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Por que a neblina tomou conta do céu de Porto Alegre por sete dias seguidos em junho

Na Capital, o mês teve 14 dias de nevoeiro, algo que não chega a ser incomum no inverno porto-alegrense, mas o que chamou atenção foi a falta de trégua: uma semana inteira em que o sol demorou a dar as caras

01/07/2016 - 04h05min

Atualizada em: 01/07/2016 - 11h58min


Bruna Scirea
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Sair da cama não tem sido tarefa fácil na capital dos gaúchos. Missão especialmente difícil na última semana, quando em todo amanhecer, sem pular um único deles, o bom-dia veio como um golpe frio e úmido. Dê uma espiada pela janela. Viu? Roubaram o céu da cidade. Suspeita-se de um tal de nevoeiro.

Porto-alegrenses estão nas nuvens. Só que não. Trata-se de um perrengue, feito de baixa temperatura e alta umidade relativa do ar. Aí, é uma tosse aqui, outro espirro ali. Dentro das casas, instauram-se guerrilhas contra o mofo. Lavar roupas? Apenas se houver secadora. Para não falar do aeroporto da cidade, que está como o humor das pessoas frente à sequência de dias sem sol: leva um tempo até operar normalmente.

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Parece o fim dos tempos, mas os meteorologistas dizem que é quase sempre assim. A neblina que toma conta de Porto Alegre é um dos fenômenos mais característicos do inverno – e costuma dar as caras a partir de maio, intensificando-se em junho. No mês que terminou na quinta-feira, foram 14 os dias de cerração, de acordo com registros do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Nos últimos cinco anos, ficou em 15 a média das manhãs esbranquiçadas na Capital – apenas o inverno passado destoou, com somente 10 dias de nevoeiro.

– A população pode estar estranhando porque, em 2015, o fenômeno mais forte nesta época do ano foram as chuvas. Teve o El Niño, as temperaturas ficaram mais elevadas, e a chance de neblina era menor (veja ao lado como o fenômeno se forma). Agora temos um inverno com cara de inverno. Portanto, não há nada fora do normal. Ano passado é que foi atípico – afirma Fábio Luengo, meteorologista da Somar.

Para o meteorologista do Grupo RBS e do Inmet Cléo Kuhn, a sensação é de que neste ano a neblina está demorando mais para se dissipar ao longo das horas – até há dias em que ela sequer chega a ir embora.

– Porto Alegre é uma cidade grande, com maior concentração de temperatura. E está localizada ao lado de muitos rios, que têm as águas geladas em função das baixas temperaturas deste inverno. É a combinação perfeita para o rápido resfriamento da superfície e, assim, a formação dos nevoeiros, que não vão embora sem vento ou o aparecimento do sol – explica Cléo Kuhn.

Frio volta e pode trazer neblina

A boa notícia é que as temperaturas devem aumentar até a próxima segunda-feira, dispersando o nevoeiro. A semana pode começar com 25°C em Porto Alegre. Mas, como nem tudo é fácil, o frio volta na terça e, com ele, talvez regresse a nuvem branca sobre a cidade.

Enquanto isso, a população vai lidando com o humor. Tem também a umidade – que muitas vezes influencia no ânimo das pessoas.

Você toma banho. Estende a toalha. O banho já venceu, e a toalha ainda não secou. E aí? Vai se secar com toalha molhada neste frio? E o que vestir: a pilha do armário já está se esgotando, porque não se pode lavar a roupa sem o sol.

– O problema desta época do ano é o excesso de umidade e a falta de ventilação. Está frio, não tem muito sol, e as pessoas abrem menos as janelas. Mas o segredo é deixar o ar correr pela casa – diz José Roberto Mendiccelli, empresário, dono da agência Santa Faxina, que trabalha no ramo da limpeza há 18 anos.

O banheiro costuma ser um dos cômodos mais afetados pelo surgimento de mofo. A dica de Mendiccelli é, além de deixá-lo bem arejado, reforçar a limpeza com água sanitária. Outro possível criadouro de fungos nesta época são os roupeiros. Para que o ar circule por dentro do móvel, a sugestão é ligar um ventilador em frente dele vez que outra. Outra forma de evitar o bolor é deixar uma caixa de giz, esses de quadro negro mesmo, dentro do armário – você verá em alguns dias que eles se desmancharão em função da umidade absorvida. É a hora de trocá-los.

Baixa luminosidade influencia estado de ânimo

O que não é tão fácil de resolver é o humor das pessoas. A baixa luminosidade e a falta de sol reduzem a produção de serotonina e aumentam a produção de melatonina. A serotonina é um dos neurotransmissores que regulam o humor. A melatonina é um hormônio que modula o nosso sono. A gente fica menos disposto a fazer coisas e mais sonolento.

– Não temos como mexer no clima. Então depende muito da nossa boa vontade não deixar se abater. Devemos procurar fazer coisas que possam nos manter ativos. Ficar em casa encolhido por muito tempo não faz bem a ninguém. Esse costuma ser um momento mais difícil para pessoas que têm depressão sazonal. Elas ficam lentificadas, a vida lhes parece difícil e passa a ser em preto e branco – afirma Anissis Moura Ramos, especialista em psicologia clínica.

Professor de biometeorologia na Faculdade de Meteorologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Anderson Spohr Nedel acrescenta:

– Estudos recentes que fizemos mostram que invernos frios e úmidos são muito mais prejudiciais à saúde humana do que aqueles mais secos. O reflexo disso são o aumento no número de consultas médicas e internações hospitalares por doenças respiratórias, como asma e bronquite.

O pneumologista Paulo Robero Goldenfum, presidente da Sociedade de Pneumologia do Rio Grande do Sul, enumera os problemas:

– A associação do frio com a umidade gera um efeito muito ruim em pacientes de doenças crônicas respiratórias, como asma, bronquite, enfisema pulmonar e rinite alérgica. Pode ser um fato desencadeante para broncoespasmos e quadros de rinite alérgica. O que a gente tem visto nos consultórios são quadros permanentes de tosse, causando muita irritação nas mucosas. Além disso, doenças infecciosas estão levando mais tempo para curar, o tratamento está mais prolongado. As emergências estão lotadas, e os pacientes asmáticos estão sofrendo muito.

O frio úmido é o pior porque provoca o resfriamento de todo o corpo. Nestas situações, Goldenfum dá algumas dicas: sapato com solado de borracha, que evita que umidade e o frio entrem pelo pé; usar camisetas segunda-pele, para manter a temperatura corporal; manter as extremidades (mão, pés e cabeça) aquecidas, sobretudo no caso de crianças e idosos; ingerir líquidos quentes; e, claro, aproveitar cada nesguinha de sol para absorver vitamina D. Sua falta pode acarretar uma série de doenças, desde insuficiência cardíaca até depressão sazonal.



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