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Novo governo

"O que está no nosso radar é a eficiência do gasto dos recursos", diz ministro da Saúde 

Em entrevista a ZH, Ricardo Barros afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS) "não tende a ter redução" e que mudanças na legislação do aborto não estão em discussão no momento

27/07/2016 - 04h04min

Atualizada em: 27/07/2016 - 04h05min


Péricles Lamartine da Costa
Péricles Lamartine da Costa
Ministro da Saúde, Ricardo Barros

Na cadeira de ministro da Saúde há dois meses e meio, desde que Dilma Rousseff foi afastada e Michel Temer ascendeu como presidente interino, Ricardo Barros (PP-PR) trabalha com o discurso da eficiência. É o caminho que indica para tentar melhorar o serviço prestado aos brasileiros, diante de um cenário em que o governo rema para administrar seu rombo fiscal.

Engenheiro civil, ex-prefeito de Maringá (PR) e com cinco mandatos consecutivos de deputado federal, Barros revisa contratos, negocia redução de preços de medicamentos e corta cargos para tentar equilibrar as contas da Saúde sem prejudicar os atendimentos. O modelo vale para o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), alvo de críticas do ministro.

Cauteloso nas palavras, ele evita cravar um prazo para que seja cumprida a lei que prevê o início do tratamento de câncer em até 60 dias depois do diagnóstico. Também não previu data para resolver o credenciamento e a liberação de recursos para UPAs prontas, mas que ainda não funcionam. Ele depende do aval da equipe econômica de Temer.

Enquanto busca um reforço em seu caixa, Barros foge de polêmicas. Depois de declarações controversas (veja algumas destacadas no fim da matéria) nas primeiras entrevistas que concedeu ao tomar posse, o ministro adota tom prudente.

Na conversa de 25 minutos com ZH, em seu gabinete em Brasília, afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS) "não tende a ter redução" e que mudanças na legislação do aborto não estão em discussão no momento. Confira os principais trechos.

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No primeiro semestre de 2016, 910 mil pessoas deixaram os planos de saúde. Devem, provavelmente, recorrer ao SUS. O sistema tem condições de atender o acréscimo na demanda?
Haverá, eventualmente, uma demora maior em um ou outro atendimento, mas temos condições de atender. O SUS é um sistema muito amplo e preparado. A queda nos planos é vinculada aos empregos que as pessoas perderam. É uma situação de duplo prejuízo. Nós temos de dar cobertura, e o SUS está pronto para atender as pessoas.

A tendência é de que o número de usuários dos planos caia?
A saída dos planos tem relação direta com o desemprego. A maioria das pessoas que saiu foi porque perdeu o emprego, e o plano estava vinculado a ele. A retomada do crescimento e a queda da inflação, e os índices macroeconômicos estão muito positivos para o governo Michel Temer, vão gerar um espaço fiscal maior, a confiança do consumidor e a retomada dos empregos, com o acesso das pessoas aos planos de saúde.

As reclamações quanto aos serviços prestados pelos planos de saúde seguem altas. Como melhorar?
O Procon e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) são os responsáveis pela fiscalização dos atendimentos dos planos. A orientação é cobrar qualidade e o cumprimento do que está estabelecido em cada contrato.

Está em discussão no ministério repensar a universalização do SUS?
Essa discussão não existe. O SUS só tem crescido desde que foi criado. Nós discutimos a incorporação de novas tecnologias, tratamentos, procedimentos. O SUS não tende a ter redução.

A PEC do teto do gasto público pode reduzir o investimento na saúde?
Não vejo que ela (a PEC) prejudique a saúde. Se você ler o texto atentamente, perceberá que ela ressalva os recursos da saúde e, na interpretação literal, até amplia.

Para o equilíbrio financeiro do SUS no longo prazo, é preciso aumentar arrecadação, via impostos, ou reduzir despesas por meio de cortes de serviços?
Como nós temos um processo de judicialização muito amplo na saúde, a redução de serviços não está no nosso radar. O que está no nosso radar é melhorar a eficiência do gasto dos recursos que já temos. É essa melhoria de gestão dos recursos que poderá ampliar atendimentos.

