Piquetchê do DG
Legado deixado por Paixão Côrtes inspira tradicionalistas
Folclorista que morreu na segunda-feira (27) ergueu as bases do que é cultivado em todo o Estado no mês de setembro
Os 3 mil Centros de Tradições Gaúchos (CTGs) hoje espalhados pelo Brasil e pelo mundo mostram que as “façanhas” de Paixão Côrtes, literalmente, serviram de “modelo a toda Terra” – assim como diz o hino do Rio Grande do Sul.
De Livramento, sua cidade natal, trouxe para Porto Alegre o zelo pelas tradições gaúchas e, para além das fronteiras rio-grandenses, levou o folclore e os costumes do gaúcho. Mais do que modelo para a Estátua do Laçador, Paixão foi responsável por reacender o orgulho farroupilha.
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João Carlos D’Ávila Côrtes morreu aos 91 anos na segunda-feira passada, deixando um legado para o tradicionalismo rio-grandense.
No Julinho
Nos anos 1950, no Colégio Júlio de Castilhos, na Capital, o jovem da fronteira começou a manifestar seu gauchismo.
Ao lado de Barbosa Lessa e de outros colegas vindos do interior do Estado, Paixão montou na escola o Departamento de Tradições Gaúchas (DTG), um centro de convivência destinado a preservar as tradições gaúchas. Mantido até hoje, o DTG do Julinho é um dos locais por onde a Chama Crioula passa antes de seguir caminho para o Acampamento Farroupilha.
Foi no DTG do Julinho que surgiu a ideia de realizar a primeira ronda gaúcha. Intitulada “Ronda Crioula”, a festividade em alusão à Semana Farroupilha foi realizada entre 7 e 20 de setembro de 1947 no próprio colégio, incluindo diversas atividades.
Entre elas, estava o acendimento de um candeeiro crioulo e o primeiro baile gauchesco no Teresópolis, no dia 20.
“Olhava sempre lá na frente”
Paixão foi responsável por fundar o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, o 35 CTG, localizado na Avenida Ipiranga, bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre, dando início a um movimento tradicionalista organizado e que tomou proporções nacionais. Estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas frequentem centros tradicionalistas no Rio Grande do Sul atualmente.
– Assim como representado na Estátua do Laçador, Paixão era um gaúcho altivo. Olhava por cima, procurando lá na frente algo que ele só iria buscar no futuro – comenta Nairo Callegari, presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).
Nairo acredita que o maior legado de Paixão para a sociedade é o resgate da memória do gaúcho, trazendo à tona um sentimento nunca antes manifestado.
– Ele se apropriou da herança genética e cultural do gaúcho, mexendo com o sentimento de pertencimento não dos tradicionalistas, mas da sociedade gaúcha como um todo. Qualquer pessoa, quando enxerga a chama crioula, é deixada levar por uma emoção que remete aos nossos antepassados – reconhece o presidente.
Pesquisadora foi uma de suas alunas
Autora de mais de 30 livros sobre folclore e história da mulher gaúcha, Elma Santana garante:
– Eu aprendi a pesquisar com ele (Paixão) e com o Nico Fagundes.
De acordo com Elma, o pesquisador foi o primeiro a incentivá-la a iniciar os estudos sobre a mulher no folclore, indicando as primeiras fontes de pesquisa. Inclusive, uma das suas obras, As Parteiras, foi dedicada ao mestre.
– Na hora de acender a Chama Crioula, eu me lembrava que tudo isso foi Paixão Côrtes que iniciou – recorda Elma Santana, que, em 2017, foi patrona da Semana Farroupilha.
Guaíba muda tema da Semana Farroupilha
Em homenagem a Paixão Côrtes, o município de Guaíba decidiu mudar o tema da Semana Farroupilha. Assim, a cidade e suas entidades deixam de seguir a temática proposta pela Comissão Estadual dos Festejos, que era o tropeirismo. A ideia partiu do patrão do CTG Gomes Jardim, Sandro Quadrado, e foi aceita pela prefeitura. O MTG ainda não adotou a proposta e algumas atividades que já haviam sido preparadas, como as que ocorrerão em Passo Fundo, podem ser realizadas normalmente.
Além do evento, o Movimento Ponte de Guaíba (MPG) está pressionando o governo para denominar a segunda ponte sobre o Guaíba, ainda em obras, de “Travessia Paixão Côrtes”.
Quem foi Paixão Côrtes
- Paixão Côrtes nasceu em 12 de julho de 1927, em Santana do Livramento.
- A primeira vez em que o tradicionalista visitou Porto Alegre foi em 1935, no centenário da Revolução Farroupilha.
- Aos 17 anos, começou a trabalhar como classificador de lã na Secretaria da Agricultura, onde também foi professor dos cursos de classificação de lã, ovinotecnista e, por fim, chefe do Serviço de Ovinotecnia.
- Em 1949, formou-se em Agronomia pela UFRGS.
- Criou o pioneiro Conjunto Folclórico Tropeiros da Tradição, em 1954, e no mesmo ano, posou para o escultor Antônio Caringi, dando origem à estátua de O Laçador.
- Nos últimos anos, desenvolveu o Projeto Mogar, reunindo o material de suas pesquisas em cerca de 40 livros e milhares de folhetins e folders distribuídos em escolas, CTGs e grupos artísticos.