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Detalhes da barbárie

Filho indesejado seria motivo de chacina em Porto Alegre

Mortes dizimaram família na Zona Norte há um mês. PM está preso por suspeita de envolvimento no crime

25/06/2016 - 02h01min

Atualizada em: 25/06/2016 - 02h03min


José Luís Costa
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Caminhão para transportar corpos de cinco pessoas foi usado em 2 junho, em Porto Alegre

Diferentemente de assassinatos coletivos provocados por desavenças entre traficantes, a chacina que dizimou uma família, há um mês, na zona norte de Porto Alegre, pode ter como motivo a vingança pelo nascimento de um filho indesejado. Há indícios de que um homem matou a mãe da criança, o próprio filho – com poucos dias de vida –, além da avó, o tio e um irmão do bebê.

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Quatro das vítimas foram executadas a tiros dentro de casa, na Rua José Marcelino Martins, no bairro Jardim Itu-Sabara. O recém-nascido morreu provavelmente asfixiado sob o corpo da mãe. A chacina foi descoberta uma semana depois, com corpos em decomposição. O suspeito do crime é um policial militar aposentado de Santa Catarina, preso no Presídio Militar em Porto Alegre, cujo nome é mantido em sigilo.

A tragédia familiar começou a se desenhar em agosto. Luciane Felipe Figueiró, 32 anos, costumava viajar a Tubarão (SC) – terra natal da mãe Lourdes Felipe, 64 anos, e onde vivem parentes – para tratar da documentação de um terreno que herdou. Na cidade, ao visitar uma prima, Luciane conheceu o PM suspeito da chacina. Separado do primeiro casamento, 52 anos, o policial era amante da prima havia anos. Luciane se envolveu com o PM e engravidou.

Em princípio, com vergonha da situação, ela tentou esconder as transformações no corpo. Mas, quando já não podia mais ocultar a barriga, decidiu se expor. No começo do ano, foi a Tubarão e contou ao PM que esperava um filho dele. O policial não acreditou, alegando que estiveram juntos apenas uma vez. A prima e amante do policial também se enfureceu. Desejosa de um filho, a familiar de Luciane não conseguiria engravidar e veria seu sonho se materializar na prima com seu amado.

Revoltado, o PM teria exigido que Luciane aceitasse abortar. Ela discordou, mas aceitou sair para um passeio com ele. Horas depois, a mulher sofreu um sangramento. Desconfiou ter ingerido um abortivo dissolvido na bebida, e que tivesse perdido o filho. Em uma consulta em Porto Alegre, ouviu do médico que a gestação seguia normal.

Tempos depois, o PM se queixou para amigos que estaria sendo pressionado por Luciane, e ela começava a receber mensagens de um celular desconhecido – que seria usado pelo PM. Um dos textos dizia: "tu quer ganhar a vida nas minhas costas". O policial tem padrão de vida estável em Tubarão. Dirige uma caminhonete Jeep ano 2015, e teria presenteado a prima de Luciane com uma casa e uma motocicleta.

Acompanhado de dois parentes de Luciane, o PM esteve em Porto Alegre se dizendo disposto a fazer teste de DNA para ter certeza sobre a paternidade e assumir suas responsabilidades. Combinaram que o exame seria em Tubarão por causa do melhor preço e viajaram para lá em 3 de maio. No dia seguinte, Luciane ganhou o bebê no Hospital Nossa Senhora da Conceição, na cidade catarinense. Enfrentou picos de pressão arterial e precisou ficar internada por uma semana.

A prima, amante do PM, furiosa, teria invadido o quarto com uma tesoura nas mãos. Dizia querer cortar um pedaço do cabelo do menino, alegando que seria para o teste de DNA, mas sua intenção parecia bem mais do que isso e ela foi expulsa do hospital. Foi coletado material do menino e de Luciane. Enquanto isso, o PM teria ido sozinho a um laboratório e oferecido R$ 5 mil para que o resultado de paternidade fosse negativo. O dinheiro não foi aceito e ele teria dobrado a proposta, também rejeitada.