O que o senhor implementou de mudança na gestão?
Temos eliminado determinadas ações que não produziam resultados efetivos para o ministério, renegociamos contratos e reduzimos preços. Agimos de forma muito firme na compra de medicamentos, com redução de preços, mesmo daqueles que têm fornecedor único e que são patenteados. Também cortamos cargos no ministério.

O Rio Grande do Sul tem unidades de pronto-atendimento (UPAs) prontas, mas que não funcionam por falta do credenciamento junto ao ministério, que permite o repasse de recursos. Como colocá-las em funcionamento o mais rápido possível?
São recursos novos, que precisam ser autorizados pela equipe econômica. Estou fazendo gestões junto à equipe econômica para isso, mas não tenho autorização para credenciar nenhum novo serviço, nem para repassar recursos àqueles serviços que já estão ocorrendo, porque há UPAs que não estão funcionando, e UPAs que estão funcionando somente com o aporte do município, sem a nossa participação.

É possível resolver até o final do ano?
Espero resolver, mas não posso afirmar porque é uma decisão da equipe econômica. Sem recurso, não posso fazer a autorização de funcionamento. Se o prefeito quiser inaugurar (a UPA) e tocar por conta própria, o risco é dele, da capacidade financeira que tem. No ministério, não estamos autorizando nenhum novo serviço, porque há serviços que estão sendo executados e que nós não estamos pagando a nossa participação.

O senhor teve de arbitrar uma disputa do PP-RS pela superintendência do Grupo Hospitalar Conceição. O que há de tão interessante no GHC para justificar quatro ou cinco deputados brigando pela indicação?
É natural que a gente faça uma conciliação da questão técnica com a política. Fizemos uma acomodação. O Sparta (Mauro) é funcionário de carreira e está na diretoria que contempla uma das alas (diretoria técnica). A Adriana (Denise Acker, nova diretora-superintendente do GHC) não é funcionária de carreira, é uma gestora. Ela substitui a Sandra (Fagundes), que também não era funcionária de carreira. Mantivemos a mesma regra de colocar um servidor na diretoria e trazer uma visão de gestão para o GHC. Acho que vai dar certo.

Servidores afirmam que as indicações políticas para diretoria do GHC nos governos petistas prejudicaram a qualidade do serviço prestado. A nova diretoria tem indicados por PP e PMDB. A troca do partido dos indicados garante a melhora no serviço?
Não tem nada de partido. Nesse assunto, o partido não tem importância, o relevante é a qualificação da pessoa indicada. Eu recusei algumas indicações, não aceitei alguns currículos, e aqueles que eu achei que tinham o perfil terão a oportunidade de mostrar a que vieram. Vamos aguardar que o resultado seja interessante para a sociedade.

O senhor fez críticas públicas ao trabalho do GHC, que teria um quadro de funcionários inchado. Há previsões de cortes? Que melhorias o ministério espera no Conceição?
Estou aguardando que a nova diretoria apresente um plano de ação, no qual espero que haja enxugamento da estrutura, melhora de resultados e busca por produzir mais serviços de saúde com os recursos que temos lá.

Hospitais filantrópicos reclamam dos valores da tabela SUS. No atual cenário do país, é possível reajustar os preços ou a meta é apenas manter os pagamentos em dia?
Estamos mantendo os pagamentos em dia, já recuperamos o contingenciamento que havia sobre o orçamento de 2016. Não temos recursos para novos credenciamentos, por isso teremos de fazer um esforço junto à área econômica. A reclamação do reajuste da tabela é legítima. Hoje, 60% do nosso credenciamento é tabela SUS e 40% são incentivos, que têm valores mais atualizados. As filantrópicas têm por missão fazer um equilíbrio atendendo 60% SUS e 40% convênios, usando o superávit dos atendimentos de convênio para equilibrar o déficit do SUS. As filantrópicas bem-sucedidas estão nessa linha e mantêm contas em ordem.

