Política



Entrevista

Dilma diz que perícia do Senado mostra que não cometeu crime de responsabilidade

Presidente afastada concedeu entrevista à Rádio Guaíba nesta segunda-feira

27/06/2016 - 15h19min

Atualizada em: 27/06/2016 - 22h09min


Zero Hora
Zero Hora

Em entrevista ao programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, na tarde desta segunda-feira, a presidente afastada Dilma Rousseff voltou a falar do impeachment como um golpe traçado por seus opositores e avaliou que os primeiros 40 dias do governo interino de Michel Temer podem ajudá-la a reverter o afastamento.

Dilma comentou a perícia realizada pelos técnicos do Senado que não identificou atos da presidente afastada que tenham contribuído para os atrasos nos pagamentos aos bancos públicos, chamados pedaladas fiscais.

– É um golpe parlamentar porque não há base jurídica para impeachment. A Constituição exige um crime de responsabilidade. Os motivos pelos quais eles me acusam não configuram crime. Mas agora a própria perícia do Senado constatou isso – reiterou.

Para Dilma, a estabilidade da inflação e a "robustez econômica" comemorada em nota pelo Ministério da Fazenda (leia a nota no final da reportagem) é mérito da gestão petista.

– Quem construiu essa robustez? Um governo provisório, interino, eleito ilegitimamente, em 30 dias, ou nós, nos últimos anos? Nós construímos – afirmou a presidente afastada.

Durante pouco mais de 40 minutos, ela criticou atitudes tomadas por Temer, como a extinção do Ministério da Cultura, que acabou sendo revertida, e do Ministério da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, e da formação de um conjunto de ministros feito "de homens brancos, ricos e mais idosos". Dilma ainda discordou do não pagamento do reajuste do Bolsa Família e da aprovação da PEC 241, que congela gastos públicos por 20 anos para pagar dívida pública, incluindo as áreas de Saúde e Educação.

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Dilma também voltou a defender que a oposição a seu governo criou uma situação de "quanto pior, melhor" e dificultou a aprovação de medidas que poderiam ter reduzido os impactos da crise no país.

– Nós teríamos saído mais fácil da crise em 2015 se não tivessem criado uma outra crise política.

Dilma também comentou a perícia elaborada pelos técnicos do Senado que identificou ação direta dela na edição de decretos sem aval do Congresso, mas não nas pedaladas fiscais, envolvendo o atraso de repasses a bancos públicos que custearam programas de cunho social.

– A Constituição exige um crime de responsabilidade. Os motivos pelos quais eles me acusam não configuram crime. Mas agora a própria perícia do Senado constatou isso.

A presidente afastada assumiu que "deve ter cometido algum erro", porque é um ser humano, e se tivesse oportunidade talvez faria diferente. Mas diz que não se arrepende de ter evitado diálogos com políticos, o que levou a chamarem-na de "fria" e até de "arrogante".

–Aquela conversa que leva a negociações, de fato, eu não gosto. E aí podem me chamar de dura, do que for. Não faço esse tipo de conversa porque acho que não é bom para o Brasil que um presidente faça. Não é correto.

Por fim, Dilma ainda enumerou investimentos que sua gestão fez no Rio Grande do Sul, como os programas Mais Médicos e Minha Casa Minha Vida, expansão da rede federal de ensino, a construção da BR-448 (Rodovia do Parque) e o pontapé inicial na nova Ponte do Guaíba – cujas obras estão paralisadas desde maio.

– Passo ali sempre quando vou a Porto Alegre e adoro ver a ponte saindo, porque sei como é ruim ficar esperando os navios passarem – afirmou.

Leia a íntegra da nota da Fazenda:

A situação do Brasil é de solidez e segurança porque os fundamentos são robustos.O país tem expressivo volume de reservas internacionais e o ingresso de investimento direto estrangeiro tem sido suficiente para financiar as transações correntes.

As condições de financiamento da dívida pública brasileira permanecem sólidas neste momento de volatilidade nos mercados financeiros em função de eventos externos.

O Tesouro Nacional conta com amplo colchão de liquidez. A dívida pública federal é composta majoritariamente de títulos denominados em reaisAlém disso, o governo anunciou medidas fiscais estruturantes de longo prazo.

