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Três Passos

Madrasta de Bernardo isenta Boldrini e diz que morte foi acidental: "Só quero o perdão dele"

Segunda ré a ser interrogada, Graciele Ugulini afirmou nesta quinta-feira que, apesar de relação conturbada com o enteado, "não faria nada" contra ele

14/03/2019 - 22h07min


Adriana Irion
Adriana Irion
de Três Passos
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Jefferson Botega / Agência RBS
Graciele foi interrogada nesta quinta-feira e disse que o então marido, Leandro Boldrini, não teve participação na morte

A sessão do júri com depoimento de Graciele Ugulini, madrasta de Bernardo Uglione Boldrini, lotou o Fórum de Três Passos na manhã desta quinta-feira (14). A mulher acusada de ter planejado e matado o menino chorou durante quase todo o depoimento à juíza Sucilene Engler e manteve a versão de que o marido, Leandro Boldrini, não soube da morte do filho.

— Não foi nada premeditado e o Leandro não tem nada que ver com isso. Só quero o perdão dele. É injusto uma pessoa estar presa sem ter nada a ver.

Graciele descreveu o relacionamento com Bernardo logo que foi morar na casa de Boldrini como ótimo. 

— Ele era amoroso, percebi a carência, me abracei nele como um filho.

Ao dizer que queria formar uma própria família, contou de um aborto espontâneo e chorou. E admitiu que a relação com Bernardo piorou com a nova gravidez, que era de risco, e com o nascimento da filha prematura.

— Todo meu amor foi para ela, até meu amor próprio eu perdi. Só amava ela. Eu não enxergava que tinha outra criança precisando de amor e atenção.

Graciele repetiu bastante a situação de estar sobrecarregada com as tarefas de casa por causa do excesso de trabalho do marido.

— Hoje percebo que na época eu estava doente, estava no fundo do poço. Os atritos iam aumentando. A gente brigava, nunca agressão física, nunca encostei um dedo nele.

Quando questionada pela juíza Sucilene Engler sobre a ida para Frederico Westphalen no dia 2 de abril de 2014, dois dias antes do crime, Graciele disse ter ido fazer coisas particulares e que comprou Midazolam para ela própria, para tomar porque não conseguia mais dormir e se sentia doente.

Quanto ao receituário apreendido pela polícia, admitiu ter falsificado a assinatura de Boldrini. Esse foi um tópico destacado pela defesa de Boldrini, de que a assinatura não era do médico.

Eu estava desesperada. A Edelvânia dizia 'vamos levar para o hospital'. E eu dizia não dá, as pessoas vão achar que eu dei remédio de propósito por causa das brigas. Ela insistiu, mas eu não deixei.

Sobre o dia do crime, ela disse que foi Bernardo que pediu para ir junto na viagem e que pediu remédio para enjoo antes de sair de Três Passos. Afirmou que Bernardo ficou nervoso na estrada porque eles tinham sido multados. Tinha ritalina na bolsa e deu ao menino.

— Mas ele continuava agitado — afirmou.

Graciele disse que, então, jogou a bolsa para trás para que Bernardo tomasse mais remédio: 

— Não vi se ele tomou. Ele sabia tomar o remédio. 

A ré disse que em Frederico  Westphalen passaram para o carro da amiga Edelvânia Wirganovicz, também ré no processo, e que, quando viu, Bernardo dormia e babava.

— Levantei a camiseta dele e vi que não tinha movimento respiratório. Não tinha batimentos. Eu estava desesperada. A Edelvânia dizia "vamos levar para o hospital". E eu dizia não dá, as pessoas vão achar que eu dei remédio de propósito por causa das brigas. Ela insistiu, mas eu não deixei. Eu pensava no que as pessoas iam falar, que eu ia ser presa e ia ficar longe da minha filha.

Graciele disse que pediu para Edelvânia ajudá-la a esconder o corpo e então a amiga indicou um lugar no interior da cidade. Segundo a madrasta, as duas começaram a cavar um buraco com um equipamento que a amiga pegou no porta-malas.

A juíza perguntou de onde surgiu a soda cáustica e Graciele disse inicialmente que não sabia, que não lembrava, mas posteriormente afirmou que não havia soda cáustica: 

— Ela cavou o buraco e a gente colocou ele ali dentro. Colocamos pedras e folhas por cima.

A juíza, então, perguntou se ela não ficou abalada ao voltar para a cidade:

— Eu tive que mentir — disse.

Sempre chorando, a madrasta de Bernardo disse que pensou em contar ao marido sobre a morte, mas não fez. E negou que tenha dado dinheiro à amiga pela ajuda. Teria sido tudo na base da "amizade".