A Olimpíada começa na próxima semana e muitos atletas ainda falam do receio de contrair o zika vírus. A situação está sob controle?
Estamos respaldados pelo Comitê Olímpico Internacional e pela Organização Mundial da Saúde, que recomendam a vinda aos Jogos. Pesquisa da Universidade de Cambridge (Reino Unido) diz que o risco de um dos 500 mil turistas que devem vir ao Brasil pegar zika é de menos de um para cada 500 mil pessoas. Isso corrobora os dados de dengue na Copa do Mundo: de 1,4 bilhão de turistas estrangeiros, só três pegaram dengue.

O senhor assumiu o ministério em meio a um surto provocado por um mosquito (Aedes aegypti) que chegou a ser erradico do país. Onde o Brasil errou?
Pegamos uma situação em andamento e estamos tomando providências no sentido de combater o foco, o mosquito em si. Estamos tentando combater a doença por meio do desenvolvimento de vacinas, testes rápidos, de modo que a gente possa dar mais conforto à população. Não diria que tem algum foco específico de erro. O zika está presente em 60 países. Nesse mundo globalizado, é inevitável o trânsito do vírus.

Logo depois da sua posse, o senhor deu uma declaração de que era preciso conversar com a Igreja sobre a política de aborto. Essa conversa foi feita? A política pública pode mudar?
A lei está estabelecida, o governo cumpre a lei. Não percebo que esse assunto esteja no debate agora. Vale o que está na legislação (o aborto é permitido em casos de gravidez resultante de estupro, risco de morte para a mãe ou de fetos com anencefalia).

O senhor concorda com a posição do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu a lei que liberou porte, uso, distribuição e fabricação da fosfoetanolamina?
A decisão do Supremo reforça o nosso modelo de regulação, no qual é preciso ter registro na Anvisa para poder comercializar o produto. Esperamos que alguém se apresente. Em Cravinhos (SP), há um laboratório que pedirá a aprovação do princípio ativo, comprovação de que o medicamento de fato entrega seu resultado. Aí, ele será comercializado livremente.

Dados do ministério mostram que quatro em cada 10 pacientes só conseguem começar o tratamento de câncer após o prazo legal – até 60 dias depois do diagnóstico. É possível melhorar a estatística?
Temos um plano de expansão da radioterapia com 80 novos aceleradores lineares, que estão em instalação, mais 57 convênios com entidades que instalarão também seus aceleradores lineares. Temos comprado medicamentos para o abastecimento, especialmente os biológicos. Evidentemente, precisamos ampliar a estrutura para que possamos atender a todos dentro do prazo. É um esforço que o ministério faz.

Quando será possível cumprir o prazo estabelecido em lei?
Não temos previsão para isso, porque, em algumas regiões, o atendimento está sendo feito no prazo e em outras não. É uma questão de compensar a infraestrutura.

A UNAids – programa da Organização das Nações Unidas (ONU) – alertou que a aids avançou no Brasil entre 2010 e 2015. Quais ações que o Ministério da Saúde vai tomar?
A nossa coordenadora do departamento de aids, Adele (Benzaken), é uma pessoa reconhecida mundialmente na área, conhece profundamente o setor e representa o Brasil em encontros internacionais. Esperamos conter essa progressão da aids, como já vinha sendo feito. Se houve algum erro de condução estratégica que tenha provocado esse aumento, nós procuraremos corrigi-lo o mais breve possível.

Ao assumir, em maio deste ano, Barros deu declarações polêmicas, algumas logo contestadas. Veja abaixo:

"A capacidade do governo para suprir todas essas garantias que tem o cidadão não é suficiente. Não estamos em um nível de desenvolvimento econômico que nos permita garantir esses direitos por parte do Estado".
Entrevista para a Folha de S.Paulo em 16 de maio

"Se (o paciente) não sair ou com receita ou com pedido de exame, ele acha que não foi 'consultado'. Isso é uma cultura do povo, mas acho que todos nós temos de ajudar a mudar, porque isso não é compatível com os recursos que temos. Não temos dinheiro para ficar fazendo exames e dando medicamentos que não são necessários só para satisfazer as pessoas, para elas acharem que saíram bem atendidas do postinho de saúde.
Entrevista em 15 de julho em evento na sede da Associação Médica Brasileira (AMB), em São Paulo

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