Pelas Ruas



Clausura na Capital

Conheça as freiras que vivem isoladas do mundo em meio aos bares da Cidade Baixa 

No centro do agito em Porto Alegre, 20 religiosas vivem quase sem contato com o mundo exterior no Mosteiro Nossa Senhora do Carmo

07/07/2016 - 03h00min

Atualizada em: 08/07/2019 - 14h13min


Jéssica Rebeca Weber
Jéssica Rebeca Weber
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– É para entrar nessa sala ao lado – indica uma voz tímida ao interfone, enquanto uma estrutura giratória de madeira revela uma chave.

Na outra ponta do hall, uma porta leva a um cômodo cortado ao meio por uma grade. Enquanto a repórter e o fotógrafo aguardam de um lado da divisória, do outro, 13 mulheres cobertas com vestes religiosas aparecem para uma experiência com a qual não estão acostumadas: falar sobre a vida que levam no carmelo localizado no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.

A roda de madeira na entrada do Mosteiro Nossa Senhora do Carmo é por onde as irmãs se comunicam e entregam e recebem objetos sem serem vistas há mais de 150 anos. Bem como a grade que separa moradoras e visitantes no locutório e o alto e extenso muro com pinturas religiosas na Avenida Loureiro da Silva – entre as ruas José do Patrocínio e Lima e Silva –, é uma estrutura que assegura às 20 moradoras do local o menor contato possível com o mundo exterior.

Elas integram a ordem católica dos Carmelitas Descalços, que têm como particularidade a vida contemplativa de clausura monástica: vivem reclusas no meio do tradicional bairro boêmio que tem fama de ser o mais agitado da Capital.

– Quando se entra na clausura, há um silêncio místico. Apesar de estarmos envolvidas com o barulho externo, podemos viver essa paz – diz a irmã Susana da Santíssima Trindade, madre priora do carmelo, explicando o que define como "outro mundo" dentro da agitação do bairro.

Fundado em 1839 pela madre portuguesa Joaquina de Jesus, o carmelo de Porto Alegre foi o primeiro do Estado – hoje, há uma associação com 12 carmelos na região sul do país. Segundo a madre Susana, as irmãs carmelitas abdicam da vida em sociedade acreditando em uma "recompensa eterna":

– Se nós, contemplativas, não acreditássemos que existe um Deus que nos ama e nos aguarda na eternidade, seria uma loucura essa vida. Mas temos certeza que cada um vai receber a recompensa que mereceu.

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Nenhum visitante, nem mesmo os parentes das religiosas, pode entrar no carmelo – por isso, a reportagem foi recebida para a entrevista no locutório. As irmãs que ingressam no mosteiro sabem que não poderão passar dos limites do muro, quanto menos tirar férias ou visitar a família. Saídas ocorrem apenas por motivos de saúde, quando é necessário comprar mercadorias que não podem ser entregues no carmelo e para votar em dias de eleição – ainda assim, o mais perto e rapidamente possível.

O isolamento não é um peso, afirma a irmã Giovana da Virgem do Sorriso, 25 anos, jovem de Frederico Westphalen que ingressou em 2011 no mosteiro. Ela garante não sentir vontade de experimentar a famosa noite no bairro nem de ir a qualquer outro lugar.

– Aqui, é possível abraçar o mundo. A gente está em todos os lugares com a oração – diz, esboçando um sorriso juvenil que faz jus ao nome religioso que escolheu.

Futebol, peças teatrais e cantoria aos domingos

A rotina dentro do carmelo de Porto Alegre é rígida. O primeiro dos sete momentos de oração da Liturgia das Horas ocorre às 5h30min. Depois, as irmãs ficam em silêncio até a missa das 7h. Há apenas dois períodos em que a conversa é liberada – o "recreio" ocorre no começo da tarde e depois do jantar, por uma hora.

Além de ter aulas de formação de noviciado com a madre, as mais jovens aprendem a lavar, passar, cozinhar, tricotar, costurar. Cada uma dorme em um quarto privativo, que chamam de cela.

Domingo é o dia em que, pelo menos por algumas horas, as atividades são mais diversificadas. As irmãs ensaiam peças de teatro sobre a vida de santos e cantam. Às vezes, rola até um futebol – sem tirar o hábito e o véu.

– É para exercício físico, não para competir. O nosso futebol tem uma goleira só – ri a irmã Agnes de Jesus, 41 anos.

As religiosas contam que fizeram uma festa de São João no mosteiro no último domingo de junho. Pelo que revelaram em meio a gargalhadas, havia comes e bebes típicos, pescaria e até música de quadrilha com letra religiosa.

Júlio Cordeiro / Agencia RBS
Irmãs aceitaram falar sobre o dia a dia no mosteiro em uma sala dividida por uma grade, que chamam de locutório

Número de residentes triplicou em seis anos

Quando a madre Susana chegou ao carmelo, eram apenas seis moradoras, contando com ela. Não havia vocacionada alguma – como são chamadas as jovens que decidem ingressar na vida religiosa. Mas o número de residentes mais que triplicou de seis anos para cá, e a 21ª irmã deve chegar até o final de 2016. Com ela, o mosteiro terá todos os quartos ocupados.

– É o Menino Jesus de Praga que traz elas, não tem outra explicação – celebra a madre, relacionando a procura pelo carmelo às novenas realizadas em homenagem ao filho de Deus.

As irmãs do Mosteiro de Nossa Senhora do Carmo têm entre 19 e 91 anos. Antes de ingressar na casa, boa parte cursou Ensino Superior – há mulheres que estudaram Letras, Biologia, Enfermagem, Administração e Psicologia. A irmã Agnes de Jesus cursou decoração de interiores no Paraná. Também dançou balé clássico, fez peças de teatro infantil e teve experiência como trapezista em um circo antes de entrar no carmelo.

– Não ingressei na vida religiosa por falta de oportunidades de buscar um sucesso fora. Isso aqui é muito maior do que qualquer outro dom com o qual Deus me dotou – afirma a irmã.

Agnes explica que, para quem tem vocação monástica, é o período vivido fora da lida religiosa que parece um suplício.

Jovem que deu chimarrão ao Papa Francisco virou noviça

A decisão de ingressar no mosteiro surge a partir de um "chamado de Deus", de acordo com as noviças. Paola dos Santos Matos, 19 anos, sabe que ouviu o seu em 2013, na Jornada Mundial da Juventude. É ela a gaúcha que ficou conhecida por oferecer ao papa Francisco um chimarrão enquanto o Pontífice passava de Papamóvel pela orla de Copacabana, no Rio de Janeiro.

– Para mim, era uma ideia impossível, pois tinha mais de 2 milhões de pessoas lá. Mas eu ofereci, e a maior surpresa foi que ele aceitou, bebeu e me abençoou. Foi uma coisa breve, mas eu digo que ali, no olhar do Santo Padre, Deus me chamava de uma forma mais especial – recorda.

A jovem entrou no mosteiro no ano seguinte e assumiu o nome religioso de irmã Estela da Mãe de Deus. Ela pretende passar toda a vida no carmelo, salientando que deu a Jesus "um sim para sempre, não só por hoje":

– A clausura para mim é o que me preserva de algo que eu não preciso. Ela me proporciona o ambiente para a vocação que ele me deu, a vocação de estar só com ele.



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