Adriana Irion / Agência RBS
Graciele chorou ao longo de boa parte do interrogatório

Ré não respondeu a questões da acusação

Após os questionamentos da juíza, a defesa de Graciele informou que sua cliente não responderia às perguntas do Ministério Público. A palavra, então, foi passada a seu advogado.

Vanderlei Pompeo de Mattos, defensor de Graciele, começou a perguntar por volta das 10h15min. Os questionamentos foram na linha de demonstrar que Bernardo tinha roupas e alimentos em casa, numa tentativa de contrapor os depoimentos que apontavam que o menino passava necessidades.

Pompeo de Mattos destacou depoimentos em que testemunhas citavam que Bernardo era rebelde com Graciele e não gostava de cobranças que a madrasta fazia. Sobre o relato de que Graciele teria aplicado injeção em Bernardo, ela negou. Em depoimento à polícia, Edelvânia Wirganovicz, que confirmou o plano da madrasta para matar o menino, contou que ela deu uma injeção já no meio do mato. Teriam dito ao menino que era para ir a uma benzedeira.

Preciso que entendam que foi um estúpido acidente, uma sucessão de erros, fiz tudo errado, mas o que aconteceu não foi por querer.

O advogado de defesa insistiu muito na linha de que a madrasta forçava hábitos de limpeza e que Bernardo não gostava. Com as perguntas do defensor, Graciele aproveitou para ressaltar que fez um juramento de salvar vidas por ser enfermeira:

— Não sou esse monstro que a imprensa sensacionalista criou.

O advogado também discorreu sobre viagens que o menino fazia com Graciele, que ela o levava a casa de parentes sem problemas de relacionamento.

— Deu algum tiro nesse guri, facada, paulada? — questionou o advogado.

— Não, apesar das nossas brigas, não faria nada para ele.

Pompeo de Mattos diz que perícia não confirmou morte por midazolam. E perguntou se Graciele teria outros remédios na bolsa. A ré disse não lembrar. Advogado quer saber se ela pensava em matar o menino.

— Claro que não. Às vezes, a gente fala coisa sem pensar — disse a madrasta.

Graciele disse que a prisão foi o "fim" da vida dela. Revelou que viveu em isolamento na prisão em Guaíba por dois anos e meio e que nunca teve problemas de comportamento. A ré disse que entravam bichos e água da chuva na cela, já que a janela não tinha vidro. Perguntada se a situação a abalou, disse:

— Eu não lembrava das coisas, comecei a ter alucinações. Daí me levavam para o hospital psiquiátrico, várias vezes. Tive várias internações. Me seguravam e dando várias injeções e eu dormia dois, três dias.  

Questionada sobre os motivos de se automedicar, respondeu:

— Avalio que estava deprimida, estressada e sem vontade de viver.

Graciele também destacou que tinha vergonha e escondia a doença de Boldrini. Alegou que comprava medicação escondida.

Ao falar da filha que não vê há cinco anos, chorou compulsivamente.

— Não vi ela caminhar. Não vejo ela desde bebê — disse Graciele, que depois fez um pedido aos jurados: — Só quero cuidar da minha filha. Preciso que entendam que foi um estúpido acidente, uma sucessão de erros, fiz tudo errado, mas o que aconteceu não foi por querer.

O advogado de Edelvânia Wirganovicz, Jean Severo, perguntou se Graciele tinha "uma pessoa" em Frederico, e ela confirmou que tinha alguém que a "ouvia" nos últimos tempos. E quis saber a participação de sua cliente no crime:

— Ela só me ajudou a enterrar ele. 

A defesa de Evandro, irmão de Edelvânia, só quis saber se ele teve participação. Graciele disse que nem o conhecia.

Jefferson Botega / Agência RBS
Madrasta de Bernardo não respondeu aos questionamentos do Ministério Público

"Eu dissimulei"

Depois dos advogados, a juíza Sucilene Engler retomou a palavra perguntando porque Edelvânia teria contado à polícia sobre um plano para matar Bernardo.

— Acho que ela ficou com medo. Ela disse que na delegacia foi pressionada, que se contasse aquilo seria liberada. Não foi nada premeditado e o Leandro não tem nada que ver com isso. Só quero o perdão dele. É injusto uma pessoa estar presa sem ter nada a ver.

Graciele voltou a dizer que brigas com Bernardo eram pontuais. Disse que desabafava com algumas pessoas sobre a situação. Juíza perguntou sobre a festa que o casal foi no sábado, um dia depois da morte do menino:

— Tentei de todas as formas agir de forma normal, cumprir rotina para Leandro não desconfiar.

— A senhora participou das buscas sabendo que ele estava morto? — perguntou a juíza.

— Sim, eu dissimulei.

A juíza perguntou se Graciele havia falado que teria que dar fim na situação e que tinha pessoas para resolver isso, ao que a ré admitiu ter falado em "momento de raiva".  O interrogatório foi encerrado às 11h21min.


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