Grêmio



Reportagem especial

Da boleia ao arroz: a história de Celso Rigo, o mecenas do Grêmio

Empresário de São Borja investe no clube há mais de 20 anos e ajudou nas contratações de Zé Alcino, Giuliano e Miller Bolaños

30/07/2016 - 10h03min

Atualizada em: 28/11/2023 - 13h15min


Adriano de Carvalho
Adriano de Carvalho
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Fernando Gomes / Agencia RBS
Rigo começou a investir no Grêmio na década de 1990.

Corre em São Borja lenda de que o monumento de São Francisco de Assis na entrada da cidade carrega mensagem oculta. O santo, que recebe de braços abertos os viajantes que cruzam a fronteira do Brasil com a Argentina, indicaria: "daqui para frente, tudo é de Celso Rigo".

Talvez seja exagero. Mas é difícil encontrar algo em São Borja que o empresário não tenha ajudado a construir. Com a mesma dedicação, ele atua como uma espécie de mecenas no Grêmio. Nas últimas três décadas, aportou dinheiro para a compra de vários jogadores. Não fosse por ele, o clube nunca teria trazido nomes como Zé Alcino, Giuliano e Miller Bolaños.

A verba veio do arroz. Mais precisamente, do principal orgulho de Rigo: sua Pirahy Alimentos, fundada em março de 1975. Com o sócio José Renan Toniazzo, Rigo abriu a empresa que hoje é responsável pela produção do Prato Fino — já foi eleito o melhor arroz do país pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS).

O empresário ergueu um império. É reconhecido em todos os cantos de São Borja e também pelos investimentos no Grêmio. Mas não perdeu a simplicidade. Entre as viagens em seu jato Embraer Phenom 300, o mesmo que trouxe Bolaños a Porto Alegre, Rigo encontra tempo para jogar bocha e padel.

Se divide em confrarias com diferentes turmas de amigos em São Borja, não dispensa um bom churrasco, vinho argentino — o malbec Angélica Zapata é um de seus favoritos — ou até um whisky. Mas com moderação. Afinal, é necessário cuidar da saúde, como instruem seus filhos Rafaela e Fábio.

— Tomo de três a quatro litros de água por dia. Aprendi com o Fábio, que chega a beber oito — conta o empresário, que religiosamente frequenta a academia todo final de tarde, se dividindo em treinos para pernas e braços na semana.

Religião, aliás, é um dos assuntos favoritos de Rigo. Praticante do espiritismo, o arrozeiro ajudou a construir seis casas em São Borja e espalhou outras sete na região da Fronteira Oeste para difundir a doutrina de Allan Kardec.

Também ergueu duas comunidades terapêuticas para recuperação de drogados, a masculina, Chico Xavier, e a feminina, Joanna de Ângelis, em uma área de sete hectares, afastada da cidade, que o empresário havia ganhado em uma rifa do clube social são-borjense.

— Precisamos levar espiritualidade a eles. Isso faz com que o índice de desistência seja um dos menores do estado — explica.

O empresário também mantém duas creches, denominadas Recanto da Alegria I e II, em São Borja. Este projeto social, comandado por sua esposa Rosângela, atende cerca de 130 crianças de até cinco anos de idade.

— Temos um alto nível de exigência. É uma grande responsabilidade trabalhar com crianças, algo que a gente faz com muito gosto — afirma.

Fernando Gomes / Agencia RBS
Rigo em frente a uma das casas espíritas que ajudou a construir em São Borja

Outra porção do tempo do arrozeiro é dedicada à função de presidente do hospital Ivan Goulart. Lá, foi responsável por uma profunda modernização na estrutura. Ajudou a tornar o centro de diagnóstico por imagem, que estava sucateado cinco anos atrás, em uma das referências no Interior do Estado. E renegociou um passivo de R$ 18 milhões, que atrasava o desenvolvimento do principal hospital na cidade — onde são atendidas 5 mil pessoas por mês.

— A dívida era a menor preocupação, o maior problema estava na estrutura e no pessoal. A gente trabalhou muito para colocar tudo nos trilhos — lembra Pedro Machado, vice-presidente do hospital e um dos braços direitos de Rigo.

Engajado na comunidade de São Borja, o empresário já recebeu diversos convites do Partido Progressista (PP), ao qual é filiado, para concorrer ao cargo de prefeito da cidade. Mas a ideia nem passa pela sua cabeça:

— Me sinto bem trabalhando com pessoas humildes. Só que entrar na política não está na minha filosofia de vida.

Como tudo começou

O início da Pirahy foi em um pavilhão modesto, de 200 metros quadrados, localizado no número 1145 da Rua Silva Jardim, em São Borja. O nome do bairro, que batizou a empresa, inspirou Rigo, que antes ganhava a vida na boleia de um caminhão Mercedes-Benz, puxando carga para São Paulo.

Natural de Porto Lucena, foi criado em Santo Ângelo, onde virou gremista aos seis anos de idade por influência dos amigos na escola. A maioridade veio aos 20 anos, quando decidiu sair de casa para trabalhar com arroz. Passou a trabalhar como uma espécie de ambulante, que comprava arroz em São Borja e revendia na capital paulista.

Naquela época, uma de suas principais alegrias era ouvir jogos do Grêmio no rádio. Mas os 2,6 mil quilômetros percorridos a cada viagem de ida e volta, que durava ao menos quatro dias, pesaram. E Rigo decidiu se estabelecer. Aos 26 anos, comprou um engenho para beneficiar arroz, alugou o prédio, que hoje abriga um depósito de adubo, e convidou Toniazzo para ser seu parceiro.