A recente melhora nos indicadores de confiança e na percepção de risco do país reflete essas ações.Nesse contexto, o Brasil está preparado para atravessar com segurança períodos de instabilidade externa.


A PERÍCIA E O PAPEL NO PROCESSO

Pedaladas fiscais
O que são
Prática que está no centro do pedido de afastamento de Dilma, corresponde aos atos do governo federal de atrasar o repasse de dinheiro do Tesouro a bancos e a autarquias. O objetivo era maquiar as contas federais, mas, segundo a oposição, é crime fiscal sujeito a impeachment.

O que diz a comissão
Embora tenham considerado que os atrasos de pagamentos constituem operação de crédito, o que afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os peritos avaliaram que não houve interferência da presidente. Neste caso, não haveria crime de responsabilidade. Os atrasos de pagamento do Tesouro ao Banco do Brasil somam R$ 3,5 bilhões. Os peritos avaliam que a operação configura crédito e apontam, inclusive, as correções feitas nos pagamentos. Ainda assim, avaliam que há conformidade com portarias publicadas pelo Ministério da Fazenda.

Influência no processo de impeachment
Segundo o jurista Ives Gandra Martins, a perícia do Senado não tem efeito, já que o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou as pedaladas fiscais como irregulares.

– Na Lei de Improbidade, que é de 1992, ação ou omissão representam efetivamente ato de improbidade. Houve desobediência e ela deveria não ser omissa. A posição do TCU foi de nove votos a zero. Continua havendo ato de improbidade, porque ou ela foi conivente, ou foi incompetente – explica.

O que são os decretos
A presidente Dilma editou decretos entre 2014 e 2015 para abertura de crédito suplementar sem que houvesse aprovação do Congresso. Segundo os defensores do impeachment, os decretos só poderiam ter sido abertos por lei. O fato feriria o artigo 85 da Constituição Federal, que determina como crimes de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra a Constituição e a lei orçamentária.

O que diz a comissão
A perícia aponta que três dos quatro decretos assinados por Dilma são incompatíveis com a meta fiscal vigente na época da edição, estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mais à frente, entretanto, os técnicos afirmam que o que deve ser considerado é a meta fiscal que foi revisada pelo PLN 5/2015. O laudo acrescenta que, no processo de formalização dos decretos que viriam a ser assinados pela presidente afastada, não houve alerta de incompatibilidade com a meta fiscal. Ainda assim, a perícia não isenta Dilma Rousseff da autoria dos decretos.

Qual a influência no processo de impeachment
Especialista em Direito Constitucional, o professor da Unisinos e procurador de Justiça aposentado Lenio Streck afirma que a perícia do Senado não terá influência alguma no processo.

– A questão dos decretos é simples: se a presidente Dilma vai ser responsabilizada, o seu vice, que fez o mesmo, também deve ser. No plano técnico e jurídico, não há embasamento. O que existe é um processo absolutamente político e o Senado, assim como a Câmara, já definiu o seu rumo – acrescenta.

ETAPAS REALIZADAS E PRÓXIMOS PASSOS

- Depois que a Câmara autorizou a abertura do processo de impeachment, em 17 de abril, o Senado iniciou a análise da admissibilidade.

- Em 12 de maio, o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) foi aprovado no Senado, e Dilma foi afastada do cargo.

- Agora, o processo está na fase de oitiva das pessoas arroladas pela presidente afastada Dilma Rousseff. Essa fase termina quarta-feira.

- Pelo cronograma, o plenário do Senado fará em 9 de agosto a votação do parecer prévio (chamada de "pronúncia") da comissão sobre as acusações contra a presidente afastada.

- A partir desta data, se a maioria simples dos presentes aprovar o parecer, há um prazo de até 48 horas para que a acusação apresente o chamado libelo acusatório, e outras 48 horas para que a defesa de Dilma se pronuncie.

- Depois, o julgamento final tem de ocorrer em até 10 dias. Ou seja, mantido o plano, senadores avaliam que Dilma deve ser julgada a partir da semana do dia 22 de agosto – nessa etapa, são necessários ao menos 54 votos para o afastamento definitivo.


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