Em família
Por que os bebês dormem em caixas na Finlândia?
Hábito é uma tradição no país há quase 80 anos
A Finlândia da década de 1930 pouco se assemelhava à que conhecemos hoje. O país se reerguia da independência em relação à Suécia, em 1917, e buscava sair da pobreza. Grande parte da população passava fome, e a mortalidade infantil era uma das mais altas da Europa – 65 a cada mil bebês morriam antes de completar um ano.
Para combater a miséria, o governo instituiu, em 1938, uma política pública de distribuir às grávidas de baixa renda uma caixa de papelão contendo um colchão e outros apetrechos fundamentais para um recém-nascido. A ideia teve impactos que ninguém esperava: os bebês passaram a dormir no colchão dentro da caixa e, ao longo das décadas, a Finlândia atingiu a menor taxa de mortalidade infantil do mundo. Hoje, o índice de óbitos caiu para apenas dois bebês a cada mil.
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Com essa prática, os finlandeses, já na década de 1930, estimularam junto à população um hábito que a Academia Americana de Pediatria recomenda hoje para médicos do mundo inteiro: colocar a criança para dormir no berço (no caso, na caixa), e não na cama do casal.
– Dormir com os pais é fator de risco para morte súbita, porque o bebê pode se sufocar com lençol, coberta ou travesseiro, ou porque os pais estão cansados e se movimentam na cama. Além disso, o colchão que vem na caixa finlandesa é bem fino. Quanto mais liso o colchão e menos objetos houver no berço, menor o risco de bloqueio das vias respiratórias – explica Alexandre Fiore, pediatra neonatologista do Hospital São Lucas da PUCRS.
De fato, a Academia Americana de Pediatria recomenda que o berço do recém-nascido esteja o mais limpo possível: sem cobertas, sem colchão fofo, sem travesseiro, sem brinquedos e sem outros objetos que possam levar o bebê a se sufocar.
A partir de 1948, toda mãe finlandesa passou a receber a caixa com presentes, independentemente da renda. Deste então, o kit maternidade se tornou símbolo do estado de bem-estar social finlandês, com a mensagem de que ricos e pobres começam a vida iguais – isto é, com a mesma caixa e enxoval.
Outro motivo que contribuiu para a queda na mortalidade era a importante exigência de que as mães comparecessem a uma clínica de saúde para realizar o exame pré-natal.
– Ao melhorar a assistência ao pré-natal, o médico podia identificar uma gestação de alto risco e garantir que o parto fosse mais seguro – afirma Mariana González de Oliveira, intensivista neonatal do Hospital Moinhos de Vento e mestre em Pediatria pela UFRGS.
O hábito finlandês tem conquistado outros países. Um trio de pais finlandeses criou, em 2014, a The Baby Box Company, uma empresa que exporta o kit maternidade para pais do mundo todo. Na mesma onda, empreendedores e ONGs dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, México, Índia e África do Sul passaram a vender o produto.
O projeto Barakat Bundle, uma iniciativa com o objetivo de reduzir a mortalidade infantil no sul da Ásia que foi premiada pelo Harvard Innovation Lab em 2015, fornece com a caixa uma rede contra mosquitos para proteger os bebês da malária. Na África do Sul, a Thula Baba Box, uma caixa de plástico que vira banheira, é distribuída por uma ONG para mães que realizam o pré-natal.
No Brasil, a moda ainda não chegou. Consultada, a Sociedade Brasileira de Pediatria enviou à reportagem um documento científico elaborado em 2001 pelo seu Departamento de Neurologia. O texto enfatiza a importância do pré-natal e de colocar o bebê para dormir de barriga para cima, técnica que evita a possibilidade de eventuais refluxos ou vômitos engasgarem a criança, levando à morte súbita. Na prática, algo que os finlandeses fazem desde o século passado.