valor individual de cada peça sem saber que ela funciona bem sempre que esteja relacionada com as outras. O time de Ranieri é que nem a essência do futebol: sistêmico e coletivo.

O modelo de jogo é reativo, simples e colaborativo. A plataforma tática é o 4-4-2 com duas linhas de 4, com espírito italiano na organização defensiva, e um 4-2-3-1 com intensidade inglesa no ataque. Kanté e Drinkwater são o pulso do time. Mahrez e Okazaki, o cérebro e o coração. E o artilheiro Jamie Vardy vive um longo e feliz aniversário.

Talvez a falta de um sul-americano no meio explique a velocidade na transição ofensiva. O time tem na bola longa sua arma mortal e conta com uma das menores médias de posse de bola na Liga: 43% por jogo. É um time que dá poucos passes e acerta pouco também – media de 71% de passes certos por partida. Mas 46% desses passes em cada jogo são feitos pra frente, na direção do gol adversário. E dos 63 gols marcados, 61 foram dentro da área (97%).

Por último, dois nomes se destacam: os analistas de desempenho Peter Clark e Andy Blake. Foram eles que recomendaram as contratações de Mahrez, Okazaki e Albrighton. E eles que encontraram a Vardy jogando na "várzea" inglesa. Um clube pequeno, mas com visão grande. Que aposta na ciência e na disciplina para sonhar alto e conseguir o que parecia impossível: quebrar a hegemonia dos grandes para vencer a Premier League.

*ZHESPORTES


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