Em 10 de maio, o PM apareceu no laboratório para ceder material genético – coleta de saliva com cotonete. A prova inicial teria falhado porque ele tinha iogurte na boca. Naquele dia, Luciane deixou o hospital e voltou para Porto Alegre, registrando o filho com o nome de Miguel Felipe Figueiró, sem constar dados do pai no documento. O PM demonstrava preocupação. Teria confidenciado a amigos que "não sabia o que faria da vida".

Rotina normal em Porto Alegre

Lourdes Felipe (E), 64 anos, e a filha Luciane Felipe Figueiró, 32 anos

Em Porto Alegre, a rotina da família de Luciane se manteve inalterada até 24 de maio. Naquele dia, o filho mais velho dela, João Pedro, cinco anos, brincou com um amigo. Walmyr, irmão de Luciane, foi visto caminhando pela rua onde morava, a José Marcelino Martins. Cláudia, 34 anos, irmã mais velha de Luciane, que mora em outro bairro, visitou a família levando para a mãe, Lourdes, uma panela para cozinhar feijão. E vizinhos ouviram vozes na casa até 23h.

Desde então, o caso se tornou um mistério. Luciane não voltou para Tubarão como era esperada para pegar o resultado do exame de DNA que confirmou o bebê como filho do policial. Parentes de Santa Catarina telefonavam para ela e ninguém atendia. Na capital gaúcha, familiares e amigos acreditavam que as vítimas estavam em viagem para Tubarão, como era costume. E vizinhos começaram a sentir cheiro desagradável vindo da moradia.

A partir de 27 de maio, o PM demonstrou interesse incomum por notícias de Luciane. Telefonou dezenas de vezes e foi com fisionomia apreensiva até a casa e ao local de trabalho de um parente dela em Tubarão. Com o laudo do DNA nas mãos, tentava passar a ideia de estar feliz porque seria pai de novo – tem dois filhos do primeiro casamento – e disse ter comprado um berço para o bebê.

Os dias se passaram, e, preocupada, Cláudia foi até a casa da família na manhã de 2 de junho, quando a chacina foi descoberta. A porta da moradia estava destravada, mas aberturas fechadas e luzes acesas. Na cozinha, o espalha-chama do gás do fogão estava aberto, e o botijão, vazio. Ao lado, um recipiente com feijão cru, o que fez Cláudia lembrar da visita na semana anterior, quando a mãe iria preparar o alimento. Outro detalhe que reforça a suspeita de que a chacina teria acontecido na noite de 24 de maio é o fato de o corpo de Lourdes ser encontrado com a mesma roupa de quando conversou com a filha.

Ainda não se sabe se gás liberado pelo fogão entorpeceu as vítimas. Segundo laudo pericial, ninguém teria esboçado reação ao ser alvejado na cabeça por tiros de pistola calibre .22 – estojos foram apreendidos no local.

Em um primeiro momento, a polícia não localizou o corpo do recém-nascido, achando os de Lourdes e de João Pedro em quartos distintos. Walmyr e Luciane estavam no mesmo cômodo. Junto a eles, o cachorro de estimação que latiu ferozmente após a chegada de policiais.

A atitude do animal leva a suspeitar de que o autor da chacina teria convívio com a família. Também converge para isso o fato de o matador ter acesso à casa pela porta, já que não deixou marcas de arrombamento. Uma cópia da chave costumava ficar escondida no pátio, e poucas pessoas sabiam disso.

Assim que a chacina virou notícia, e que o bebê não tinha sido encontrado, uma vizinha da família telefonou para o PM, contando o caso e querendo saber sobre o paradeiro do filho – que seria encontrado mais tarde por peritos sob o corpo da mãe. Em seguida, o policial foi a uma delegacia em Tubarão registrar ocorrência. Narrou o caso, dizendo que esperava Luciane para contraprova do exame de DNA, mas que acabava de saber que ela e parentes foram mortos por envenenamento.

Detido em 9 de junho, com prisão temporária válida por um mês como suspeito da chacina, o PM deverá ser interrogado pela 5ª DHPP nos próximos dias.

A amante prestou depoimento em Tubarão, negou envolvimento no caso e disse que o suspeito estaria com ela na possível data do crime.

ZH tentou falar com Cláudia, ela atendeu a uma das chamadas e desligou o celular. ZH também pretendia entrevistar o PM, mas não teve autorização.



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