— Na época, eu ainda não tinha 18 anos e o Celso pediu liberação a meus pais para que pudesse trabalhar — lembra o sócio de Rigo.

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Rigo ao lado do sócio José Renan Toniazzo, em frente ao primeiro prédio da Pirahy

Mas o pavilhão era pequeno. Tanto que parte da carga de 15 toneladas de arroz, preparada em um dia e uma noite, tinha de ficar na rua. Por isso, tiveram de mudar de endereço após um ano e meio. Foi quando Rigo comprou um terreno maior no bairro do Passo, onde instalou a matriz da Pirahy.

Ali, construiu um prédio de madeira, transformado em alvenaria algum tempo depois, expandiu a produção, comprou silos, secadores e melhorou a qualidade de seu produto. Lá, se emocionou em grandes conquistas do Grêmio. Ainda guarda viva na memória a lembrança dos títulos do Brasileirão em 1981, com gol de Baltazar, e da Libertadores e do Mundial, em 1983, pelos pés de Renato.

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Rigo: identificação com o Grêmio desde criança

No final dos anos 1980, o empresário iniciou seu envolvimento com o futebol. Assumiu o cargo de diretor financeiro na Sociedade Esportiva São Borja em 1989 e foi presidente do clube no biênio 1991-1992. Voltou a responder pelo financeiro no ano seguinte, e viu Zé Alcino surgir para o futebol. Em 1994, o atacante marcou 23 gols na segunda divisão do Gauchão - abrindo caminho para um empréstimo ao Inter no ano seguinte. Depois de 1999, Rigo deixou a direção do São Borja, mas seguiu auxiliando o clube com o patrocínio da Pirahy.

Cidade do Arroz

A matriz da Pirahy ficou pequena para a alta demanda da empresa em 2000. Surgiu para Rigo, a oportunidade de expandir, mais uma vez, a produção. E, em 2002, inaugurou o que chama de filial, no quilômetro 530 da BR-287, estrada que liga São Borja a Santiago e Santa Maria.

Em uma área de 34 hectares, ergueu uma verdadeira cidade do arroz, uma planta industrial que é referência em beneficiamento na América Latina. Na época de colheita, que se inicia no verão, o pátio da Pirahy vira um entra e sai de caminhões — tão movimentado quanto a Arena em dias de jogos do Grêmio.

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Rigo em frente a planta industrial da Pirahy

Toneladas e mais toneladas de arroz com casca, comprados dos produtores da região por meio de uma rede de corretores, são depositados nos 68 silos de armazenamento na fábrica, que tem capacidade para estocar 5,5 milhões de sacas de 60kg.

Na planta, a obsessão pela limpeza é total. Todo funcionário precisa lavar as mãos com sabonete e álcool gel, usar jaleco, toca e óculos antes de iniciar o trabalho na linha de produção. O pó gerado pelo processamento é aspirado para não contaminar o ambiente. E a casca é reutilizada, dando origem ao óleo de arroz, que é vendido a clientes na Ásia.

— É um produto com propriedades medicinais, os japoneses chegam a brigar pelo nosso estoque — conta João Julião, gerente industrial da Pirahy.

Foi na filial onde o Prato Fino se consolidou de vez. A ideia de Rigo, ao lançar a marca, era destacar a qualidade do produto. Afinal, a preocupação vem desde a lavoura, já que a Pirahy beneficia as sementes plantadas e acompanha a germinação e o desenvolvimento das produções que compra.

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Rigo em uma das unidades de checagem de arroz na Pirahy

O arroz que entra na indústria é checado grão a grão. Tudo para eliminar defeitos, como grãos gessados, picados e amarelados — elevando a qualidade, o sabor e o cozimento. Como resultado, é líder de vendas em Minas Gerais, e amealhou boa parte do mercado em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Neste meio, Rigo é mais conhecido pela qualidade de seu arroz do que pelos investimentos no Grêmio.

— A gente queria levar uma mensagem ao mercado de que era um prato realmente fino, diferente da concorrência — explica Rigo, que, quando o Prato Fino ainda não era conhecido, mandava fardos degustações aos clientes como estratégia de fidelização.

O próximo passo é estruturar uma nova linha de produção para arroz pré-pronto na Pirahy. Uma inovação que pode marcar uma nova era para a empresa.

Terra à perder de vista

Quando não se ocupa da Pirahy, nem do hospital e de seus projetos sociais, Celso Rigo foge para uma espécie de retiro no interior de São Borja. Quase todo o final de semana, descansa em meio a uma imensidão de terra. Ao todo, é dono de mais de 11,5 mil hectares. Sua fazenda favorita é a Santa Rosa.

Mas também passa bastante tempo na sede da Dois Coqueiros. Lá, saboreia um churrasco de costela caprichado. Repousa na rede, sorve uma cuia de chimarrão e se sente em casa. Faz questão de ver de perto sua criação de gado. No total, são 7 mil cabeças, das raças Braford e Brangus. A estratégia é arrematar novilhos em leilões e vendê-los posteriormente, mais valorizados, antes do abate.

Fernando Gomes / Agencia RBS
Rigo em sua fazenda Dois Coqueiros

Ao receber a reportagem de GZH na Dois Coqueiros, os funcionários de Rigo reuniram parte do gado para um registro especial do fotógrafo Fernando Gomes com um drone. Na imagem, a terra vasta impressiona, transmite imponência, mas também quietude e tranquilidade. É quase como uma terapia para o empresário, que, questionado sobre os motivos de não plantar arroz em suas propriedades, regadas por vastas barragens, construídas para não deixar o gado com sede no verão, resume:

— Eu até poderia. Mas prefiro deixar este trabalho a cargo dos produtores, para incentivar o desenvolvimento da região.


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